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Marca Bahia Notícias Saúde

Entrevista

'O efeito estético não interessa à cirurgia bariátrica', explica cirurgião Marcelo Zollinger

Por Francis Juliano e Juliana Almirante | Fotos: Marcela Gelinski

'O efeito estético não interessa à cirurgia bariátrica', explica cirurgião Marcelo Zollinger
Em entrevista à Coluna Saúde do Bahia Notícias, o cirurgião bariátrico Marcelo Zollinger, uma das referências no Brasil do procedimento, explica os principais detalhes da operação e quem está apto a realizá-la. "A cirurgia bariátrica é um procedimento complexo, que precisa de uma equipe multidisciplinar muito bem alinhada”, define o médico, que atua no Hospital da Bahia. “Eu acho que o paciente que está pensando que a cirurgia vai resolver todos os seus males está enganado. A cirurgia bariátrica depende fundamentalmente de um esforço grande para que ele passe a mudar a vida”, afirma Zollinger. De acordo com o especialista, o paciente que passa pelo procedimento deve fazer exercício pelo resto da vida e ter uma alimentação saudável. “Ele não vai abdicar o prazer de comer, mas terá que qualificar e quantificar a alimentação de acordo com o grau de exercícios que pratique, para não engordar de novo”, completa. O médico também delineia o perfil de pessoas que estão aptas a se submeter à cirurgia bariátrica, que segundo ele, estatisticamente, tem o risco de complicações graves de 1 a 1,2%. “Isso significa que entre 100 doentes um terá uma complicação grave, que pode até terminar em óbito, mas que também pode-se resgatar”, esclareceu. 
 

 
Bahia Notícias – Quem deve fazer a cirurgia bariátrica?
 
Marcelo Zollinger – A cirurgia bariátrica exige um padrão de obesidade. A obesidade pode ser dividida nos graus 1, 2 e 3, baseados em vários parâmetros de aferição. O que nós estamos acostumados, em consenso com o Ministério da Saúde e as operadoras e convênios, para obter a liberação para o procedimento cirúrgico, é o índice de massa corpórea, que não é o mais fidedigno da qualidade da obesidade, ou seja, da disposição da obesidade no corpo. O índice de massa corpórea é uma relação entre o peso e a altura. Mas isso nos dá uma ideia muito clara da obesidade dividida nos graus 1, 2 e 3. Em primeiro lugar, pacientes com índice de massa corpórea (IMC) acima de 40 que tentaram emagrecer pelas vias tradicionais por mais de dois anos são passíveis de cirurgia. Pacientes com IMC entre 35 e 40 precisam ter, além de tentado durante dois anos emagrecer pelas vias tradicionais, com dieta, endocrinologista, nutricionista, algumas medicações, eles precisam ter alguma comorbidade diagnosticada e fundamentada. Ou seja ele precisaria ter hipertensão ou diabetes ou apneia do sono ou algum problema de hérnia de disco, enfim, algum problema que justifique o procedimento. 
 
BN – Um hipertenso pode fazer a cirurgia?

MZ – Comorbidades são doenças associadas à doença base. Por isso que nós chamamos de obesidade mórbida. É quando ela já vem cheia de problemas relativos à obesidade, como hipertensão, como diabetes, como apneia do sono e etc. Existe uma discussão hoje de que pacientes quem tenham IMC entre 30 e 35 e que sejam diabéticos, só essa condição facilitaria que algumas operadoras, isso já é consenso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Ministério da Saúde, esses pacientes seriam liberados.
 
BN –  A gente vive hoje uma realidade em que as pessoas estão procurando mais o bem estar e a estética. Isso faz com que as cirurgias plásticas sejam muito procuradas e também as cirurgias de redução de estômago. Qualquer pessoa pode fazer?  
 
MZ – A cirurgia bariátrica não é uma cirurgia estética e sim de redução de peso. A cirurgia estética é a cirurgia plástica. A bariátrica não tem como fundamento a estética e sim o emagrecimento e, com isso, a melhoria das condições mais graves, que possam ameaçar a vida.
 
