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Romaria do Bom Jesus dos Navegantes foi inspirada num evento cívico-comercial

Por Nelson Cadena

Romaria do Bom Jesus dos Navegantes foi inspirada num evento cívico-comercial
Foto: Acervo Pessoal

Thome de Souza cogitou instalar Salvador em Itapagipe, optou pela cidade alta, onde construiu a cidade murada com a Ribeira das Naus, como suporte de infraestrutura, no espaço que hoje ocupa o II Distrito Naval; Itapagipe continuou sendo um desejo de moradia e a fé se encarregou disso. O culto ao Senhor do Bonfim e ao Bom Jesus dos Navegantes, favoreceu esse desejo. Ambas as festas, umbilicalmente vinculadas à matriz da Conceição da Praia, de onde partem a romaria a pé até a Colina Sagrada, na quinta feira da Lavagem, e a romaria marítima até o Largo da Boa Viagem, em Itapagipe, no Ano Novo.


E assim, “A Conceição da Praia está embandeirada/De tudo quanto é canto muita gente vem/
De toda parte vem um baticum de samba/Batuque, capoeira e também Candomblé/O sol está queimando, mas ninguém da fé”, cantou Caymmi, eternizando o cordão umbilical aqui referido entre a Conceição da Praia e o culto ao Senhor nos Navegantes. 


A romaria do Bom Jesus dos Navegantes, uma festa religiosa, realizada pela primeira vez em 1841, teve inspiração numa festa cívico-comercial e não em promessas de pescadores como os párocos da igreja andaram pregando e, sei lá se ainda pregam: o préstito foi organizado pelo comerciante inglês João Diogo Sturz, em 1839, para celebrar a inauguração da navegação a vapor na Bahia. Reuniu em 1º de janeiro, barcos a vapor, o escaler da Fragata Príncipe Imperial e da Corveta Sete de Abril e outros barcos menores, saindo do Arsenal da Marinha, hoje II Distrito Naval, rumo a Itapagipe. O Correio Mercantil destacou a surpresa do público presente nas praias: “cheias de espectadores que afluíram para observarem cena tão curiosa, quanto nova”. 


No ano seguinte, com a recriação da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Navegantes__ ereta no Hospício de Nossa Senhora da Boa Viagem__ o juiz da Irmandade convocou os “devotos e a gente empregada no mar”; os marítimos__ “capitães de navios nacionais e estrangeiros para comparecerem junto com suas tripulações__ para a procissão de 1º de janeiro de 1841”. O juiz era então o Intendente da Marinha Pedro Ferreira de Oliveira. 


A relação do Intendente da Marinha com a Irmandade explica o envolvimento da corporação que durante décadas, até 1889, cedeu o escaler para o transporte da imagem do santo. Que negou no ano seguinte (1890), sob a alegação de que a Constituição da República determinara a separação entre o Estado e a Igreja. A Marinha tinha razão, obedecia a Lei, mas o povo encarou de outro jeito e cheio de brios e muita determinação e sem um tostão do poder público insensível, com contribuições dos devotos, operários das fábricas e guardas da alfândega, construiu a galeota “Gratidão do Povo”. 


A mídia se engajou nesse propósito e quatro jornais abriram subscrições públicas: Estado da Bahia, Diário de Notícias, Pequeno Jornal e Correio do Povo. Faltou dinheiro no final, mesmo com alguns operários fazendo trabalho voluntário. O mestre construtor João Francisco Maia orientou as tarefas, teve o auxílio do carpinteiro João Ricardo Borges e do calafate Procópio Francisco de Souza; os três foram os pilares da construção da Galeota que contou também com um marceneiro e um dourador para o acabamento. E Manoel Dias, tesoureiro da irmandade, cuidou das finanças detalhando no balancete cada item de custo e cada serviço prestado sem ônus. 

 

*Nelson Cadena é escritor e jornalista

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias