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Entrevista

Baiano presente em estudo em Cuba que descobriu HIV mais agressivo fala sobre pesquisa

Por Renata Farias

Baiano presente em estudo em Cuba que descobriu HIV mais agressivo fala sobre pesquisa
O pesquisador baiano Ricardo Khouri | Foto: Arquivo Pessoal
Um grupo de pesquisadores, liderado por Anne Mieke Vandamme, da Universidade Leuven, na Bélgica, confirmou a existência de uma variante mais agressiva do vírus HIV, em Cuba, chamada CRF19_cpx, que leva os portadores a um desenvolvimento mais rápido da doença. Entre os profissionais envolvidos, está o baiano Ricardo Khouri, Doutor em Patologia Experimental Humana que atualmente é professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Patologia Humana (UFBA/Fiocruz). Além de explicar as descobertas do estudo com relação à linhagem do vírus encontrada em Cuba, o pesquisador fez uma breve análise da situação atual da Bahia com relação ao HIV e comentou sobre os riscos de grupos que incentivam a transmissão do vírus intencionalmente. "A epidemia de Aids existe e é preocupante. É a doença que mais mata no mundo", alertou. Khouri ainda comentou como estão os avanços ligados a tratamentos e possível cura da Aids.
 

Foto: Arquivo Pessoal
 
Como foi a descoberta dessa variante mais agressiva do HIV? A pesquisa já era especificamente sobre isso desde o início?
Na verdade, essa variante foi descrita pela primeira vez, em Cuba, em 2005 mais ou menos. A variante já existia, o que ainda não havia sido descrito era a capacidade agressiva dela, mais replicativa e que leva os pacientes a evoluírem para o estado de Aids muito mais que os outros.
 
Já há informações sobre como essa variante surgiu?
O que acontece no HIV é o seguinte: existem os subtipos mais prevalentes e mais estudados. Quando esses subtipos mais prevalentes infectam a mesma célula, eles são capazes de se misturar e gerar novos vírus a partir daí. Essa variante é resultado de três subtipos diferentes: A, D e G. Isso acontece comumente no HIV. Hoje em dia, tem em torno de 70 formas circulantes recombinantes diferentes já descritas. Quando ela alcança a classificação de forma circular recombinante é porque ela já tem uma importância dentro da epidemiologia mundial do HIV.
 
Quais são as características diferentes entre essa variante e o HIV comumente encontrado?
Os cuidados têm que ser todos os mesmos com qualquer cepa. O grande problema característico dessa forma é que ela tem uma capacidade de replicação muito maior do que as outras. Além disso, ela tem a capacidade de utilizar um receptor de entrada na célula diferente das outras. Normalmente, as formas mais comuns demoram muito tempo para trocar o receptor de entrada. As outras variantes podem levar cerca de 10 anos para mudar da porta de entrada CCR5 para a CXCR4, enquanto essa variante replica muito mais rápido e é capaz de utilizar outra porta de entrada com muito menos tempo.
 
Então quando o HIV muda a porta de entrada, a doença progride mais rápido?
Ela passa a ter uma progressão mais rápida, porque a primeira porta de entrada, que normalmente é utilizada pelo HIV, o corpo tem mecanismos de combate muito mais efetivos do que a outra.
 
Qual é a média de tempo que essa variante leva para trocar de porta de entrada?
Ela muda muito rápido, dentro dos primeiros três anos. E nesse período, ela replica muito rápido, então o paciente tem uma queda nos níveis de CD4 [leucócitos que defende o corpo] também muito rápida.
 
Há dados de cerca de quantas pessoas são portadoras dessa variante em Cuba?
Não, nossos dados ainda não avaliaram esses números.
 
O senhor acredita que há chance dessa forma de HIV se disseminar pelo mundo?
A possibilidade ainda é muito baixa. Na verdade, apenas poucos casos foram detectados fora de Cuba. A epidemia ainda é local em Cuba e acaba de ser detectada, então as chances de se espalhar mundialmente ainda são baixas.
 
Qual foi a situação que o senhor encontrou em Cuba no período da pesquisa?
A pesquisa foi iniciada pela equipe médica de Cuba e, na época, eu estava na Bélgica. Houve a colaboração entre Bélgica e Cuba, e eu participei diretamente de determinadas análises que foram feitas para o estudo na parte de imunologia e também na parte de estatística. O cuidado com os pacientes de HIV em Cuba é muito rigoroso e muito constante também. É um acompanhamento muito próximo. Existe uma proposta de análise de todas as pessoas que vão para o sistema de saúde para fazer exame e detectar HIV. Há um acompanhamento próximo da evolução da doença no país, e isso possibilita que encontrem determinadas possibilidades de variantes mais agressivas muito cedo, que foi o que aconteceu. Como os resultados ainda são muito novos, não existe uma política pública direcionada para essa variante, mas existe toda uma política de acompanhamento das infecções de HIV, de monitoramento, de campanha de prevenção.
 