BN –  Então se você está indo para uma cirurgia bariátrica por um motivo estético está desorientado?
 
MZ – É claro que o efeito estético para o padrão de beleza humano, de que uma pessoa magra é “mais bonita” do que uma pessoa gorda, não interessa à cirurgia bariátrica, apenas à cirurgia estética. O fundamento da bariátrica é o objetivo final, o emagrecimento. Quando o paciente emagrece e faz uma cirurgia reparadora, com fundamento estético, ele tem que completar o ciclo de emagrecimento e então aparece, vamos dizer assim, as pelancas, as sobras, o paciente vai sofrer uma cirurgia que é imanentemente reparadora. 
 
BN – Quais tipos de pessoas, por terem determinadas enfermidades, estão impedidas de fazer a cirurgia?
 
MZ – Existem situações com contraindicações formais para a cirurgia. Um paciente cardiopata, coronariopata, um paciente que tenha sequela neurológica decorrente de um acidente vascular cerebral e que esteja impedido de fazer um procedimento cirúrgico sob anestesia. Enfim, são condições que de certa forma mostram que o risco cirúrgico é maior do que o benefício do risco, então nós postergamos. Hoje nós estamos também postergando a cirurgia do paciente muito gordo. Vocês devem ter acompanhado uma reportagem de uma paciente, no programa Mais Você, da rede Globo, que fui eu quem operei, aqui no Hospital da Bahia, em que ela estava tão gorda, com 200kg, há dois anos sem puder andar. Então nós primeiramente internamos ela, para que emagrecesse, e depois operarmos. Porque nós sabemos hoje que os grandes problemas de risco cirúrgico no início dessa casuística mundial de cirurgia bariátrica aconteceram quando pacientes muito obesos eram levados para a cirurgia sem o emagrecimento prévio. 
 

 
BN –  Qual o grau de riscos cirúrgicos da cirurgia bariátrica?
 
MZ – A cirurgia bariátrica é de alta complexidade. Ela está enquadrada em cirurgias como a neurocirurgia, como a cirurgia cardíaca, a ortopédica de alta complexidade, cirurgias oncológicas, enfim, significa que são cirurgias que comportam riscos. Mas, estatisticamente, tínhamos um risco maior, que hoje no mundo varia entre 1 e 1,2% de complicações graves. Isso significa que entre 100 doentes um terá uma complicação grave, que pode até terminar em óbito, mas que também se pode resgatar. Para você ter uma ideia, existem cirurgias muito mais complexas, como a cardíaca e a neurocirurgia que comportam taxas de complicações fatais maiores.
 
BN – Aqui na Bahia dispomos de estrutura razoável para atender a esse tipo de cirurgia?
 
MZ – A Bahia está entre os estados do país mais qualificados para a cirurgia bariátrica. É um dos estados que mais operam, com mais experiência nisso e que tem serviços de ponta, para serem comparados aos melhores do mundo. Estão concentradas basicamente em Salvador, não estenderia muito, porque não sei sobre a situação de Feira de Santana e Vitória da Conquista, por exemplo. Salvador hoje desponta como um dos centros mais capacitados do país para fazer a cirurgia bariátrica.

BN –  E como é feito o período pós-cirúrgico?

MZ – O procedimento cirúrgico é feito geralmente com dois dias de internação. A grande maioria dos pacientes se submete ao procedimento com videolaparoscopia, que é aquela técnica que abole as grandes incisões. É a introdução de uma câmera com uma ótica que transmite a imagem com 20 vezes de aumento em uma televisão e você faz o procedimento com cinco ou seis perfurações. Esse procedimento é minimamente invasivo, ele agride pouco o paciente, esse paciente teria uma recuperação pós-operatória muito rápida. Isso pode fazer com que o paciente saia do hospital com dois dias de internação.
 
BN – Quais os cuidados com o período pós-cirúrgico?

