Reforma tributária: o que muda na CSIP e nos IPVA e ITCMD
Não se deseja com este artigo assacar críticas contra o novo sistema proposto. Ao contrário: somos da opinião de que a reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados contém um modelo avançado da tributação sobre o consumo, a de valor adicionado (IVA), adotado em mais de 170 países.
A PEC 45/2019, ora a caminho para apreciação no Senado, alterou praticamente todos os tributos de competência estadual e municipal. Só o Imposto sobre a Transmissão de Intervivos (ITIV) ficou sem ser retocado.
Neste texto, vamos apreciar as mudanças nos seguintes tributos e potenciais reflexos econômicos: Contribuição para custeio do serviço de iluminação pública (CSIP), Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e Imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD).
- Contribuição para custeio do serviço de iluminação pública
A contribuição para custeio do serviço de iluminação pública hoje tem base de incidência no custeio do serviço de iluminação pública. Por idiossincrasia do legislador constitucional, este tributo vem cobrado na fatura de consumo da energia elétrica, conforme art. 149-A e seu parágrafo único.
O propositor constitucional aumentou consideravelmente a base de subsunção desse tributo. É que, além do custeio, agora serão oferecidas à incidência a expansão e a melhoria do serviço, o que, fatalmente, aumentará o valor da contribuição, devida por parcela significativa da população brasileira. Se já sofremos com os constantes aumentos dos preços cobrados pelo consumo da energia elétrica, fincados em rodízio de bandeiras de cores diferentes, agora teremos que suportar a elevação do tributo, cujos números de justificação poderão constituir um enigma, ou, no mínimo, uma inevidência. Se, de certa forma, de soslaio, tais itens de despesa pública já eram na prática cobrados, teremos agora o beneplácito constitucional.
- ITCMD
Conhecido popularmente como o “imposto sobre heranças”, em verdade este tributo incide sobre as transmissões causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, tem competência estadual e via resolução senatorial admite a alíquota máxima de 8%. No entanto, algumas novidades foram lançadas que podem afetar o bolso do cidadão.
Primeiro ficou sacramentado que o tributo será progressivo em razão do valor sucedido ou doado. A experiência internacional acusa alíquotas elevadas, chegando a níveis de 40% (EUA) de 25% (Chile) nas transmissões de grande vulto), de modo que, teoricamente, poderemos ter patamares semelhantes no Brasil. A questão preocupante é saber o que irá ser considerado como transmissão de valor significativo, de sorte que patrimônios de valor mediano poderão ser atingidos pela mão forte do tributador. Não se pode esquecer que, não obstante a progressividade prevista, a carga incidente pode ser em tal intensidade descalibrada que poderá beirar o confisco, porquanto haverá o perigo de, ao cabo da sucessão por duas ou três gerações, todo o patrimônio originalmente transmitido migrar para os cofres públicos.
- IPVA
A proposta constitucional sob mira traz para dentro deste imposto estadual a propriedade de veículos automotores aéreos e aquáticos, com previsão de imunidades específicas. Induvidosamente, a medida expressa o sentimento de justiça tributária, quase um clamor da sociedade brasileira, que via passarem intactos de tributação os proprietários de jatinhos particulares e embarcações de alto luxo. Já era tempo de haver tal previsão na Constituição Federal.
Todavia, os muito ricos, ao pagarem o IPVA sobre os seus veículos automotores, apenas terão um pequeno dissabor econômico ao recolher o gravame, tamanha a sua fortuna, até porque a tributação sobre o patrimônio, principiologicamente, não deve exibir pesadas alíquotas. O milionário apenas terá uma despesa anual que, relativamente, equivalerá aos gastos de um supermercado mensal suportado por um cidadão de poder aquisitivo médio.
A novidade nesse prisma é que agora haverá alíquotas diferenciadas não só de acordo com o tipo e utilização do veículo, mas também em função do seu valor e do seu impacto ambiental.
Isto significa dizer, em primeiro lugar, que quanto mais caro o bem, maior será a alíquota, aplicada linearmente e não progressivamente. Embora o ideal fosse a progressividade, fato é que os veículos de maior valor serão taxados com alíquotas mais altas. Não vemos irrazoabilidade na medida, se apenas os carros de alto luxo forem objeto da tributação majorada. Resta saber o que o legislador infraconstitucional vai chamar de carro de luxo e carro popular, para fins de adoção de alíquotas menores para este último e bem maiores para o primeiro.
Outro ponto de inflexão é saber qual será a alíquota para veículos automotores de impacto ambiental. Sabe-se que hoje os carros de longo tempo de funcionamento costumam ser contemplados pelos Estados com normas de desoneração, a isenção a mais utilizada. Este cenário parece querer mudar. Tais carros são altamente poluidores, com motorizações obsoletas, movidos a combustíveis fósseis, no mais das vezes.
Portanto, não seria exagerado admitir a possibilidade de carros usados por muitos anos e movidos a gasolina, por exemplo, passarem de um extremo a outro, de propriedade desonerada para sobretaxados, exatamente em virtude da sua capacidade poluente. E isto, obviamente, vai dificultar a vida do trabalhador brasileiro. Resta saber se haverá do governo disposição para financiar em massa proprietários que estejam nesta condição, similar ao que acontece atualmente com os proprietários de veículos que possuam problemas de locomoção.
Fazemos questão de reafirmar que não nos posicionamos contrários à reforma tributária ora em tramitação no Congresso Nacional. Mas precisamos ficar atentos, alertas às modificações de mérito e quantificações de carga que virão no seio das leis infraconstitucionais. É o momento de as entidades civis organizadas exercerem diligentemente o seu papel.
*Marcos Carneiro é presidente do Instituto de Auditores Fiscais da Bahia (IAF-BA) e mestre em Políticas Sociais e Cidadania e pós-graduado em Direito Tributário e em Gestão Tributária; Tolstoi Nolasco é diretor de Assuntos Tributários do IAF-BA; e Vladimir Miranda Morgado é auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, membro do Conselho Estadual da Fazenda (Consef), doutor em Direito pela UAL/UFPE, autor do livro “Fisco e Contribuinte no PAF” e ex-diretor Jurídico do IAF Sindical.