'É só aproveitar com cuidado', adverte infectologista sobre doenças comuns no carnaval
Fotos: Cláudia Cardozo
Médico infectologista, Robson Reis (33 anos) faz parte de um órgão ligado à Secretaria de Saúde de Salvador, chamado “Câmara Técnica de Infectologia”. Durante todo o ano, ele e sua equipe trabalham com a orientação de profissionais de saúde sobre prevenção, identificação e tratamento de doenças infectocontagiosas. Reis também é professor da Escola Bahiana de Medicina, médico clínico do Hospital Aliança e coordenador do internato em urgência e emergência médica do Hospital Geral do Estado. Ao Bahia Notícias, o especialista falou sobre a preparação de médicos e enfermeiros para o carnaval e deu orientações para evitar doenças e curtir da melhor forma a folia. Reis ainda reforçou os cuidados com alimentação, higiene e excessos físicos durante os dias da festa. “É só aproveitar o carnaval com cuidado”, resumiu.
Bahia Notícias: Como a prefeitura se prepara para atender essa população que vai para as ruas?
Robson Reis: A prefeitura começa um trabalho muito antes do carnaval. Nós fazemos parte de um grupo. São médicos infectologistas concursados, e temos também uma enfermeira, e nós definimos durante o ano quais são as programações das aulas e capacitações que vamos fazer, das oficinas, workshops... para os colegas que atendem esses pacientes nos postos de saúde. Lógico que a gente não dá um atendimento direto ao paciente. A não ser que seja necessário, às vezes, uma orientação, uma punção lombar pra ver um caso de meningite, mas no geral trabalhamos com capacitação. Então, durante todo o ano enfermeiros e médicos são orientados sobre como diagnosticar essas doenças e como conduzi-las, se exigem notificação ou não, a orientação que deve ser passada para os familiares – como falamos, são doenças infectocontagiosas, então essa parte de orientação aos responsáveis e familiares é fundamental. Trabalhamos, principalmente, com a prevenção ou rápida identificação de doenças.
BN: A prefeitura não consegue ter dados concretos sobre os números de casos no carnaval porque não há notificação compulsória, não é?
RR: Exatamente. Boa parte dessas doenças que são comuns no carnaval não possui notificação compulsória, ou seja, obrigatória. As viroses pós-carnaval, como mononucleose, passada através do beijo, não são notificadas obrigatoriamente. Logo, esses casos não serão registrados oficialmente. Por que? Porque não há um impacto maior na saúde pública. A notificação de outras doenças é muito mais importante, como sarampo, febre maculosa – como o caso que houve em Belo Horizonte. Você tem ainda doenças respiratórias, sinusite viral ou bacteriana, otites e amigdalites, que não tem notificação compulsória. As doenças transmitidas por alimentos e água só são notificadas caso haja um caso de surto. Até pneumonias, que são casos que podem ser graves ou não, não são registradas.
BN: Quais são as doenças mais comuns nesse período?
RR: Os temas que mais tratamos nos últimos três meses, tanto em preparação para a Copa do Mundo quanto para o carnaval, são as doenças respiratórias – tentar fazer com que o médico diferencie o resfriado comum da gripe, que é causada pelo vírus influenza, e que pode levar à morte, diferente do resfriado. Então trabalhamos com médicos e enfermeiras para a rápida identificação da influenza A, B, em especial a H1N1. Depois, tem os quadros intestinais, diarreias, muito comuns no período pós-carnaval – orientamos quando internar ou não, se usa ou não antibiótico. Lembrando que o mau uso do antibiótico não prejudica só a pessoa, mas toda a comunidade, porque se cria o que chamamos de resistência bacteriana. Também falamos sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), como identificá-las, a questão do HIV. Orientação, principalmente da população jovem, sobre o uso do preservativo. Sarampo, também, apesar de aqui na Bahia os casos serem muito raros – mas como há casos em Recife agora e vêm pessoas do mundo todo pra cá na Copa e no carnaval, principalmente da Europa e Ásia, onde o vírus circula, nós também trabalhamos com isso. E outras doenças também. Agora tem um quadro de febre maculosa, e se for necessário buscaremos essa capacitação.
BN: E no caso de doenças que vem de fora, como H1N1, sempre há também essa preocupação?