MZ – Depois de dois dias, o paciente vai para casa e recebe orientação dietética, tem que ser uma orientação rigorosa. Depois disso, esse paciente volta para o consultório com oito dias, tira os pontos e vai ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar. Esse é um grande diferencial desse procedimento. Como é uma cirurgia de alta complexidade, ela precisa de um acompanhamento multidisciplinar. Em todo serviço de cirurgia bariátrica dispõe-se, obrigatoriamente, de psicólogo, nutricionista, endocrinologista e um preparador físico, para que esse paciente tenha o acompanhamento multidisciplinar, no período mais crucial do seu emagrecimento, que são os primeiros seis meses. Nós do Hospital da Bahia dispomos de um serviço com todos esses profissionais. O paciente fica mais restrito ao acompanhamento psicológico e nutricional, porque é muito importante que nessa fase crucial do emagrecimento tenha um acompanhamento para evitar as chamadas transgressões, que são quando o paciente se alimenta mal, sai da rotina nutricional. A cirurgia bariátrica é um procedimento que cria, de certa forma, uma desabsorção de nutrientes também importantes e isso faz com que o paciente precise ser vigiado de uma forma mais criteriosa. 

BN – E quais os efeitos colaterais negativos que o paciente pode ter? Como depressão, recuperação de peso?
 
MZ –  O paciente obeso é um paciente muito complexo e emocionalmente dependente. Um dos segredos do processo é ele estar muito aderido e motivado a permanecer aderido ao grupo que o operou. Para que ele volte às consultas com o nutricionista e psicólogo e nós medirmos te o resultado do emagrecimento e de uma vida qualitativamente saudável juntamente com essa aderência ao projeto multidisciplinar. Pacientes que operam e não são acompanhados por uma equipe multidisciplinar têm uma tendência muito maior de transgressões alimentares, hábitos outros que surjam do vazio da alimentação, como o alcoolismo, algumas vezes tentativa de suicídio. Essas desarrumações emocionais não são frequentes, são raras, mas o procedimento cirúrgico, por esses motivos, precisa ser muito bem acompanhado e vigiado.
 
BN  Outra questão é que a idade para o procedimento foi reduzida. Qual o limite etário?
 
MZ –  No início, o consenso dizia que os pacientes na faixa de 18 a 65 anos poderiam ser operados. Hoje em dia, o Ministério da Saúde liberou a questão da idade mais tenra. Então de 18 antecipou-se para 16, desde que o paciente sofra uma avaliação endocrinológica muito rigorosa e a sua idade óssea tenha sido completada. Esses pacientes acima de 16 anos poderiam ter o benefício da cirurgia bariátrica. A questão da idade máxima, nós iniciamos respeitando o parâmetro de 65 anos, mas já tivemos pacientes outros de 70 e 75 anos e os resultados foram muito bons. Esses pacientes se beneficiaram muito com o procedimento cirúrgico. Então nessa faixa entre 16 e 70 anos trabalhamos com muita tranquilidade.
 
BN   E a pessoa que fez a cirurgia bariátrica, engordou de novo e quer fazer novo procedimento?
 
MZ –  A equipe multidisciplinar está muito focada no acompanhamento das transgressões. Uma das principais transgressões é o paciente é achar que porque ele operou ele vai passar o resto da vida em lua de mel com a balança. É um engano grave. Para tranquilidade dos médicos e dos pacientes, a cirurgia é autolimitada. O efeito dela tem data para acabar. Então, o organismo lança mão de vários artifícios para segurar o emagrecimento. O urso é um exemplo de hibernação. O urso se prepara para o inverno baixando todos os seus gastos energéticos nas reações químicas. O pulso dele baixa muito, ele dorme na maioria do tempo, para que o consumo energético seja menor. O paciente bariátrico também tem artifícios orgânicos para segurar o emagrecimento. É como se organismo estivesse dizendo: “Olha, alguém está querendo me matar de fome e eu vou ter que segurar para sobreviver”.  O organismo faz isso mesmo. Um ano e meio a dois anos depois da cirurgia você já não consegue perceber aquela ideia do emagrecimento tão fácil que foi visto no início da cirurgia. Nos primeiros dias depois da cirurgia, o paciente perde muito peso. Os primeiros três meses depois é a melhor época para perder peso. Depois a coisa vai se equilibrando, você percebe que ainda está difícil engordar. Mas depois de dois anos, estatisticamente já é consensual, o organismo já está disposto a viver da mesma forma que o paciente que não foi operado. Então esse paciente, caso insista em uma dieta absurda, desregrada, qualitativamente com muito carboidrato, como eu digo aos meus pacientes, tomando leite condensado em canudo, vai engordar. E ai, o grande problema: não existe alternativa cirúrgica. Pode-se tentar uma coisa ou outra com muito risco para o paciente. Eu prefiro dizer que o tratamento para esse paciente que engordou é voltar à equipe multidisciplinar e fazer dieta e exercício físico. Isso é uma porcentagem pequena em relação aos benefícios da cirurgia. Estatisticamente, é uma parcela desprezível de pacientes que abandonam o serviço e reengordam. A grande maioria, quase 100% dos casos, estão relacionados ao abandono da equipe multidisciplinar. O paciente some e já volta dessa forma.
 

