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Marca Bahia Notícias Saúde

Entrevista

Cardiologista baiano lança livro em Londres e fala sobre prevenção das doenças do coração

Por Bruno Luiz / Lucas Cunha

Cardiologista baiano lança livro em Londres e fala sobre prevenção das doenças do coração
Dr. Jadelson Andrade | Foto: Virgínia Andrade / Bahia Notícias
O cardiologista baiano e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Jadelson Andrade, lança neste domingo (30), durante congresso promovido pela Sociedade Europeia de Cardiologia, em Londres, na Inglaterra, a versão em inglês de seu livro “Tratado de Prevenção Cardiovascular – Um Desafio Global”. Responsável pelo primeiro Tratado de Prevenção Cardiovascular editado no Brasil, Andrade conta, nesta entrevista ao Bahia Notícias, como surgiu o convite de publicá-lo internacionalmente e sobre a importância do feito para a cardiologia brasileira e baiana.  “Lançar este livro no maior encontro de cardiologia do mundo, para a cardiologia brasileira, é muito relevante. Para a cardiologia baiana, muito relevante também, pois capitaneou todo esse processo”. O especialista também revela situações preocupantes sobre o ramo da saúde cardiovascular no Brasil: o país não possui tradição em prevenção de doenças do coração, gasta demais com tratamento para enfermidades cardiovasculares e a oferta por estes procedimentos é bem menor que a procura por eles. Jadelson Andrade ainda revela que a cardiologia brasileira precisa olhar mais atentamente para quatro grupos específicos: mulheres, crianças, adolescentes e população de baixa renda e ainda comenta sobre a importância de se estabelecer uma forte política de prevenção. “Foi através destes programas que alguns países conseguiram reduzir em 30%, 40% em mortalidade de doenças do coração. É uma coisa simples. Precisa de vontade, de força do governo. Pelo tamanho do país, não há como se fazer ações de forma isolada, é preciso que haja uma força-tarefa no Brasil, coordenada pelo Ministério da Saúde, que entenda a importância que tem isso, para prevenir e mudar o universo da prevenção cardiovascular no Brasil”, afirmou. 

O senhor é responsável pelo primeiro tratado de prevenção cardiovascular editado no Brasil. Como surgiu a ideia e por que demorou tanto tempo para que houvesse uma publicação dessas e qual o impacto que ela tem tido no país?

Eu tenho afirmado que não existe uma cultura de prevenção cardiovascular no Brasil, infelizmente. As ações de prevenção no Brasil, diferente de outros países no mundo, têm sido mais conduzidas por instituições, como a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), instituições de pesquisa e ensino, mas não existem ações de quem deveria conduzir, de fato, programas de prevenção cardiovascular. Por mais esforço que as instituições desenvolvam para prover o Brasil com essas ações, pelo tamanho do país e pelo número de habitantes que nós temos, não tem como a Sociedade, por si só, estabelecer esse programa. Em países que estabeleceram esses programas, como Canadá, Estados Unidos, Finlândia, Austrália, Japão, foram todos conduzidos como ações de saúde pública, de ministérios. Esses países conseguiram reduzir em 30%, 35%, o número de mortes causadas por doenças cardiovasculares. Os Estados Unidos tinham uma mortalidade, há cerca de 15 anos, de um milhão de pessoas/ano, decorrentes de doenças cardiovasculares. Eles reduziram 30% disso, o que equivale a dizer que 300.000 pessoas/ano deixaram de morrer, o que é mais do que algumas  guerras que os americanos entraram.  Além de reduzir a mortalidade, você reduz a ocorrência da doença, você reduz, então, o custo. Tratar doenças do coração é muito caro. Envolve tratamento com medicação contínua, o que é muito caro, exames para diagnóstico, que são muito caros. Tratar também envolve intervenções, como angioplastias, stents, internações prolongadas, acidentes vasculares cerebrais, que tiram indivíduos da força de trabalho. Isso é muito cara, inviabiliza qualquer planejamento de saúde. De posse desses dados é que os países, com o intuito até de economizar gastos com saúde, resolveram investir pesado em prevenção cardiovascular. O Brasil não tem essa cultura. Há cerca de alguns anos, a Sociedade Brasileira de Cardiologia começou a investir muito fortemente nisso. Primeiro, se aliando aos países que estabeleceram estes programas, buscando se inserir no contexto da prevenção cardiovascular mundial. Isso culminou com, em 2012, a Sociedade Brasileira de Cardiologia escreveu junto com mais seis sociedades de cardiologia pelo mundo, incluindo a World Heart Federation, a Federação Mundial de Cardiologia, com a europeia, americanas, interamericana, entre outras. Essas sociedades foram reunidas em um evento da SBC no Rio, chamado Brasil Prevent, e foi elaborado o primeiro documento no mundo que envolveu todas essas sociedades, como um pensamento único, chamado Carta do Rio de Janeiro. Esse documento foi divulgado em todos os sites e revistas de cardiologia do mundo. Depois, a SBC criou um programa nacional de prevenção cardiovascular. Depois daí, surgiu a ideia de elaborar o Tratado de Prevenção Cardiovascular, que foi um livro lançado em setembro do ano passado no Brasil, no qual reunimos 30 dos maiores especialistas em prevenção cardiovascular do mundo, inclusive brasileiros. A partir daí, o atual presidente da Sociedade Europeia de Cardiologia, o maior nicho de prevenção cardiovascular mundial, que teve acesso como editor desse livro, nos convidou para fazer uma fazer uma versão em inglês e lançar agora, em Londres, no Congresso Europeu de Cardiologia. Para nós, uma situação muito relevante para cardiologia brasileira, pois, apesar de a SBC ser respeitada em todo o mundo e ocupar o quarto lugar no contexto das sociedades de cardiologia no mundo, mas na área de prevenção a sociedade não tem uma cultura, uma inserção neste contexto. Lançar este livro no maior encontro de cardiologia do mundo, para a cardiologia brasileira, é muito relevante. Para a cardiologia baiana, muito relevante também, pois capitaneou todo esse processo.