RR: Nós já temos a H1N1 durante todo o ano no Brasil, mais comum no inverno e agora, no carnaval, por causa da aglomeração de pessoas. Como se trata de uma doença de transmissão respiratória, então acaba sendo passada de forma mais fácil em locais fechados, aglomerações... A imunidade geralmente está baixa nesse período. Então risco há. Em alguns países, a doença não está tão controlada como aqui. A política de vacinação do governo federal, por incrível que pareça, funciona. Hoje são disponibilizadas diversas vacinas, entre elas a H1N1. Lógico que não é liberada para todos os grupos, só os selecionados, mas que tiveram importância, sim, na redução da incidência dessa doença. Mas há risco sem sombra de dúvida. Lembrar que na Ásia agora estava circulando o H7N9, que é o novo vírus da influenza, que tem o risco de vir, e nós estamos preparados para isso. Também estamos de olho no sarampo, porque ainda circula muito na Europa e na Ásia.
BN: Como é o comportamento de risco que a população se coloca e que poderia ser evitado de alguma forma?
RR: Carnaval, como o verão, reúne situações que são mais suscetíveis à transmissão de doenças. Primeiro a privação do sono, que as pessoas não dormem como deveriam, e sabemos que o sono é fundamental para que você tenha o sistema imune preparado para invasões externas por vírus e bactérias; nós temos os esforços extra habituais, tem gente que vem malhando pesado desde o fim do ano para chegar com um corpo bacana no carnaval, mas exagera, o que os torna mais suscetíveis à doenças; o uso de substâncias proibidas; pessoas que não fizeram nenhum exercício físico durante o ano mas querem aproveitar o bloco durante oito horas, ou camarote porque pagaram; pessoas que não se alimentam de maneira equilibrada, que vêem o carnaval como a época do “tudo posso”, ingerindo alimentos diferentes... E aí entra o fenômeno dos “all inclusive”. Como a pessoa paga caro, ela quer comer de tudo para justificar o dinheiro dela naquilo ali, e isso é um perigo. A hidratação não é a mesma – alguns engraçadinhos acham que álcool hidrata, mas isso não é verdade. O que hidrata é água, suco ou bebidas isotônicas. Outra coisa: são pessoas do mundo todo reunidas, da Europa, América, e essas pessoas trazem doenças de lá. E, principalmente, a questão da higiene durante o carnaval. Os banheiros químicos não têm locais para lavar as mãos. Então você entra no banheiro, não lava a mão, e vai comer algum alimento e pode acabar o contaminando. Outra coisa que vale a pena lembrar é a questão da vacinação, que deve ser feita antes, para tétano, hepatite A ou B. O que é mais comum nessa época? Doenças respiratórias, a conjuntivite – que pode ser por viral ou até alérgica, por causa da fumaça, espuma de carnaval – e os quadros de diarreia, principalmente por alimentos que não foram condicionados da melhor forma. Às vezes a comida foi levada no período da tarde (o que acontece muito nos camarotes), e teve todo o cuidado na hora do preparo mas não no condicionamento.
BN: Esse problema ocorre também nos camarotes?
RR: Não podemos afirmar com certeza, porque como disse esses casos não são notificados, mas temos casos, sim, em emergências particulares e públicas, de pessoas que falam “eu não tive nada de diferente a não ser a comida do camarote”. Então como eu disse, muitas vezes não é problema no preparo – a maioria das empresas é terceirizada, muitas vezes restaurantes de nível bom – mas o problema é o condicionamento. Imagine que tem espaços desses que tem duas, três mil pessoas. Como condicionar alimento durante todo esse período? Outra coisa: quem está despachando esses alimentos? Camarote nem tanto, mas na rua a pessoa pega o dinheiro, depois pega a comida... Ela não tem onde lavar a mão.
BN: E os banheiros químicos?
RR: Nós sabemos que pessoas que estão na rua não têm como ir a banheiros do camarote, ou em um apartamento que alguém alugou, então elas vão usar o banheiro químico, ou até mesmo a própria rua. Então se a pessoa estiver com uma doença infectocontagiosa, uma parasitose intestinal ou até hepatite A, vai transmitir. Não vou falar que é por causa do carnaval só, seria leviano, mas nós temos casos. Ainda tem a questão da intolerância alimentar – muitas pessoas não estão acostumadas com o nosso tempero, digamos assim, e acabam experimentando uma moqueca, um acarajé, e acabam tendo intolerância alimentar. Isso não é uma infecção, é quando a mucosa dela não está adaptada para absorver aquele tipo de alimento.
BN: Em quanto tempo a pessoa pode desenvolver os sintomas?