 
BN   Então os maus hábitos alimentares independem de classe social e todo mundo está suscetível?
 
MZ –   Independe a classe econômica, credo. Muita gente fala dos problemas hormonais. Um gordinho que fala que tem problema de tireoide, esqueça. O problema deve ser garfo, mão e boca e ele quer justificar de alguma forma.
 
BN  Através da rede do SUS é possível fazer a cirurgia?

MZ –  Sim. A rede SUS na Bahia tem o tratamento da cirurgia da obesidade, a bariátrica. Alguns hospitais credenciados para fazer. O Hospital da Bahia é um dos que mais fazem cirurgia bariátrica para a Secretaria de Saúde do Estado. Já fazemos isso há muitos anos com resultados muito bons. Infelizmente, por uma questão financeira, os pacientes do SUS ainda não são beneficiados com a cirurgia videolaparoscópica. Eles fazem a cirurgia bariátrica, só que a abordagem é com incisão, mais invasiva. Mas o objetivo final é exatamente o mesmo, o emagrecimento. A única diferença da laparoscópica é que não usa incisões e, com isso, é considerada mais branda. É uma questão de custo. Uma cirurgia laparoscópica custa duas vezes mais. O Estado acha que é melhor trabalhar com uma legião de pacientes maior e eu acho que está certo desse ponto de vista, porque o resultado é atingido da mesma forma.
 
BN – Esse procedimento vai chegar a atender ao interior do estado?
 
MZ –  Eu acho que esse procedimento deve ser feito em hospitais de grande porte, com boas emergências, sistema de imagem qualificado. Porque não é um procedimento para ser feito em qualquer esquina, em qualquer lugar. É um procedimento complexo, que precisa de uma equipe multidisciplinar muito bem alinhada. Isso não é para ser feito por qualquer pessoa em qualquer lugar. Eu acho que os hospitais da rede do interior do estado tem que ter estrutura assistencial condizente a um procedimento desse porte e com um paciente tão complicado. O problema não é a obesidade, é o que ele traz consigo, como diabetes e hipertensão, com o paciente tomando três ou quatro remédios.
 
BN – Tem alguma medicação cujo uso impede de fazer a cirurgia?
 
MZ –  Não. Pacientes que tomam medicamento com frequência pode-se ajustar a dose, suspender antes. Medicamentos anticoagulantes por exemplo, tem que fazer um tratamento especial, prévio, de suspensão, com determinados dias de antecedência, para que o paciente chegue às condições normais na cirurgia.

BN – Mas o melhor mesmo é fechar a boca e fazer exercício?
 
MZ –  Eu acho que o paciente que está pensando que a cirurgia vai resolver todos os seus males está enganado. A cirurgia bariátrica depende fundamentalmente de um esforço grande para que ele passe a mudar a vida. O paciente tem que obrigatoriamente fazer exercício pelo resto da vida e ter uma alimentação normal e saudável. Ele não vai ficar tomando copinho de água o resto da vida, vai poder comer de tudo, carne, frango, arroz, macarrão. Não vai abdicar o prazer de comer. Mas ele vai ter que qualificar a alimentação e quantificar a alimentação de acordo com o grau de exercícios que pratique para não engordar mais. É o que todos nós fazemos.