Modo debug ativado. Para desativar, remova o parâmetro nvgoDebug da URL.

Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Saúde

Entrevista

'A saúde no Brasil está subfinanciada', diz provedor da Santa Casa da Bahia

Por Lucas Cunha | Bruna Castelo Branco

'A saúde no Brasil está subfinanciada', diz provedor da Santa Casa da Bahia
Roberto Sá Menezes, provedor da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Foto: BN
Segunda ‘Santa Casa de Misericórdia’ mais antiga em atividade do País, fundada em 1549, seis anos após a primeira instituição irmã, localizada em Santos (SP), a Santa Casa da Bahia é responsável por diversidades atividades no estado, entre elas administrar o cemitério do Campo Santo, o Museu da Misercórdia e outras atividades sociais. Mas o seu trabalho mais reconhecido é na área da saúde, onde é responsável pela administração do Hospital Santa Izabel (HSI), que funciona desde 1893 em Salvador. Com uma infraestrutura de 525 leitos (a maior do estado), 85 deles de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 13 salas de cirurgia e 60% do seu atendimento voltado para o Sistema Único de Saúde (SUS), o Santa Izabel enfrenta as dificuldades que a maioria das instituições ligadas as santas casas de misericórdia enfrentam por todo o Brasil. Mas, mesmo assim, recentemente conquistou recentemente o título de Hospital Acreditado Pleno – Nível 2, que certifica a qualidade dos serviços de saúde no Brasil, com foco na segurança do paciente. O Bahia Notícias conversou com o provedor da Santa Casa, Roberto Sá Menezes, sobre o trabalho da instituição e os desafios da gestão na área da saúde no país. "A saúde no Brasil está subfinanciada. O Governo Federal, que não tem nenhuma obrigação direta com a saúde, está exigindo muito dos estados e municípios, porém, não está dando o suporte que deveria aos estados". Leia a entrevista completa.
 

Qual a atuação que se encontra a Santa Casa de Misericórdia da Bahia?
Cada Santa Casa é independente. A da Bahia tem um complexo de atividades que poucas Santas Casas no Brasil têm. Ela tem um patrimônio cultural, representado basicamente pelo Museu da Misericórdia e um acervo histórico que fica na própria sede. O nome do museu é Jorge Calmon. Também temos atividades no cemitério do Campo Santo. Fazemos uma ação social muito ativa lá no Bairro da Paz: educação integrada em tempo integral, o projeto “Avançar”, que é uma unidade que trabalha com profissionalização de adultos, que são basicamente os pais dessas crianças que estão na educação integrada. O programa de educação conta com cinco refeições por dia, assistência médica e odontológica. No “Avançar”, além dos cursos profissionalizantes, há um balcão de justiça e cidadania para resolver alguns problemas da comunidade: brigas entre vizinhos e problemas de paternidade. Também, no mesmo programa, há uma escola de informática e uma banda sinfônica. Temos parceria com os cursos do SESC, o que dá uma oportunidade aos moradores de se profissionalizar, criar opções de renda. Esse é um trabalho que a Santa Casa desenvolve sozinha com os recursos que vêm do cemitério: toda a receita que sai do cemitério e do patrimônio imobiliário da Santa Casa – mais de 200 imóveis em Salvador –, juntamente com a renda de aluguel a gente destina para o projeto. Mas somos preponderantes em atividades de saúde desde que a Santa Casa começou, há 465 anos.

Como funciona a hierarquia da Santa Casa? O senhor é responsável por todas estas atividades?
Sou o provedor, que é como se fosse um presidente. Sou irmão da Santa Casa desde 2002, ou seja, tenho 12 anos na irmandade. A Santa Casa tem um direcionamento maior em cardiologia, ortopedia e neurologia. O Santa Izabel – hospital que é ministrado pela Santa Casa - é um hospital que não mede esforços para salvar a vida das pessoas. Hoje o que a gente sente é que o paciente chega ao hospital com toda a esperança de recuperação. Recebemos também pacientes do Sistema Único de Saúde, que muitas vezes recebe mais atenção no Hospital Santa Izabel do que receberia em outro.
 

Como se dá a relação entre o Hospital Santa Izabel e o SUS?
Hoje, 60% dos nossos atendimentos são para o SUS, o que é um pré-requisito para ser considerado como uma instituição filantrópica. Porém, o atendimento privado também é muito importante: se não houvesse atendimento com o plano privado, não haveria como, só com o recurso do SUS, manter o que a gente tem hoje, porque gastamos por ano mais de 40 milhões que vêm do plano privado para atender aos pacientes do SUS. Mas, se você considerar o que a gente deixa de pagar de impostos por sermos filantrópicos, vale a pena. É missão da Santa Casa é dar o atendimento ao paciente do SUS, já que é uma das obras da misericórdia, e, com o dinheiro que entra com o plano de saúde, a gente usa para sustentar esse déficit gerado pelo SUS. Por exemplo, 52% dos atendimentos de oncologia hoje, no Brasil, são feitos pelas Santas Casas: o governo não tem maioria nem na oncologia.