RR: Na medicina existe uma coisa chamada período de incubação, que é o período em que você teve contato com aquele agente, seja bactéria, vírus ou fungo, até você desenvolver a doença. Um exemplo: vamos dizer que daqui a 25 dias uma pessoa apresente febre, dor de cabeça e dor no corpo, principalmente na panturrilha. Ele vai ao médico, que pergunta “Nos últimos 15 dias, você teve contato com água de esgoto” e ele vai dizer “Não, não tive. Só no carnaval, que choveu e eu acabei pisando na lama, mas não pode ser”. Pode. O período de leptospirose vai de 1 a 28 dias. Então é importante para o profissional médico que estiver atuando saber esse período de incubação. E voltando à sua pergunta, a maioria das doenças transmitidas no carnaval têm um período de incubação de 1 a 4 dias. Muitas pessoas chegam no primeiro dia de carnaval e já adoecem e acham que foi nesse dia, quando provavelmente já estava doente antes. Porque o período de incubação é de, no mínimo, 24h.
BN: O fato de dormir as oito horas, mas pela tarde ao invés do período noturno, também interfere?
RR: Interfere. Mesmo que você durma as oito horas, não compensa, porque você não está acostumado a isso. Pessoas que trabalham à noite têm até desenvolvido mecanismos de adaptação, mas nunca é normal o sono que você não tem no período noturno. Não é, porque existe uma coisa chamada “ritmo circadiano”, em que você produz mais hormônios e outras substâncias naquele determinado horário. Por isso que às vezes uma pessoa dorme oito horas ou até mais e não se sente tão descansado.
BN: E o que você, como infectologista, sugere para essas pessoas que vão curtir o carnaval e querem terminar a folia bem?
RR: Primeiro, preparem-se pro carnaval, mas cuidado com os excessos. Não adianta se preparar um ou dois meses antes da festa para o que você não fez o ano todo. Você não vai adquirir massa muscular ou ficar com o corpo perfeito em tão pouco tempo. Fazer uso de substâncias proibidas, como anabolizantes, é uma bobagem maior ainda. Então a primeira coisa que orientamos é que, antes do carnaval, mantenha seu ritmo de vida. Pode até aumentar um pouco a atividade física, mas com cuidado, com a orientação de um profissional de educação física. Além disso, procurar dormir bem, tentar descansar durante o dia, para que seu sistema imune volte a ter força. A alimentação nesse período tem que ser leve, rica em carboidratos, que dão energia rápido. Evite alimentos gordurosos e frituras, que possuem uma digestão mais difícil. A hidratação é de fundamental importância. A cerveja é líquido, mas a cevada é diurética, e o álcool volátil, então ela não hidrata. Então o ideal é água, isotônicos, água de coco... Tenha cuidado ao ingerir medicamentos com bebidas alcoólicas, que podem gerar reações. O paracetamol, por exemplo, quando ingerido com álcool, pode gerar uma hepatite medicamentosa. Cuidado com a higiene, lave sempre as mãos. Quem puder, leve seu recipiente com álcool em gel. Limpe a borda das latas com um guardanapo. Evite compartilhar talheres, copos... Cuidado com as maquiagens de graça que alguns camarotes oferecem, porque uma pessoa infectada pode ter usado a mesma esponja. Nunca compartilhe batom, que pode transmitir doenças. Evite compartilhar também toalhas, alicates e outros objetos perfuro cortantes, que podem passar hepatite B – como já há registro de vários casos. Lembre-se de se vacinar contra hepatite B, tétano... E, em caso de qualquer acidente, procure o posto de saúde mais próximo para receber as orientações dos médicos. Por fim, muito cuidado com os alimentos de rua, observando principalmente como eles foram preparados e armazenados.
BN: Mas no carnaval não dá pra evitar o beijo. E aí?
RR: Bem, ninguém vai estar com uma lanterna ou lupa olhando a boca da outra pessoa. E não adianta eu orientar “beijem menos”. É só aproveitar o carnaval com cuidado. Não se esqueçam da camisinha. Existem os chamados “filhos do carnaval”, que as pessoas bebem e acabam se relacionando sem preservativos. Mas eu diria que um filho é o de menos, porque existem doenças crônicas, como hepatite, o HIV... Então use o preservativo, é de graça. Doenças do beijo também são muito comuns depois do carnaval, e muitas vezes não são diagnosticadas por profissionais de saúde, que não lidam com isso no dia a dia. Existe a mononucleose, que causa febre, dor de cabeça, dor no corpo, pode dar tosse e uma dor de garganta intensa. Então é só ter cuidado.
BN: Você aposta que a gripe vai ser o “lepo lepo” mesmo? (risos)
RR: Eu não posso apostar que vai ter o nome da gripe (risos). Mas eu diria que os quadros virais pós-carnaval são muito comuns. E comumente a imprensa apelida esses quadros de gripe com um hit do carnaval. Então já tivemos Dalila, Ziriguidum... E agora as pessoas apostam que deve ser “lepo lepo”. Mas eu não posso dar nome a nada. Até porque, isso não é gripe. É mais uma virose, um resfriado comum.