Urbanismo em Massaranduba: entre o passado de palafitas e o presente desigual
A história do bairro de Massaranduba teve início com o aterro de um manguezal localizado na Península de Itapagipe. Seu nome homenageia uma árvore típica da região, a Maçaranduba, mas o local também é chamado de ‘Alagados’ por ter sido construído onde antes era mar e manguezal, habitado inicialmente por operários imigrantes.
Atualmente localizado na Cidade Baixa, suas primeiras habitações erguidas eram de palafitas, que representam uma expressão única de adaptação arquitetônica às condições ambientais específicas. As casas foram erguidas sobre estacas ou pilares como resposta direta às condições dos terrenos alagadiços.
O bairro foi construído pela própria comunidade, que adquiria entulho e realizava aterramentos de acordo com os recursos disponíveis. A economia local era sustentada pela pesca e pelo pequeno comércio autônomo, enquanto a diversidade racial e cultural se manifestava nos terreiros de candomblé e nas igrejas católicas, que coexistiam harmoniosamente.
Maria Helena, pesquisadora que cresceu na região, compartilhou em sua pesquisa de 2017 o relato de dona C. M. J. M., uma moradora que chegou ao local em 1949:
“sempre gostei daqui. Me lembro que quando cheguei aqui o bairro tinha poucas casas, alguns pés de árvores de Maçaranduba, Mangueira e manguezal. O bairro era quase todo rodeado pelo mar. Logo, o bairro começou a crescer, chegando novos moradores. Os que já moravam aqui foram melhorando suas casas, os que moravam nas casas em cima da maré, começaram a colocar entulho passando a morar com mais segurança, depois chegou o asfalto e por aí vai”.
Contudo, o referido asfalto não se estendeu a todos. Ao realizar uma visita ao bairro em 2022, deparei-me com disparidades alarmantes na alocação de recursos por parte das autoridades municipais. Enquanto áreas de classe média desfrutam de infraestrutura consolidada, Massaranduba ainda encara desafios diários equiparáveis aos da década de 50: carência de pavimentação asfáltica, irregularidades nos serviços de saneamento básico e deficiência na iluminação pública.
Isso pode ser notado através de uma fotografia tirada durante este dia: uma praça recentemente reformada, iluminada pelo sol, perpassando a ideia de um ambiente devidamente assistido pelo poder público. Todavia, encontra-se moldada pelas frestas de habitações em condições claramente precárias, que denunciam o descaso enfrentado por essa população.
Este registro, por si só, convoca à reflexão profunda de diferentes aspectos: em que medida a administração pública está comprometida com a promoção da equidade urbana, considerando o contraste notório entre a infraestrutura consolidada em áreas como Barra, Pituba e Rio Vermelho e as deficiências básicas enfrentadas por Massaranduba?
Do ponto de vista urbanístico, a ausência de integração entre a revitalização de espaços públicos e o aprimoramento habitacional ressalta uma significativa lacuna na visão municipal.
Neste labirinto social, a praça torna-se um ponto focal, contrastando vividamente com a realidade negligenciada das habitações ao seu redor. É de se pensar a perspectiva do morador de uma dessas residências, numa manhã de segunda, observando a revitalização do equipamento público pelas frestas da madeira... Qual seria o impacto de contemplar um espaço devidamente zelado pelo poder público e, ao cruzar o limiar de sua residência, deparar-se com uma realidade desafiadora, carente de atenção urbanística?
A beleza de uma praça não pode ser um verniz que encobre as reais necessidades da população. O papel de um gestor público deve transcender a mera estética, portanto, deve priorizar o morador. Não se trata de diminuir a importância de equipamentos de lazer, mas de garantir que a qualidade de vida dos cidadãos esteja no centro de cada decisão.
Qual é a história que está sendo escrita para o bairro de Massaranduba? Irão os filhos de dona C. M. J. M. relatar a outro pesquisador que, mesmo em 2023, moradores carentes de recursos financeiros e desassistidos pelo Estado utilizaram escombros de obras alheias para fundar seus lares?
É essencial que a população e os órgãos fiscalizadores desempenhem seu papel ativo, exigindo uma gestão pública comprometida. O cenário em Massaranduba não representa uma situação isolada; as demandas por aprimoramentos são gritantes em diversas comunidades da capital baiana.
Não há mais espaço para debater a urgência de programas municipais eficazes que garantam moradia e urbanização de qualidade. É hora de cobrar aos responsáveis que reconheçam as necessidades da população com a qual se comprometeram, ofertando dignidade e respeito a TODOS. Não precisamos de promessas, nem mesmo de desculpas. Precisamos, verdadeiramente, de mudanças.
*Joel Meireles Duarte é advogado, mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social, mestre em Direito, em ambos, pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), com os temas em Direito à Cidade, atual coordenador jurídico da Comissão de Constituição e Justiça da ALBA, membro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB), membro da Associação Brasileira de Jurista pela Democracia (AJD).