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Finanças da Bahia em tempo de pandemia

Por Cláudio Meirelles

Finanças da Bahia em tempo de pandemia

O Brasil é hoje o novo epicentro da pandemia de coronavírus no mundo. Já se registram mais de 600 mil casos e 34 mil mortes. A previsão de especialistas é que esse número, infelizmente, ainda cresça e chegue ao final de junho com as cores de uma tragédia humanitária. Isso aconteceu, sobretudo, porque temos um governo federal incapaz de conduzir, de forma responsável, as necessárias medidas de enfrentamento da disseminação da covid-19, tornado o Brasil uma referência negativa no mundo, apesar de todos os esforços realizados pala maioria dos governos estaduais. 

 

A Bahia, mesmo com um grande número de vítimas, está em situação bem melhor que outras unidades federativas, pois seguiu a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e elegeu como prioridade o distanciamento social, que consiste em restrições à circulação de pessoas, como de resto aconteceu nas principais nações do mundo. E também porque o governo estadual se cercou de conhecimentos científicos, imprimiu seriedade e deu unidade em seu território ao combate à pandemia.

 

Sabe-se, entretanto, que dado às condições socioeconômicas, as medidas de isolamento estão sendo de difícil execução nas comunidades mais carentes, devido à redução da renda das famílias. E como não são acompanhadas por outras medidas compensatórias, a chaga social da desigualdade está se agravando.  

 

O pagamento do subsídio de R$ 600,00 a pessoas em vulnerabilidade econômica, aprovada pelo Congresso, vem encontrando óbices que vão da dificuldade dos eventuais beneficiários em manejar o aplicativo eletrônico para solicitação da ajuda até as incontáveis filas à porta das agências da Caixa. Cerca de 30 milhões de brasileiros que solicitaram o benefício, até agora, não o receberam.

 

Por outro lado, com a restrição das atividades econômicas, a arrecadação dos tributos estaduais, como ICMS (de onde vem a maior receita do Estado), cairá abruptamente. Os números de maio mostram isso. Segundo dados da Secretaria da Fazenda da Bahia (Sefaz-BA), sequer a meta mínima de arrecadação do mês foi alcançada. Foram arrecadados R$ 1,39 bilhão, apenas 71,04% dos R$ 1,96 bilhão estabelecidos como meta mínima, muito longe dos R$ 2,038 de meta intermediária e bem mais longe ainda dos R$ 2,117 bilhões de meta ideal.

 

Não há condições ainda de dizer qual o impacto exato da pandemia na economia no Estado. Qualquer avaliação definitiva agora seria precipitada, pois não se sabe quanto tempo será suficiente para a estabilização econômica. Mas estes números citados já são significativos e suficientes para se prever um tombo, exatamente quando é necessário ter mais recursos para aportar nas áreas sociais (prover recuperação de renda àqueles autônomos cujas atividades estão paradas, ampliar programas em áreas carentes, etc). 

 

Socorro aos estados
O Plano Mansueto, reformatado e aprovado pelo Congresso, para socorrer os cofres de estados e municípios, consiste em um auxílio para a recomposição das receitas perdidas por conta da pandemia, num montante de R$ 2,015 bilhões para a Bahia, R$ 347 milhões vinculados à saúde e R$ 1,668 bilhão em recursos livres, em parcelas iguais de R$ 417 milhões, durante quatro meses. É sempre bom lembrar que essa ajuda não será de recursos adicionais e sim uma reposição de perdas que ainda não se sabe seu real valor e o tempo de duração. Mas mesmo esse recurso ainda aguarda a liberação. 

 

Foi incluída no projeto uma “punição” aos servidores públicos. Pautado na única e ineficaz cartilha econômica do ministro Paulo Guedes, impôs aos estados e municípios (sem questionamento destes), dentre outras medidas interventivas no pacto federativo, o congelamento de salários dos servidores públicos federais, estaduais e municipais, bem como a suspensão de concursos, até 31 de dezembro de 2021. Mais uma vez, o funcionalismo, que está na linha de frente do combate à pandemia, é chamado a pagar a conta, mesmo que esteja, como no Estado da Bahia, sem reajuste salarial há seis anos.

 

Paulo Guedes ofende e ataca de forma deliberada e sistemática todos os servidores públicos do país. Fiel defensor do sistema financeiro, para o qual o Banco Central já disponibilizou R$ 1,2 trilhão deste o início da crise, o ministro impôs aos estados uma Lei de recomposição parcial de perdas semelhante às de renegociações de dívida, em que são estabelecidas uma série de obrigações. Inicialmente, o governo exigiu até o fim de programas sociais para fazer a liberação dos recursos, o que é um absurdo. 

 

Cenário ruim
Sobre o valor referente à dívida com a União (Tesouro Nacional), que deixará de ser paga até 31 de dezembro de 2021, o projeto de lei complementar aprovado prevê a possibilidade de negociações contratuais com os demais credores (Banco do Brasil, BNDES e agências internacionais de fomento, por exemplo). O PLC previu a possibilidade de a União não executar as garantias e contragarantias com estes credores, desde que “a renegociação tenha sido inviabilizada por culpa da instituição”. Mas há financiamentos de valor expressivo sem a garantia da União, que são mais difíceis de renegociar. 

