Pelé: a simplicidade majestática
Pelé também ficou conhecido pela sua simplicidade e por uma afetação zero.
Há um episódio em que estive pessoalmente com o Rei, em São Paulo, na reta final da Copa Libertadores, Santos x Peñarol, no Pacaembu, triunfo do Santos diante de milhares de uruguaios de camisa amarela e preta de listas verticais. Ocuparam todo o lado direito das cabines de rádio. Mas, a camisa impecavelmente branca do Santos estava em 90% das arquibancadas.
Antes do jogo houve uma reunião em uma das salas do estádio, onde ocorreria uma homenagem à direção do Santos, prestada pela Confederação Sul-americana de Futebol, se me lembro bem.
Compareci, representando a CBF, a pedido do Presidente Ricardo Teixeira. Lá estava Pelé, convidado especial da diretoria do clube para aquele evento. Terminada a reunião, desci rapidamente para a Tribuna de Honra e acho que fui o primeiro a entrar.
Alguns minutos depois entrava Pelé, sozinho. Como estávamos na mesma reunião, e conversamos rapidamente antes do seu início, achei natural o seu aceno educado. Essa também era uma das marcas da sua personalidade.
Mas, fiquei agradavelmente surpreso quando ele sentou-se ao meu lado, naquela tribuna completamente vazia, até o momento — o jogo começaria cerca de hora e meia depois. Aí, então, foi o Rei quem puxou o papo, sobre o seu encanto pela Bahia, sobre a sua admiração pelo Bahia, sobre o seu amor pelo Santos. De minha parte, tentei encaixar Cachoeira, mas ele não a conhecia, sequer o Rio Paraguassu.
Foi um papo de uns 20 minutos, que rolou sem indiscrições, como mandava o figurino do caso.
Fiquei impressionado com um traço de personalidade raro de ser encontrado em pessoas com tamanha importância: essa imensa simplicidade, essa completa ausência de afetação, considerado o patamar do personagem.
E essa lembrança da simplicidade dele, remeteu-me a outro episódio relacionado ao Rei Pelé, agora em Salvador: o gol 1.000 que não saiu, em Bahia x Santos, em 16 de novembro de 1969.
Teria sido um gol normal do futebol — sem a frieza de um gol de pênalti, como Andrada tomaria no logo seguinte, Vasco x Santos, no Maracaná. Claro que foi muito comemorado, não pela feitura em si, mas, muito mais por ser o número 1.000 de Pelé.
Mas aí entra uma discussão antológica: o zagueiro Nildon Birro-Doido, do Bahia, deveria ou não ter cortado aquela bola quase em cima da linha de gol, no chute imperial de Pelé? Se não cortasse, seria o 1.000, e entraria para a história com nobreza, sem pênalti. E o Bahia também faria história, como ator coadjuvante do mil.
A discussão tomou a cidade. Mas, a torcida do Bahia — o maior patrimônio do clube de 1931 até hoje — não abriu mão. No nosso Bahia comemora-se gol feito; não gol tomado.
*Virgílio Elísio da Costa Neto é Engenheiro Civil, é ex-presidente da FBF e ex-diretor de Competições da CBF
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