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Desmistificando a Saúde Mental: Bem Me Quer, Mal Me Quer

Por Pablo Sauce

Desmistificando a Saúde Mental: Bem Me Quer, Mal Me Quer
Foto: Divulgação
"Eu te amo, mas, porque inexplicavelmente amo em ti algo que é mais do que tu (...), eu te mutilo." (Jacques Lacan)
 
O amor é um pharmakon. A depender da dose, pode ser o melhor remédio para tratar a dor moral de alguém ou o pior veneno do qual se alimenta essa mesma dor. “Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não”, dizia o poeta. O recente caso que envolveu Ana Hickmanne seu fã obcecado,Rodrigo de Pádua, atualiza a questão: como diferenciar uma paixão mórbida de uma saudável?

Orientando-me pela Psiquiatria Clássica, considero o caso de Rodrigo uma erotomania. Esta paixão amorosa adquiriustatus de Síndrome no inicio do século XX, com Clérambault, sendo um dos Estados Passionais Mórbidos. Isso ocorreu quando o psiquiatra precisou diferenciar os apaixonados normais dos delirantes, os quais, após uma frustração amorosa, geralmente acabavam em atos criminosos.

Segundo Dra. Fabiana Nery, em um texto publicado nessa mesma coluna no abril passado:“A qualidade de vida e o bem-estar não estão relacionados ao maior ou menor número de frustrações ou perdas às quais uma pessoa é submetida, e sim de que forma aquele indivíduo lidará com essas situações”.

Para Clérambault, nas síndromes passionais há uma idéia diretriz -núcleo delirante- a partir da qual o indivíduo interpreta as situações e desenvolve sua paixão; porém, este núcleo não compromete toda a personalidade, o que dá ao quadro um aspecto de aparente normalidade. O postulado fundamental consiste na certeza de ter seu amor correspondido por um personagem eleito, geralmente alguém de status mais elevado.

O quadro apresenta três fases. Uma vez instalado o postulado fundamental, se assemelha a um episódio de enamoramento. Porém, diferentemente dos apaixonados normais, na erotomania há uma intensidade absolutamente desmedida da paixão, além dela ser apenas uma ilusão, um delírio. Para ilustrar esta fase com o caso de Rodrigo, destaco uma passagem do Instagram onde ele diz para Ana (Hickmann): “meu Sol, minha luz, minha princesa, meu amor, minha paixão, mulher da minha vida… Eu te amo e te amarei mesmo depois do fim… Quando não houver mais vida na Terra, e as estrelas, os planetas e todo Universo se transformem em nada”.

A segunda fase é caracterizada pelo despeito. Quando o sujeito tem pelo ser amado, simultaneamente, sentimentos de conciliação e de vingança, baseados em seu orgulho ferido, pelo fato de que o ser amado não esta correspondendo ao que o erotômano espera dele. Para ilustrar esta fase cito outra passagem de Rodrigo: "Ana Hickmann, meu amor, eu estou muito triste porque você gostar de me ver assim e ainda brinca com isso? Eu quero seu carinho, seu amor, não quero ser magoado! Eu te dou tanto amor, sou tão bom pra você e os meus dias estão desse jeito. Não estou dormindo direito, meus dias estão uma merda e a minha saúde indo pra casa do. Obrigado mesmo".
A terceira e última fase destacada por Clérambault se caracteriza pelo sentimento de rancor ou de reivindicação, quando, a partir da desilusão amorosa, o indivíduo sente ódio pelo ser amado e passa a fazer-lhe falsas acusações e ameaças:para exemplificar,cito outras frases de Rodrigo: “Eu nunca me senti tão humilhado como agora. Vc respondeu pessoas que eu nunca vi te escrevendo e me ignorou! O que eu fiz para vc?”; “Porque você é uma mentira. Duvidou do amor que eu tinha"; "Eu sou um ser humano, cretina. Sou um ser humano". Uma frase da entrevista com Ana ilustra o sentimento predominante no desfecho da paixão não correspondida:“Ele olhava para mim com um ódio tão grande que eu nunca pensei que alguém pudesse sentir isso por mim. Ele deixou bem claro que o fato de eu não ser dele, não seria de mais ninguém".

Quando uma erotomania se instala, distingue-se de uma “paixonite aguda” pela certeza tão inabalável quanto delirante, de ter recebido da pessoa admirada um inequívoco signo de amor: “ela colocou esse vestido porque me ama”. A partir da confirmação, pela interpretação delirante, de que seu amor é correspondido por ela, o admirador-admirado passa a demanda-lhemais e mais provas de amor que testemunhem em favor da realidade dessa ilusão.

No momento em que a expectativa amorosa, alimentada pelo delírio, é confrontada com a inexistência desse amor correspondido - através das inevitáveis frustrações amorosas que a realidade impõe - acaba por derivar em ódio, em reivindicação ou em perseguição do ser amado. Casos como este nos ensinam que, diferentemente de uma paixonite, na dimensão erotomaníaca do amor o verdadeiramente impossível de suportar é a indiferença do ser amado. Se você quiser saber mais e gosta de cinema, não deixe de assistir o excelente filme que inspirou nosso título, Bem Me Quer, Mal Me Quer.


* Pablo Sauce, psicólogo, psicanalista e Coordenador do Serviço de Dependência Química da Holiste.