 
Com que o senhor tem participado nele? Há outros brasileiros e baianos envolvidos nele?
Foi um desafio muito grande, uma grande responsabilidade, pois é como se você estivesse falando para quem entende demais do assunto, até pelo tempo também, pois o convite veio em abril desse ano. O livro tem 28 capítulos, escritos por autores brasileiros, europeus e americanos. Foram pessoas indicadas pela SBC, pela sociedade europeia e pela americana. Dentre eles, temos 10 autores brasileiros. Da Bahia, tivemos dois autores, o Dr. Gilson Feitosa e a Dra. Mariana Andrade, que dividiu comigo um dos capítulos. 
 
Como o senhor mesmo falou, não há uma cultura de prevenção cardiovascular no Brasil. Isso é um alerta mais voltado para a classe médica ou para a população em geral? Quais são os desafios que cada um desses lados precisam enfrentar?
São para todas as pessoas. Doenças do coração matam mais que todas as causas de doenças juntas. Ela tem um contexto epidemiológico grave e muito severo. Se você sabe os caminhos como evitar as doenças do coração e não utilizá-los, ou por desconhecimento, por displicência, ou até mesmo falta de responsabilidade com a saúde, é muito grave. Então, é algo que importa a todos os setores da sociedade. Importa ao governo, pois é responsabilidade dele por zelar pela saúde da população. 
 

