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Marca Bahia Notícias Saúde

Entrevista

‘O adolescente está muito exposto aos riscos', diz infectologista baiano sobre hepatite C

Por Francis Juliano

‘O adolescente está muito exposto aos riscos', diz infectologista baiano sobre hepatite C
Foto: Divulgação
Uma hemorragia motivada pela hepatite C matou o ex-lateral esquerdo da seleção brasileira Marinho Chagas no dia 1° de junho. O caso mais conhecido dos efeitos devastadores da doença no futebol é do Sport Club Gaúcho. Na década de 70, oito jogadores do time morreram em conseqüência da hepatite (inflamação do fígado). Transmitidas principalmente por compartilhamento de seringas, a doença também quase levou o cantor baiano Netinho, mas vitimou no dia 12 de junho em Salvador o artista plástico Henrique Maciel, 63 anos, entre tantos brasileiros que são acometidos pela enfermidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um em cada três brasileiros sofre com a hepatite C e apenas 5% deles sabe que sofrem dela. Para esclarecer questões sobre a doença, o Bahia Notícias conversou com o infectologista Claudilson Bastos, que acompanhou o sofrimento de Netinho. Uma das principais preocupações do médico é com quem está no começo da vida e pode desenvolver silenciosamente o vírus. “O adolescente está muito exposto aos riscos de doenças. Às vezes, aquele que é rebelde, não é bem esclarecido” diz. Confira a entrevista abaixo:
 

 
Bahia Notícias: Quais os riscos que ex-atletas, e pacientes de forma geral, têm em relação aos desdobramentos da hepatite C?
 
Claudilson Bastos: Existe uma relação da transmissão do vírus da hepatite C com o uso de drogas endovenosas. A relação que se pode ter no atleta é o risco de ele usar anabolizantes e ter um risco de transmissão via endovenosa através de seringa e agulhas.

BN: Esse tipo de compartilhamento de seringas tinha conhecimento dos médicos? Um energético muito usado nas décadas de 70 e 80 era o glucoernegan. Acreditava-se que ele aumentava a capacidade e o desempenho físico dos atletas.
 
CB: Eu acredito que nós médicos, por questões éticas, não devemos aceitar esse tipo de situação, porque além dos riscos da hepatite C, existiam outros riscos envolvidos. 

BN: Será que de certa forma os médicos faziam vista grossa aos atletas sobre os efeitos colaterais que os compartilhamentos de seringa poderiam causar?

CB: Ou existia falta de conhecimento. Porque naquela época hepatite C não era bem esclarecida. E os anabolizantes traziam certo impulso de vigor físico e uma falsa ideia de saúde. Nós tivemos um paciente famoso, o cantor Netinho, que usou anabolizantes, e teve comprometimento do fígado. Uma situação que se tornou pública.
 

Marinho Chagas faleceu em consequência da hepatite C

BN: A hepatite C é uma doença silenciosa. Acredita-se que apenas 5% das pessoas sabem que têm ela. Qual seria a recomendação para atletas, e pessoas de maneira geral, para se precaverem da doença?
 
CB: Para qualquer atleta a recomendação é fazer todos os exames de rotina, de avaliação cardiológica, avaliação de exames laboratoriais, porque esses vírus causam baixa imunidade [defesa do organismo]. A pessoa tem queda da resistência, e a capacidade física diminui. Neste caso, especificamente, é prudente que o indivíduo faça exames, incluindo o de hepatite C, hepatite B, HIV etc. Fazer um check-up geral, não apenas um check-up cardiológico. Porque para o atleta é costume focar apenas no aspecto cardiológico, mas tem outros parâmetros tão importantes.

BN: Tem alguma idade em que os efeitos da hepatite C se manifestam de forma mais visível?

CB: Geralmente no adulto jovem de 30 a 50 anos. É o momento mais crítico em que as manifestações podem ocorrer.  

BN: Qual seria a sobrevida de um paciente com hepatite C?
 
CB: Hoje tem tratamento que são realizados em unidades de alta complexidade. Além disso, o programa é gratuito e realizado no SUS. Uma parte desses indivíduos pode responder bem e ter cura sorológica. A cura sorológica é uma coisa, diferente da cura clínica que é questionável. O indivíduo pode ter o controle da doença com a cura sorológica.
 

Compartilhamento de seringa é principal causa de contaminação

BN: Então, essa pessoa com o tratamento controlado pode viver tanto quanto uma pessoa saudável?

CB: Exatamente, mas essa pessoa tem de ter vários cuidados.

BN: Existe uma lei (11.255/05) que garante tratamento e medicação para pacientes com hepatite C no sistema público de saúde. Aqui em Salvador, o paciente com a doença encontra com facilidade esse atendimento?
 
CB: Aqui, os serviços de referência são o Hospital das Clínicas da Ufba, o Hospital Couto Maia, que é referência em doenças infectocontagiosas do estado, lá tem um laboratório de infectologia; salve engano o Hospital Geral Roberto Santos, entre outros. Tem também uma farmácia [no Hospital Manoel Victorino] de complexidade do estado que oferece medicação gratuita.

BN: Outros grupos também são vulneráveis a contrair o vírus da hepatite C. O que as pessoas que recorrem ao trabalho de manicures devem fazer para evitar o contágio?

CB: Ter o próprio material e, preferencialmente, não usar o material usado no salão. 
 

Material de manicure deve estar higienizado

BN: Há pouco tempo, o BN noticiou a prática de falsos dentistas. Quais os riscos de contrair hepatite C nesses consultórios?

CB: Em situações de precariedade, principalmente em lugares mais afastados da capital, pode haver um risco maior de transmissão do vírus, apesar de achar que nesses lugares deve ter a sua vigilância epidemiológica que deve estar atenta a essas situações porque o dentista usa luva, máscaras durante os procedimentos odontológicos.

BN: Hoje, existe um interesse muito grande, principalmente da população jovem, em tatuar o corpo. O que essas pessoas devem se atentar para evitar a contaminação na hora de fazer uma tatuagem?

CB: Eu acredito que deve existir uma associação de referência dessas empresas que fazem tatuagens. Porque até para você abrir uma barraca precisa de autorização. E tatuagem, mesmo em uma praia, deve ter o controle da vigilância sanitária para que os serviços sejam bem adequados. Com a internet, as pessoas podem procurar referências para que a pessoa possa fazer o trabalho com alguém autorizado. E mesmo lá no estúdio, o cliente deve questionar de onde vem agulha, que deve ser descartável, checar se o material é limpo, ascético, ou seja, ficar atento aos pequenos detalhes que são muito importantes.

BN: Qual faixa etária lhe preocupa mais?

CB: O adolescente porque ele está muito exposto aos riscos de doenças. Às vezes, aquele que é rebelde, não é bem esclarecido. Ele deve ter muito cuidado porque o risco de transmissão de hepatite, como de HIV, tem aumentado nessa população. O fato de eles começarem precocemente a atividade sexual também requer maior cuidado para não desenvolver o vírus da hepatite C, como de outras doenças.