Vocês trabalham com uma tabela de atendimentos para cumprir?
A tendência é não se trabalhar mais com tabelas, inclusive no SUS, e sim em cima de metas. Por exemplo, você atende X pessoas por ano, e por isso ganha X de recursos. Também há multas, ou seja, caso não seja atingida a meta proposta, o ganho é perdido na multa. A verdade é que a saúde no Brasil está subfinanciada. O Governo Federal, que não tem nenhuma obrigação direta com a saúde, está exigindo muito dos estados e municípios, porém, não está dando o suporte que deveria aos estados para a saúde. Por exemplo, a Santa Casa tem hoje 35 milhões por mês de faturamento. Desses 35 milhões, apenas 5 milhões pagos são do SUS, e os outros R$ 30 milhões vem pelo plano de saúde privado, para você ver a desproporção. Mas, por outro lado, temos a obrigação de atender 60% o SUS, ou seja, não fecha a conta. Esse recurso de 5 milhões está aí há mais de 8 anos, e você há de convir que todo ano tem inflação, não é? Mas o dinheiro não aumenta. Aí o governo cria a lei de paciente oncológico. Depois de diagnosticado, temos 60 dias para começar o tratamento desse paciente, senão seremos multados. Então, a gente acaba deixando de atender outros pacientes. Pessoas com outras patologias vão sendo preteridas porque o dinheiro é o mesmo. Então, hoje, a oncologia está comendo recursos que eram de outras especialidades.

Como é a relação de vocês com a prefeitura, o repasse ocorre corretamente?
A prefeitura está se esforçando, cumprindo o percentual dela que é de 15% do seu orçamento, eles estão colocando 16%. Mas, com a preferência aos pacientes oncológicos, os outros acabam sendo preteridos, a fila cada vez mais aumenta. Foi tentada uma solução, juntamente com o prefeito, para ver o que o ministério da saúde pode fazer para aumentar pelo menos o teto da oncologia. Mas, na conversa com o ministro, deu vontade de tirar dinheiro do bolso para ajudá-lo, porque não tem nada. Então não vemos perspectiva de aumentar o recurso. E isso gera outra conseqüência: vemos, diariamente, a agonia da população. Nós temos casos no próprio hospital, em que o paciente ortopédico está a três anos na fila para fazer uma cirurgia de ortopedia, mas não consegue. Temos que tirar um paciente para colocar outro, porque não tem o dinheiro para acrescentar mais um. O que preocupa também é que temos que crescer. Para isso, precisaríamos receber pelo menos 20 milhões por ano para manter o hospital sempre atualizado, com equipamentos novos. Esse dinheiro seria o mínimo para comprar e repor equipamentos e reformar instalações. Essa falta de dinheiro acaba levando o hospital a um processo de endividamento, recorrer a financiamento. Temos uma administração muito rigorosa com esse assunto, não podemos aumentar o endividamento de acordo com o faturamento que temos. É ruim para a população? É. Poderíamos ter mais equipamentos, atender melhor. O pouco financiamento vindo do SUS atrapalha o nosso crescimento para o público como um todo, sendo um limitador do nosso crescimento.

O Santa Izabel conquistou recentemente o título de Hospital Acreditado Pleno – Nível 2, que certifica a qualidade dos serviços de saúde no Brasil, com foco na segurança do paciente. Como perseguir essa busca pela qualidade, mesmo com estas dificuldades de crescimento?
O título não está diretamente ligado a recursos. Claro que tivemos investir, pois precisamos ter equipamentos em perfeito estado por questões de segurança. Não podemos ter nada que crie um ambiente insalubre para o paciente. Essa creditação exige que você fique mais atento, tudo tem que ser monitorado. Traz mais tranqüilidade para o paciente ver que aquele ambiente tem pessoas que estão cuidado não só dele, mas de tudo ao seu redor.

Quais são as suas metas como provedor da Santa Casa baiana?
Eu estou apenas no primeiro ano de mandato, que dura três anos, com possibilidade de reeleição. Meu compromisso de gestão é primeiro com a área de saúde, mas também gosto muito da área social. Na área de saúde eu quero completar o trabalho de modernização do hospital, ampliar o que precisa ainda ser ampliado, e colocar a prestação de serviço na área de saúde em nível de excelência. Na área social, acho que a gente tem capacidade, não dinheiro, mas quero ampliar o número de beneficiados dos projetos no Bairro da Paz, e também tenho a pretensão de fazer um cineteatro no bairro. Além disso, quero melhorar as situações da banda sinfônica. O local de ensaios tem problemas, não tem isolamento acústico, por exemplo. Temos hoje grandes 11 projetos na Santa Casa. A gente já tem uma direção do que é preciso fazer para melhorar.

E o cemitério do Campo Santo, quais os principais desafios em sua gestãocom o espaço?
Faz parte também das obras da misericórdia enterrar os mortos. O cemitério, mesmo não sendo reconhecido, é um museu a céu aberto. É um local que tem obras de escultores importantes. E existem pessoas famosas que tão enterradas no Campo Santo: Otávio Mangabeira e Antônio Carlos Magalhães são algumas delas. Castro Alves passou um tempo enterrado no cemitério. Tem obras de arte de artistas famosos. O espaço do cemitério era muito maior, onde é ali o Calabar e o Apipema é área que foi invadida. A gente está planejando fazer outro cemitério vertical. Assim como pode morar um em cima do outro, a gente pode também estar morto um em cima do outro. Não tem nenhuma previsão, mas já temos pessoas trabalhando com isso, parceiros para investir com a gente. Queremos também deixar uma marca lá, que é tornar ele com capacidade para atender a demanda da cidade. Já existem cemitérios verticais no Brasil como em Santos, que é o maior do mundo.