Quais são os desafios que cada um desses lados precisa enfrentar?
Infelizmente, as políticas de saúde pública do Brasil têm sido voltadas à tratar doenças do coração e gastar milhões e milhões tratando essas doenças, pois são, junto ao câncer, as doenças de custo mais elevado para serem tratadas. Importa a sociedade organizada, porque, como é a doença de maior prevalência e que mais causa mortes. Aqui, eu chamo atenção de escolas, ONGs, empresas, para desenvolverem ações para conscientizar sobre a importância dos fatores de risco, pois a grande conquista da prevenção cardiovascular foi conseguir identificar os fatores  de risco. Já sabemos como fazer para que o grande número de infartos, hipertensão, insuficiência cardíaca não ocorram. É preciso que as pessoas entendam que fumar causa câncer, causa infarto e que elas precisam se afastar disso. É preciso entender que crianças e adolescentes comecem a ter a cultura da prevenção cardiovascular. As crianças precisam crescer sabendo que fumar faz mal e quais males eles causam à saúde de seus pais, pois uma das grandes armas que temos para fazer os pais mudarem seu estilo de vida são as crianças, pois a criança vai brigar com o pai ao vê-lo fumando, porque aprendeu na escola que fumar faz mal. É importante tratar de forma adequada a pressão arterial. É preciso que as pessoas saibam que tomar os remédios de pressão de forma continuada, quando indicado, é absolutamente necessário para evitar derrame cerebral, infarto do miocárdio e doença renal. Corrigir o colesterol também é importante. O colesterol não é só produto do que você come, é também produto do que você come. O colesterol é produzido pelo organismo. Algumas pessoas produzem taxas pequenas de colesterol, mas têm pessoas que produzem taxas alarmantes. Junto com o que come, o colesterol se eleva e se deposita no interior das artérias. Se você junta o indivíduo que é hipertenso e não toma remédio, ele fuma e tem colesterol alto, ele já 30% mais de chances de ter um infarto, um derrame cerebral em relação às pessoas que não têm esses três fatores.  Fazer atividade física é um fator que ativa o sistema circulatório, pois você diminui as chances de as gorduras se aderirem às artérias. Se você controla o colesterol e pratica atividade física, são dois fatores que evitam o entupimento das artérias. Outro fator é a obesidade. Nós temos uma síndrome da obesidade no Brasil e no mundo, sobretudo em adolescentes. As placas de gordura que entopem o coração não se formam na fase adulta, se formam na adolescência. Vários jovens que morreram de outras causas que não do coração foram identificados, em autópsia, placas de gordura formadas no interior das artérias, sobretudo aqueles jovens obesos e sedentários. Então, esses jovens terão infarto precoce, coisa que não se via antigamente, pois antigamente ele jogava bola, corria atrás de pipa. Hoje, a criança fica em um computador, a mãe traz pipoca e refrigerante e ela fica tranquila, achando que descobriu a segurança do filho. Descobriu a segurança física, mas não a segurança da prevenção cardiovascular. Com a obesidade, vem o diabetes. Então, diabetes, obesidade, sedentarismo, colesterol alto, pressão arterial não controlada e tabagismo são fatores que determinam essa ocorrência, tanto de infarto quanto de derrame cerebral, pois são os mesmos fatores. O grande trabalho de prevenção é retirar do cotidiano da população esses fatores.
 
O senhor vai lançar esse livro no âmbito da Sociedade Europeia de Cardiologia. Como é que anda a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a medicina baiana no sentido de publicações na área de saúde cardiovascular?
A cardiologia brasileira tem um destaque internacional muito grande. Temos grandes serviços de excelência na abordagem e no diagnóstico de doenças cardiovasculares em todo o país. O cardiologista brasileiro e a cardiologia brasileira são respeitados em fóruns mundiais. A cardiologia que se pratica na Bahia é de excelência, não só no setor privado, mas em hospitais públicos.  O Hospital Ana Nery tem um serviço de cardiologia excelente. Em Vitória da Conquista e Itabuna existem serviços de excelência. O problema é que a prevalência da doença é muito alta e esses serviços são poucos. Com as UPAs, isso melhorou um pouco, mas o exército imenso de pessoas ficam à deriva, sem acesso ao serviço, pois eles, embora prestem excelentes serviços, não conseguem atender a demandas, até mesmo os hospitais privados. Quanto às publicações, o Brasil tem serviços de pesquisa em doenças cardiovasculares muito respeitados em todo mundo, inclusive com publicações em congressos internacionais. Na maioria dos grandes congressos de cardiologia atuais, a cardiologia brasileira sempre se faz muito presente, com uma quantidade muito expressiva de trabalhos originais, alguns até de forma pioneira, como, por exemplo, o trabalho  de células-tronco em cardiopatias chagásicas, que foi referendado no mundo inteiro, a Bahia até liderou este trabalho. Há pouco tempo, publicamos também, e eu fiz parte disso, o primeiro trabalho no mundo demonstrando que as drogas usadas no tratamento contra o câncer atingiam o coração. Isso é só para você ter uma ideia do quão pioneiro tem sido as ações da cardiologia brasileira. Não há nenhuma necessidade, por mais poder aquisitivo que tenha, sair da Bahia para tratar uma doença do coração. 
 