 

Há ainda outro problema que pode atingir nossa economia que é a deterioração das relações diplomáticas com a China, nosso maior parceiro comercial, que sustenta o nosso mercado internacional de commodities (minério de ferro, soja, carne etc) e que mantém o vigor do agronegócio no Brasil, único setor até agora que resistiu à crise trazida pela covid-19. O embaixador Sergio Amaral, que já foi presidente Câmara de Comércio Exterior e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em recente entrevista, comentou sobre os ataques da ala ideológica do governo à China: “os chineses não respondem de imediato, mas responderão mais tarde, pois eles nunca esquecem”.

 

Ou seja, nosso agronegócio deve também sofrer, além da crise com a pandemia, os efeitos de uma política externa desastrosa. Alguém pode dizer que o que temos de agricultura exportadora é somente o Oeste baiano. Não se deve esquecer que o setor movimenta dezenas de bilhões, com impactos gerais no consumo e na produção, por sua vez com implicações no Fundo de Participação dos Estados (FPE), que é a segunda maior receita da Bahia. 

 

Só lembrando, o FPE é constituído por participações nos impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados. Esse fundo também será atingido pela queda de salários (reduções de 25% a 70% e suspensões de contratos por até 2 meses trazidos pela MP 936), milhões de empregos cortados e muitos agentes econômicos parados. Basta olhar os números da indústria automobilística, que representa 22% do PIB industrial, que reduziu drasticamente sua produção, dando férias coletivas aos trabalhadores. Em abril, a redução desta indústria foi de 94%. 

 

Com as taxas de juros em queda, a confusão política nacional e a insegurança jurídica, os investidores estão retirando seu capital do país e muitos investimentos foram suspensos, agravando a situação. Sabemos que esta conjuntura enfraquece a economia, sobretudo as mais frágeis, como a nordestina, aumentando as despesas sem contrapartida na receita. Para combater esta fuga, historicamente, países como o Brasil, que dependem do capital especulativo internacional e têm reservas financeiras limitadas, não raro, promovem aumento das taxas de juros e valorizam moedas, prejudicando a atividade econômica nacional, aumentando as desigualdades sociais e beneficiando o sistema financeiro. E não se vê neste momento preocupação do governo federal em criar condições de enfrentarmos este cenário futuro com alternativas sustentáveis. 

 

Bahia solidária

O governador Rui Costa, em entrevista dia 11 de maio passado, disse que o caixa do Tesouro suporta o pagamento regular dos salários até junho. A partir daí é imprevisível. O Sindsefaz entende essa angústia, pois o Estado já vinha com uma situação financeira difícil antes mesmo da pandemia. A entidade entende que é hora de o governo desarmar o espírito e buscar soluções conjuntas porque o resultado será benéfico a toda a sociedade. É hora de cooperação e solidariedade. 

 

O Sindsefaz (composto por Auditores Fiscais, Agentes de Tributos, Analistas e Técnicos Administrativos) vem cooperando – distribuiu 2600 cestas básicas a famílias carentes e apresentou à Sefaz-BA propostas emergenciais de sustentação da arrecadação. Estamos dispostos a propor e buscar soluções conjuntas porque o resultado será benéfico a toda a sociedade baiana.

 

Ao lado disso, Fenafisco, Federação à qual somos filiados, tem uma formulação que visa a não permitir que a estrutura social se desequilibre mais ainda, desmistificando a estratégia de que não é possível vencer essa crise sem sacrificar o trabalhador. Para tanto, já apresentou uma proposta técnica, construída por quem conhece a realidade das administrações tributárias dos estados e do Distrito Federal e com especialistas reconhecidos, para mudar a estrutura da cobrança de impostos no Brasil. E, para este momento, propôs uma taxação especial sobre a grande fortuna (206 bilionários brasileiros acumulam patrimônio de R$ 1,2 trilhão) e sobre o patrimônio dos 1% mais ricos do país para arrecadar R$ 116 bilhões, a fim de combater os efeitos do coronavírus. Entende o Sindicato que é chegada a hora de chamar a contribuir quem realmente pode pagar. 

 

O governo do Estado entendeu como essencial e imprescindível o trabalho do fazendário, cuja atividade na arrecadação de tributos ou contribuições técnicas permitem possibilidades e caminhos para uma fiscalização e tributação na Bahia e no Brasil que ajudem o estado a se manter em condições de continuar enfrentando a pandemia e cumprindo com suas obrigações. A categoria demonstra compromisso, comprometimento, dedicação e profissionalismo, mesmo enfrentando condições adversas e um congelamento salarial que já consumiu 32% de sua renda nos últimos seis anos. 

 

Ressalte-se, em momento nenhum desta crise, os funcionários públicos estaduais - em serviços essenciais (Saúde, Segurança, Fazenda etc) ou não - atuaram como “parasitas”, como o ministro Paulo Guedes absurdamente acusou. Os servidores, que tem demonstrado tolerância e muita paciência, não irão fugir desta luta, pelo bem da sociedade baiana, mas cobram reconhecimento e respeito do governo do Estado.  

 

*Cláudio Meirelles é auditor Fiscal do Estado e pós-graduado em Administração Tributária pelo Instituto de Estudios Fiscales, Espanha. É Diretor de Organização do Sindsefaz

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias