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Marca Bahia Notícias Saúde

Entrevista

'Se remédio fosse bom, não se voltaria à farmácia', diz introdutor da micromacrobiótica no Brasil

Por Francis Juliano

'Se remédio fosse bom, não se voltaria à farmácia', diz introdutor da micromacrobiótica no Brasil
Fotos: Francis Juliano/Bahia Notícias
Ele chegou ao Brasil ainda nos anos 50 e trouxe na bagagem os ensinamentos orientais que iriam fazer a cabeça de muita gente a partir da década de 60,  com base nos limites do corpo e na força da mente. Discípulo de George Oshawa, considerado o pai da macrobiótica, o japonês Tomio Kikuchi se tornou referência no assunto no Brasil e diz, do alto de seus 87 anos, que com o tempo o conceito mudou. “A macrobiótica está encerrada. Ela era muito inflexível. A micromacrobiótica é mais integrada e é baseada em uma autoeducação vitalícia”, explicou Kikuchi, em entrevista ao Bahia Notícias, sobre o termo e a opção de vida que defende e propaga. Com a voz baixa e ao mesmo tempo convicta, o pequeno mestre critica o excesso de tecnologia das sociedades modernas, a indústria farmacêutica, os médicos, e diz que nem mesmo os orientais conseguiram fugir da dominação da máquina  razão, segundo ele, das mazelas contemporâneas. “Hoje, os orientais estão quase da mesma maneira dos ocidentais. Oriente e ocidente estão bagunçados. Infelizmente, essa visão predatória cresce em todos os lugares”, lamentou. Para Kikuchi, que diz não recorrer a nenhum tipo de remédio, grande parte das doenças sofridas pela humanidade é consequência de hábitos negativos e de uma visão superficial e enganadora do corpo. Massagens, remédios e terapias são, para ele, apenas paliativos. “As pessoas se apegam naquilo que é superficial”, avaliou. Espécie de guia de anônimos e famosos, como o cantor Gilberto Gil, o japonês-brasileiro diz que o segredo de uma saúde plena está no fluxo do sangue. “Quem souber controlar o sangue, controla a ordem fisiológica”, pontuou. Ele afirma ainda que a conversão à micromacrobiótica exige uma visão de dentro. “Quem tem sensibilidade para perceber as coisas, para perceber os limites, pode mudar de vida”, sugeriu. Confira a entrevista abaixo:
 

Fotos: Francis Juliano/Bahia Notícias

Bahia Notícias - Primeiro, gostaria que o senhor explicasse o conceito de macrobiótica e micromacrobiótica. 

Tomio Kikuchi - A macrobiótica não é mais utilizada. Está encerrada. Esse conceito é muito dogmático, inflexível e utópico. A micromacrobiótica é mais integrada e é baseada em autoeducação vitalícia porque nos dá a possibilidade de encontrar o todo e de se sentir preparado para a vida. Se não nos prepararmos com uma educação para a vida, para prevenir antes de remediar, não evoluímos. 

BN - O senhor é um dos introdutores no Brasil dessa consciência, agora chamada de micromacrobiótica. Como foi o primeiro contato com os brasileiros na transmissão dessa proposta de vida?

TK - Quando eu cheguei, há 50 anos, a situação era de muito atraso. A base tecnológica mantinha um pensamento estreito e redutor.

BN - Houve avanços na percepção, no sentido de passar a entender e praticar a micromacrobiótica no país?

TK -  A vida levada pelo brasileiro ainda é muito atrasada comparada a outros países. Esse avanço tecnológico também é perigoso porque podemos perder o controle da natureza. Quando se começa atrair potências mundiais para nossas riquezas, isso traz um risco muito grande. Porque aí vem o problema do dinheiro, que carrega em si o problema da corrupção, da criminalidade, da pobreza, entre tantas coisas.

BN - A micromacrobiótica, por ter uma visão mais oriental da vida, de maior integração entre homem e natureza, não seria mais difícil de ser assimilada por nós, brasileiros, ocidentais, e, portanto, menos integrados ao meio ambiente?

TK - Hoje, os orientais estão quase da mesma maneira dos ocidentais. Oriente e ocidente estão bagunçados. Infelizmente, essa visão predatória cresce em todos os lugares.
 

BN - Qual é a maior dificuldade de praticar as ideias defendidas pela micromacrobiótica?

TK - O problema é que o Brasil tem muitas favelas. Todas as cidades grandes têm favelas. As pessoas têm dificuldades para ir à escola, que já virou comércio. As famílias não têm dinheiro para botar os filhos na escola, imagine fazer outras coisas. O modelo tecnológico é que tem se desenvolvido, mas o problema não é só no Brasil ou na Bahia. Em todos os lugares a gente vê isso. É um avanço apenas aparente.
 
BN - O senhor não acha que hoje, tanto pais quanto instituições, como a escola, têm um comportamento mais paternalista em relação às pessoas? Parece que é proibido sofrer e não é dada a importância de se responsabilizar pelos atos que se comete, perdendo assim a oportunidade de amadurecer.

TK - Muitas vezes, os pais não tiveram uma infância saudável. Eu acho que os pais, hoje, têm corrido atrás de dinheiro e por isso não tem acontecido diálogo em casa. Diálogo é a base de tudo. As famílias estão desmoronadas. Hoje, pai e mãe separam rápido, os filhos têm mais carência afetiva, os jovens têm envelhecido mais rápido.

BN - Um das dificuldades para se abrir estabelecimentos e adotar também uma alimentação saudável é o custo. Lugares que oferecem comida “natural” ou vegetariana são mais caros em relação a restaurantes convencionais. Concorda com isso?

TK - Tem muito lugar que, além de ser caro, prepara comida enganosa. Agora, é um custo para esses lugares se sustentar financeiramente.
 

BN - Uma crítica de setores da sociedade é que o uso excessivo de remédios na medicina tem gerado doenças. Qual a sua avaliação disso e o que a micromacrobiótica pode fazer na saúde das pessoas?

TK - A saúde é integrada e funciona bem, se controlarmos a ordem fisiológica. Basicamente, se controla a ordem fisiológica com o fluxo do sangue. Quem souber controlar o sangue, controla a ordem fisiológica. Quando se renova o sangue, se renova a ordem fisiológica de todo o organismo. E tudo depende desse fluxo sanguíneo. 

BN - O senhor acredita que falta esse entendimento entre os médicos?

TK - Os médicos só tratam os sintomas que aparecem, os momentâneos. Para eles, não interessa a causa, a origem, o processo, a dialética, a causa e o efeito. São só os sintomas que interessam a eles. E mandam o paciente tomar remédio. Só isso. E remédio engana.

BN - Engana?

TK - Engana, sim. Por isso que a indústria farmacêutica lucra tanto. Se funcionasse, as pessoas não voltariam para comprar remédios. Quando a pessoa começa a tomar remédio, ela não para mais, porque é criada uma necessidade. 
 
BN - O senhor não usa nenhum tipo de medicamento?

TK - Para quê? Não há necessidade. Se fosse bom, não se voltaria tanto para as farmácias. 

BN - Hoje, uma doença que tem sido muito comum é a depressão. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que em 2020 a enfermidade deve ser tratada como problema de saúde pública. O que a micromacrobiótica pode ajudar no controle da depressão?

TK - Todo problema patológico, não apenas a depressão, tem origem no sangue. Quando se perde o controle do sangue, aparece uma série de problemas. Entre eles, a depressão.  

BN - O senhor é considerado mestre de muita gente, inclusive de famosos, como o cantor Gilberto Gil. O que pobres, ricos e famosos esperam da micromacrobiótica?

TK - Todos eles, famosos, ricos e pobres, me procuram. Doença de rico e doença de pobre acaba tendo o mesmo tratamento. Pobre não tem dinheiro, gasta para piorar. Rico é ainda mais grave porque, tendo dinheiro, usa remédios mais avançados e acaba estragando tudo também.  
 

BN - O senhor faz algum procedimento no corpo ou cuida apenas da alimentação e isso basta?

TK - É um estilo de vida. Tem três sistemas do nosso corpo que devem ser estimulados: sistema nervoso (intelecto), sistema circulatório (emocional) e sistema muscular (flexibilidade). Se forem estimulados, nenhum deles enfraquece.

BN - Como uma pessoa que vive nesse ritmo acelerado do dia-a-dia pode começar a adotar esses ensinamentos?

TK - Ela precisa de autoeducação, autoconhecimento, auto-realização e auto-confiança. As pessoas devem procurar se conhecer primeiro, antes de qualquer coisa. Quem tem sensibilidade para perceber as coisas, para perceber os limites, pode mudar. Os problemas não acontecem de repente. Tudo acontece em consequência das coisas que vamos fazendo. Como é que as coisas vão ocorrer assim, de uma hora para a outra? Tudo tem uma razão: ou uma razão para piorar ou uma razão para melhorar. O problema é que as pessoas se apegam naquilo que é superficial e, por isso, recorrem a métodos que trazem efeitos momentâneos e enganosos. Por isso, o nosso treinamento é vitalício e baseado na autoeducação. Desde o nascimento, passando pelo envelhecimento até o falecimento.