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Capoeira nas escolas, não em arenas

Por José Olímpio Ferreira Neto e Alexandre Almeida Aguiar

Capoeira nas escolas, não em arenas
Foto: Acervo pessoal

O Mestre de Capoeira, cujo ofício é reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil, canta: “...minha educação não foi a escola que me deu, quem me deu foi a Capoeira…”. A letra da cantiga é uma crítica que traduz a realidade, pois além de denunciar o acesso precário à educação formal, também chama atenção para uma educação que não dialoga com a cultura do seu povo. Sabe-se que a educação brasileira é de base eurocêntrica, portanto, traz a visão de mundo do explorador, aquele que raptou, estuprou e matou e ainda se reveste de “homem de bem”. Apesar de reproduzir o modo de vida capitalista, a escola pode ser, ao mesmo tempo, um lugar de transformação social. Para isso, é preciso circular outras formas de ver o mundo, como os saberes das manifestações culturais afro-diaspóricas, a exemplo da Capoeira, Maracatu, Jongo, Frevo e Maculelê.

 

A Capoeira se inseriu no universo escolar brasileiro depois de um processo de embranquecimento que não deu certo. Entre aproximações e distanciamentos desses espaços, frutos de negociações e tensões, com permanência pacífica ou conflituosa, a Capoeira seguiu se firmando como uma cultura que colabora para a formação humana. Pode estar na escola, como uma atividade optativa e/ou ser da escola, inserida na grade curricular ou como conteúdo da ementa obrigatória.

 

A presença dessa manifestação cultural afro-brasileira na escola pode colaborar para a efetivação da Lei nº 10.639/03, aproximando os alunos e alunas da história e cultura afro-brasileira. Como é cantado na Roda de Capoeira, Patrimônio Cultural do Brasil e da Humanidade, à liberdade se faz “...com a verdade da favela, não com a mentira da escola…”, que foi contada por anos nas salas de aula, destacando os “heróis” brancos e silenciando os guerreiros e guerreiras negras, tal como “...Zumbi, nosso Rei Negro…”.

 

Apesar de haver aproximação entre a Capoeira e a Educação, ainda não há uma vinculação legal que assegure, explicitamente, a sua presença na escola. Ao contrário, Salvador, onde segundo o Observatório da Economia Criativa apenas 11% dos grupos de Capoeira possuem sede própria, a possibilidade de fomentar a presença da Capoeira na escola foi vetada e, paradoxalmente, foi dado apoio a um projeto para a criação de uma arena da Capoeira.

 

Distanciar a Capoeira da concepção das Rodas de Capoeira e aproximá-la do ideário de arenas, como na Idade Antiga, quando existiam arenas de gladiadores, revela uma noção eurocêntrica que não dialoga com a visão de mundo circular dos povos africanos no Brasil. A Capoeira, como expressão da democracia, afirma-se propriamente nas dimensões educativa e artística e não de competição esportiva, aproximada da concepção embranquecida e higienista. O aspecto esportivo indicado no Estatuto da Igualdade Racial não pode ser base para o seu aprisionamento nas mãos de cartolas, agentes ou quaisquer outros congêneres, que venham a controlar e explorar a Capoeira no show business da sociedade das competições.

 

Muito se discute como o profissional da Capoeira pode adentrar à escola. Há meios possíveis como um Mestre da Cultura/Tesouro Vivo/Patrimônio Vivo, por exemplo, por meio de política intersetorial, na qual cultura e educação estão em diálogo. Além disso, há profissionais com licenciaturas, em diversas áreas, que poderiam atuar nas escolas, por meio do conteúdo curricular obrigatório. Há perfis diversos que estão habilitados a promover o fluxo dos saberes atinentes à Capoeira nas escolas. Para além de reconhecimentos estatais, formalizados e burocratizados, há o reconhecimento da comunidade, com mestres e mestras de notório conhecimento.

 

Na França, há Mestres de Capoeira de Fortaleza-CE, como Juruna, Cibriba, Zangado e Pitomba, que vivem no país ministrando aulas em seus próprios espaços ou em escolas formais. Em escolas particulares, aulas são oferecidas para turmas diferentes a cada bimestre, integradas às atividades obrigatórias. O Mestre Tonho Matéria, de Salvador-BA, que também é destacado cantor da Axé Music, e o capoeirista Ailton Carmo, Mestre Besouro de Lençóis-BA, ator protagonista no filme longa metragem Besouro, têm experiências internacionais de inclusão e valorização da Capoeira. Puma Camillê, de São Paulo, já levou sua performance que alia o Vogue e Capoeira, como uma estratégia de formação e luta LGBT+, para vários países. Mestre João Grande, um Griot baiano foi reconhecido por universidades norte-americanas. Esses são apenas alguns exemplos de capoeiristas de todo o Brasil que transitam por vários continentes. Nas palavras do Mestre Juruna, que vive em Marselha há 30 anos, é “...o capoeirista integrando o mundo por meio da cultura afro-brasileira”.

 

A Capoeira na Escola, como atividade integrante da grade curricular obrigatória, no Brasil, já deveria ser uma realidade nacional. “Os Mestres de Capoeira tornaram-se muito influentes na divulgação da cultura brasileira no exterior. No entanto, na educação pública brasileira ainda não percebemos realmente as possibilidades oferecidas pela Capoeira em nível educacional”. A presença do Mestre de Capoeira poderia oferecer a cada turma a vivência na Roda de Capoeira, na qual estão presentes os valores civilizatórios afro-brasileiros10 (oralidade, corporeidade, ancestralidade, ludicidade, identidade, comunidade, axé, memória, circularidade, religiosidade) que colaboram na formação humana, efetivando assim direitos culturais.

 

*José Olímpio Ferreira Neto é capoeirista, advogado, professor. Mestre em Ensino e Formação Docente, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR), secretário executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e vice-presidente da Comissão de Direitos Culturais da OAB-CE; e Alexandre Almeida Aguiar é advogado, especialista em Direito Previdenciário, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR) e presidente da Comissão Especial de Cultura e Entretenimento da OAB/BA

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias