Diagnóstico que é preciso: Olivette Borba, coordenadora do Lacen, fala sobre ações do Fique Sabendo
Responsável por ações de orientação e detecção de infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s) como HIV, Sífilis e Hepatites no Carnaval e durante outras festividades em Salvador, a coordenadora do Laboratório Central do município, Olivette Borba, acompanha de perto os índices de positividade na capital baiana.
Segundo ela, em entrevista ao Bahia Notícias, a última edição da folia da soteropolitana apresentou uma estabilidade no quantitativo de pessoas que descobriram, através do projeto Fique Sabendo, viver com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e um aumento no número de pacientes diagnosticados com sífilis.
A situação, ressaltou a profissional, se deve ao desinteresse da população acerca dos serviços disponibilizados pela rede pública durante todo o ano. "Na nossa rede temos mais de 150 unidades que fazem teste para ISTs e que a pessoa pode simplesmente chegar lá e pedir para fazer o teste. A gente sente essa falta de interesse", comentou.
Para ela, o surgimento de novos métodos de prevenção como o esquema PrEP e a PEP surgem como novos aliados, de modo que cada vez mais uma quantidade maior de pessoas tem aderido a tais fármacos.
"A gente mudou o questionário do Carnaval e vimos que tinha pacientes fazendo PrEP e tinha gente que desejava fazer. E isso também foi uma orientação que a gente fez", salientou.
Queria que você me explicasse o que é o "Fique Sabendo" e em quais ocasiões o programa é executado.
Ele envolve, além da testagem de várias ISTs (HIV, sífilis, hepatite B, hepatite C, etc), orientações acerca da prevenção delas. Então, no projeto, a gente tem também o aconselhamento. Toda pessoa, mesmo estando negativa, é aconselhada. Nesse momento ela tira dúvidas, fala sobre as suas rotinas sexuais e outras coisas da sua vida. Há uns cinco anos nós entramos com a parte do tratamento para sífilis no próprio momento da detecção, com a aplicação da primeira dose da penicilina e o encaminhamento para nossos serviços de saúde. O Fique Sabendo, além do Carnaval, é desenvolvido em algumas ocasiões aqui na cidade. Na Parada LGBT, por exemplo, estamos sempre presentes, além de ações em dezembro, porque é o mês de prevenção e combate ao HIV. Distribuímos também preservativos e ensinamos a usá-los, porque muita gente não conhece o modelo interno, e produzimos dados. No Carnaval é onde temos uma maior adesão. É quando a gente atende o maior número de pessoas e com isso a gente consegue obter alguns dados, a exemplo do tipo de público, o índice de positividade que a gente tem na nossa cidade e até mesmo a prevalência.
Quando o projeto surge e a partir de qual política pública ele se origina?
Temos ele em Salvador há mais de dez anos. Sendo que houve um intervalo de dois anos que a gente não utilizou. Durante a época da Copa do Mundo de 2014 foi um sucesso, fizemos inclusive uma parceria com a prefeitura de Aracaju, que veio para aqui para fazer com a gente, já que não houve jogos lá. Desde lá temos acompanhado o cenário, a positividade e a gente tem visto que para sífilis os índices estão crescendo. Por isso é tão importante esse diagnóstico, né?
Quanto ao último Carnaval, qual foi o resultado dessa ação de vocês nos circuitos e quais públicos vocês identificaram durante o período?
O módulo do Fique Sabendo na Barra fica bem no local mais frequentado pelo público LGBT, então foi o público que mais procurou o serviço lá. O da Praça da Piedade não, a gente atendeu diversos públicos. No entanto, o projeto surge como uma oportunidade para um público que dificilmente procura o serviço de saúde, como pessoas em situação de rua, possa ser acolhido. O índice de positividade para HIV esse ano continua na mesma média de 2020, que foi de 2,24. Em 2020 foi 2,5. Então está na mesma média, mas a gente ainda considera alto. A gente pôde perceber que algumas pessoas que iam lá fazer os exames já conviviam sabidamente com o HIV, já estavam fazendo tratamento e foram lá para verificar as outras doenças. Algumas pessoas que procuraram a gente que eram sabidamente positivas disseram ter descoberto a doença lá, em anos anteriores da ação. Isso dá um certo orgulho de estar fazendo esse serviço. Com relação à sífilis, a gente teve um aumento de mais de dois pontos percentuais, quando comparado a 2020. Esse ano a gente teve 13% de positividade. Isso daí é o que mais me chama a atenção.
O que vocês, enquanto Laboratório Central, identificam com relação a esse aumento? Ao que se deve?
Acredito que seja pela falta de tratamento. As pessoas não buscam o serviço, que é gratuito, ofertado para todas as pessoas pelo SUS. Na nossa rede temos mais de 150 unidades que fazem teste para ISTs e que a pessoa pode simplesmente chegar lá e pedir para fazer o teste. A gente sente essa falta de interesse. Chegamos a ficar felizes que durante o Carnaval quem mais procura o Fique Sabendo é o público masculino, mas no restante do ano é esse mesmo público que foge dos nossos serviços. Por isso a gente faz atividades como o Sábado do Homem, que sempre tem testagem para IST, porque a gente entende que talvez seja porque estejam trabalhando e não vão até o local.
Me fala um pouco sobre os testes que vocês têm disponíveis?
No Fique Sabendo a gente só trabalha com teste rápido, né? Existem vários fluxos de diagnóstico de HIV. E um deles é através do teste rápido, onde você pode fazer o teste com duas marcas diferentes. Os outros são testes de triagem, mas que têm uma especificidade de mais de 90%.
Uma vez que a pessoa é diagnosticada com IST, qual o fluxo que ela segue para que possa fazer o tratamento?
No Fique Sabendo, a partir de 2015, a gente teve um ganho muito considerável, porque a gente ficava com aquele dado do paciente positivo, fazia busca ativa com as pessoas, mas achávamos isso insuficiente, aí a gente resolveu marcar consulta lá mesmo, no local da testagem. Então a gente protege a agenda dos médicos, pega algumas consultas dos médicos da nossa rede especializada ou de algum prestador que a gente tenha para atender e lá no Fique Sabendo mesmo a pessoa que apresenta resultado positivo, tanto para hepatite B ou C, quanto para HIV, já sai com sua consulta marcada.
E quem é diagnosticado com sífilis já recebe ali mesmo a penicilina, não é?
Isso. Se a pessoa desejar pode iniciar o tratamento lá, com a primeira dose da penicilina.
A gente tem visto nos últimos anos o surgimento de alguns métodos de prevenção, inclusive com a utilização de antirretrovirais como a PEP e o esquema PrEP. Vocês percebem a influência desses fármacos na redução de resultados positivos?
Acho que as pessoas, estão sabendo cada vez mais desses esquemas PEP e PrEP. A gente mudou o questionário do Carnaval e vimos que tinha pacientes fazendo PrEP e tinha gente que desejava fazer. E isso também foi uma orientação que a gente fez.