Comparando às políticas públicas com relação ao HIV no Brasil, o que o senhor pensa?
Eu não tenho autonomia para discutir isso, porque não faz parte da minha área de estudo. Mas o que eu vi é que funciona muito bem lá, é como a medicina deveria ocorrer em qualquer parte do mundo. O acompanhamento é sério, próximo e muito bem regulamentado e realizado, como é na Bélgica e também aqui no Brasil.
 
Uma de suas pesquisas atuais é sobre o HIV na Bahia. Como o senhor vê a situação no estado?
A gente tem um acompanhamento bom. O sistema de saúde no Brasil é referenciado lá fora também como um dos melhores. Aqui na Bahia, existe um trabalho sendo muito bem feito também. Temos centros de referência e bons pesquisadores na área de HIV também. A população em si tem se descuidado um pouco. A gente observa, nos últimos meses, um aumento da infecção de HIV nos jovens. Apesar de todas as campanhas de prevenção, apesar de todas as políticas públicas que existem, principalmente durante o carnaval, tem acontecido um aumento de infectados na população mais jovem. Isso tem que passar a ser discutido com frequência para tentar reverter esse quadro.
 
Estão circulando notícias de pessoas que transmitem o HIV intencionalmente e até outras que querem ter o vírus por acreditar que não vale a pena se prevenir. Quais são os riscos desse tipo de comportamento? Já existem maiores informações sobre isso?
A informação que eu tenho é da própria mídia, que existem esses grupos e que o próprio governo está combatendo com campanhas, que organizações não governamentais estão tentando combater esse tipo de prática. É uma prática que, além de influenciar em novas infecções diretamente, gera também esse risco do surgimento de novas variantes, pelo fato de essas pessoas serem reinfectadas muitas vezes por outros diferentes parceiros. Ou seja, parceiros que têm diferentes subtipos estão mantendo relações, então além de infectar pessoas novas, possibilitam o surgimento de novas variantes muito mais agressivas. A partir daí, a epidemia pode se alastrar muito mais rapidamente e morrerem muito mais pessoas por conta disso.
 
O senhor acha que há a possibilidade real de uma nova epidemia como a que houve na década de 1980?
A epidemia de Aids existe e é preocupante. É a doença que mais mata no mundo. Ela está presente e tem alta morbidade. O que existe hoje são drogas que são capazes de tratar o paciente e reverter boa parte dos quadros, mas existem todas as complicações relacionadas ao tratamento, existe uma certa toxicidade, apesar de melhoras. Mas a epidemia ainda existe, a epidemia ainda é mundial.
 
Com relação ao combate ao HIV, como estão os avanços com tratamentos e a tentativa de descobrir uma possível cura?
Em relação ao tratamento, ao combate de replicação do vírus, nós temos acesso a muitas drogas. Existem muitas drogas diferentes que agem no vírus em determinados mecanismos específicos. Existe a profilaxia pré-exposição, que tem sido falada agora. É um estudo recente feito na Europa, que mostra que a profilaxia pré-exposição com Truvada diminuem o risco de infecção em cerca de 80% dos pacientes mais ou menos. Existem outros medicamentos que atingem diferentes mecanismos de replicação do vírus e possibilita uma vida próxima à vida normal de uma pessoa que não é infectada. E as pesquisas sobre o assunto não cessaram. Por exemplo, existe ainda uma tentativa constante de encontrar novos medicamentos menos tóxicos e, com certeza, futuramente, conseguir outras drogas com mais eficiência e menos toxicidade. Mas cura ainda não foi estabelecida. É um processo um pouco complexo combater infecções virais causadas por retrovírus.
 
Atualmente, quantos anos em média uma pessoa consegue viver com o tratamento?
Dentro do processo normal, antigamente, quando não havia tratamentos, a média da população era em torno de 10 anos até a evolução e, depois, acontecia muito rápido. Hoje, com os tratamentos, a pessoa pode viver e ter uma expectativa de vida comparada a uma pessoa não infectada. Óbvio que tem que seguir o tratamento rigorosamente. Apesar de toda a toxicidade de alguns medicamentos, tem que fazer o acompanhamento regular e, se tudo isso for seguido à risca, a maioria vai ter uma média de vida comparada à de uma pessoa não infectada.