 
Quais seriam os principais fatores de risco para mulheres, crianças, adolescentes e pessoas de baixa renda?
Infelizmente, tem ocorrido um fato com as mulheres nos últimos 30 anos, que se deveu à emancipação feminina. A medida que a mulher passou a ocupar sua posição no contexto social, ela passou a se submeter aos mesmos fatores de risco que os homens. Por isso, a incidência de doenças cardiovasculares em mulheres se aproxima cada vez mais da em homens. A mulher passou a fumar de forma mais consistente, passou a ficar mais obesa, a ficar mais sedentária, a viver uma situação de maior estresse, pois acumulou as tarefas do trabalho com as da família e tem o fator muito adversário das mulheres, que é o fator hormonal. Quando ela entra na fase da menopausa, ela perde, de forma muito sistemática, a proteção que os hormônios, que o estrogênio lhe confere. Com isso, ela fica muito mais suscetível às doenças cardiocirculatórias, depressão, que é outro fator para desenvolvimento de problemas cardíacos. Quanto às crianças e adolescentes, há uma coisa chamada determinismo genético, uma coisa que você não pode controlar. Pessoas que têm na família casos de cardiopatias acabam tendo predisposição a ter. Queria chamar a atenção dos pais para isso: se você tem na sua família pessoas com colesterol alto, a hipercolesterolemia familiar, você tem que dosar o açúcar e colesterol de seus filhos precocemente, sobretudo dos meninos, pois, quando as meninas chegam na puberdade, as mães levam elas para o ginecologista, preocupadas com sua sexualidade, mas os pais não têm essa preocupação com o menino. Se preocupar com criar a cultura do alimento saudável, com essa coisa de as crianças ficarem o dia inteiro em frente ao computador e ao vídeo game. A SBC faz um trabalho, que eu tive o prazer de conduzir, que foi o de intervir na merenda das escolas públicas de São Paulo. É importante que as escolas vigiem o que tem na cantina das escolas. Todo dia cachorro quente, hambúrguer, x-búrguer, batata frita, isso no dia a dia é claro que vai afetar a criança, sobretudo aquela que tem histórico familiar. Tem que haver um trabalho, em casa e na escola, de conscientizar a criança da necessidade da alimentação saudável, dos riscos de uma alimentação cheia de carboidratos, gordura saturada e açúcares e a estimular prática de exercícios. Quanto às pessoas de baixa renda, vem a questão do estresse psicossocial da condição de vida muito ruim. Têm estudos que mostram que essas pessoas ficam com a vida muito comprometida. Tem a desinformação sobre como e quando tratar e até o acesso a este tratamento. Não são dados acessos aos fatores de risco para essas doenças, o que faz com essas doenças tenham uma prevalência nelas maior do que em pessoas de nível sociocultural e econômico mais elevado. Cada capítulo do livro aborda um desses aspectos. 
 
Quais os desafios que a cardiologia ainda precisa enfrentar, enquanto medicina preventiva, para que as pessoas não procurem o médico somente quando estiverem sentindo algum problema? Quem precisa ser mais convertido nesse sentido, médicos ou pacientes?
Eu acho que os dois. Na universidade brasileira, o capítulo da prevenção cardiovascular não é tão enfatizado, e o estudante de medicina se interessa muito pelo tratamento. A tecnologia utilizada no tratamento desperta a curiosidade do estudante, a ultrassom, a ressonância, a intervenção. É necessário que haja uma reformulação curricular muito intensa nas universidades, para que o capítulo da prevenção cardiovascular, para que a prevenção, em geral, seja introduzida com força necessária para criar cultura. Se ele sai bem formado nesta parte, ele vai aplicar isso, vai atuar mais sobre isso. O segmento populacional que mais merece cuidados é aquele que tem maior incidência familiar, ou que já tiveram doenças do coração. A prevenção primária, que é tratar a população que não teve ainda expressão de problema cardiovascular, depende da força que a cultura da prevenção esteja dentro do médico, da sociedade organizada, dos líderes de sociedades organizadas, que, conscientes disso, implementem isso para as pessoas que estão sob seus cuidados. Foi através destes programas que alguns países conseguiram reduzir 30%, 40% em mortalidade de doenças do coração. É uma coisa simples. Precisa de vontade, de força do governo. Pelo tamanho do país, não há como se fazer ações de forma isolada, é preciso que haja uma força-tarefa no Brasil, coordenada pelo Ministério da Saúde, que entenda a importância que tem isso, para prevenir e mudar o universo da prevenção cardiovascular no Brasil. Como alguém disse um dia, nos Estados Unidos, “eu tenho um sonho”, que é ver isso implementado no Brasil.