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Financiamento dos Municípios: a necessidade da revisão do Pacto Federativo Brasileiro

Por Fred Wegelin

Financiamento dos Municípios: a necessidade da revisão do Pacto Federativo Brasileiro
Foto: Divulgação

A democracia nasce cinco séculos antes de Cristo, em Atenas. Essa experiência democrática é iniciada na praça, no dia a dia das pessoas, discutindo as soluções para o cotidiano. A democracia nasce nas cidades. No Brasil temos o costume de discutir sempre as políticas nacionais e por vezes as estaduais, mas esquecemos de um debate imprescindível, que é discutir as nossas cidades, o local onde de fato vivemos.

 

Esse comportamento do brasileiro não é por acaso. Apesar de os nossos Municípios historicamente gozarem de autonomia formal, esta não ocorria de fato, frente à carência de estrutura econômica, fazendo com que imperasse a lógica do “favor” entre as municipalidades e o “poder central”. A Constituição de 1988 manteve a autonomia nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal e estabeleceu as obrigações de cada ente federado, bem como suas fontes de receita, o que chamamos de Pacto Federativo.

 

Contudo, após a promulgação da Carta Magna, o Pacto Federativo começa a se tornar extremamente desequilibrado, centralizando receitas na União e descentralizando obrigações, ou seja, descentralizando as despesas. A arrecadação tributária nacional corresponde a cerca de 32,66% do PIB, sendo 68% destinadas à União, 25% aos Estados e somente 7% aos Municípios. Por sua vez, as obrigações municipais crescem desde então.

 

A pandemia do novo coronavírus aqui no Brasil vem mostrando justamente o protagonismo dos governos estaduais e municipais no combate à COVID-19, sendo o governo federal, através do Ministério da Saúde, órgão de acompanhamento e de orientação. As ações são executadas especialmente pelos municípios, que estão na linha de frente da atenção básica em saúde e também da assistência social. Assim, é necessário fortalecer esse elo da cadeia de atendimento ao cidadão, que, apesar de ser o mais importante, é hoje no Pacto Federativo o menos favorecido.

 

Um outro exemplo disso pode ser visto na Educação, onde os Municípios eram responsáveis por cerca de um terço do Ensino Fundamental, passando a se responsabilizar por 57% no último censo de 2018. Além disso, é dos Municípios também a obrigação pelo atendimento da Educação Infantil (creche e pré-escola) que desde o Plano Nacional da Educação (PNE) de 2014 são obrigados a universalizarem a pré-escola e ter 50% das crianças em idade de creche estudando.

 

Esse desequilíbrio causa o estrangulamento das contas municipais e a grande dependência dos Municípios em relação a recursos da União. Esse tipo de situação dá espaço à lógica do favor, ou seja, os Municípios cuja gestão possua alinhamento político com as demais instâncias governamentais terão acesso a todos os benefícios, enquanto os “inimigos do Rei” serão prejudicados sem acesso a recursos tão importantes para as pessoas, gerando um serviço prestado ao cidadão ruim e um grande desequilíbrio no jogo político-democrático.

 

Claramente urge a necessidade de revisão do Pacto Federativo brasileiro para que possamos reestabelecer o equilíbrio financeiro entre os entes federados. O novo equilíbrio pode ser realizado de duas formas: centralizando despesas na União, retirando obrigações dos Municípios, ou descentralizando recursos dando de fato a autonomia aos Municípios.

 

A descentralização dos recursos para que sejam aplicados pelos Municípios parece ser a solução mais eficiente, pois permite um melhor controle por parte dos cidadãos dos recursos aplicados, já que é nas cidades que as pessoas vivem. Além disso, o mais recente Prêmio Nobel de Economia, concedido aos pesquisadores Michael Kremer, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, demonstra que a redução da pobreza pode ser resolvida dividindo-a em problemas menores nos quais seja possível identificar ações específicas para indivíduos ou grupos. Isso significa que as políticas públicas devem ser desenhadas para seus públicos específicos.

 

Dessa forma, pensarmos que um órgão centralizado conseguirá estabelecer políticas públicas efetivas para a solução dos problemas das pessoas é um equívoco. Isso aponta para a necessidade de uma Reforma Tributária que destine os recursos arrecadados para onde realmente importa: os Municípios.

 

Por outro lado, a descentralização dos recursos deve ser realizada de forma a garantir a equidade entre os mais de cinco mil Municípios existentes no Brasil. Uma grande capital como Salvador tem muito mais possibilidades de recursos do que uma cidade do semiárido baiano. O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é um exemplo de mecanismo que pode ser utilizado para descentralização de recursos. Ele já possui uma fórmula estabelecida de repasse de recursos que não depende de ingerências políticas e que independente do nível de “amizade com o Rei” o recurso é destinado dentro de uma regra já estabelecida.

 

A revisão do Pacto Federativo é uma nova forma de distribuir os recursos, permitindo o protagonismo do cidadão. É uma ação fundamental para que tenhamos uma política voltada para promover o desenvolvimento individual das pessoas, o crescimento socioeconômico das cidades e, consequentemente, o fortalecimento da nação.

 

*Fred Wegelin é chefe de gabinete da Secretaria Municipal da Educação de Salvador

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias