Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Municípios

Entrevista

Especialista avalia economia baiana para 2024; analista diz que estado precisa de mais cooperativismo

Por Francis Juliano

Especialista avalia economia baiana para 2024; analista diz que estado precisa de mais cooperativismo
Foto: Divulgação / SEI

O que esperar da economia baiana em 2024? A pergunta inadiável também passa por saber qual setor deve se destacar e qual deve sofrer. Outra questão é: a indústria baiana vai vingar? O setor baiano tem mostrado mais baixa do que a indústria brasileira durante anos. O semiárido baiano pode ser viável? Esta é outra indagação.

 

Para responder a essas e outras questões, o Bahia Notícias conversou com Luíz Mário Vieira, analista de conjuntura da SEI [Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia]. Segundo o também mestre em economia, falta ainda ao estado o fortalecimento do cooperativismo, relegado quase apenas à agricultura familiar.

 

O recurso serviria para proteger empresas e evitar a fuga de outras, sobretudo nas cidades de médio e pequeno porte do estado. “Se sabe que o cooperativismo foi o grande diferencial em outros estados, como os do Sul do país. Lá é algo muito forte. Eles lutam pela defesa dos interesses deles. E aqui é uma coisa bem isolada, ficando mais na agricultura familiar”, declarou. Confirma abaixo a entrevista na íntegra.

 

Foto: Divulgação / SEI

 

Primeiro, o que podemos aguardar da economia baiana em 2024?

A gente tem verificado que as previsões estão sendo muito erráticas nos últimos anos, não é? Ou seja, se a gente pegar mesmo 2022 e 2023, a previsão era de crescimento de 0,8%. E os economistas acabaram surpreendidos pela dinâmica da economia brasileira. Hoje, nós temos uma previsão de que a economia feche em torno de 3%. Isso em nível de Brasil. Agora, a Bahia costuma ter uma situação peculiar. 

 

Qual situação?
O setor industrial não foi bem, sobretudo a indústria de transformação, como no setor petroquímico e no setor de refino de petróleo. A gente teve uma retração na indústria, que deu nesse resultado ruim para o PIB do estado, que ficou uma taxa muito aquém do que a gente esperava. O PIB da Bahia no terceiro trimestre ficou em 0,2% e consequentemente no ano nós teremos uma taxa de 0,5%. Por isso, esperamos fechar o ano com um taxa pela metade da do Brasil, ou seja, em torno de 1,5%. E o caso da Bahia também é em decorrência da concentração da atividade industrial em poucos setores. 

 

A saída da Ford ainda causa impacto?
Acredito que não. A saída da Ford foi em 2021. Os efeitos dela ocorreram em 2022. De lá para cá, a base de comparação não incluiu o efeito Ford. Agora, nós tivemos bons resultados nos setores de agropecuária e de serviços, que vem correspondendo nos últimos anos. Eles deram uma recuperação muito significativa para o PIB da Bahia logo após a pandemia. 

 

Foto: Reprodução / SEI


Há algum setor em especial que deve crescer mais na Bahia?
Olha, nós esperamos uma recuperação do setor industrial. Porque quando a gente fala em indústria em relação ao PIB, falamos de indústria de transformação, extrativa, além de aumento de demanda em eletricidade e construção civil. Sei. Segundo a Ademi [Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário], houve um crescimento de 60% em lançamentos na construção civil. Isso é importante. Por que se você lança, você vai construir. E tem a queda da taxa de juros, que ajuda a financiar os lançamentos. Na indústria, a gente espera alguma recuperação, principalmente no setor de refino. A Petrobras tentando fazer uma parceria com a Acelen [que administra a Refinaria Mataripe], também é interessante. E tem alguns gargalos no setor industrial, como a questão da Unigel [fertilizantes], que a gente não sabe como vai ficar. Tem a metalurgia, como a Paranapanema, que está em recuperação judicial. Tem uns setores que se expandem. Papel e celulose vão continuar tendo um bom desempenho porque a demanda internacional vai continuar se mantendo. E não vai ter um processo recessivo no mundo no ano que vem. As perspectivas são mais favoráveis com a expectativa de que as taxa de juros no mundo sejam reduzidas.

 


Eu queria voltar para a questão da indústria baiana. A indústria baiana caiu quase o dobro da economia brasileira em dez anos. Enquanto a baixa no país foi de 12,4%. No estado, foi de 22,6%. Como recuperar a capacidade industrial?
A indústria da Bahia tem um aspecto. Ela vive momentos de explosão e depois acomodação. Houve isso lá atrás, no final dos anos 70, com o polo petroquímico [Camaçari]. Depois, veio a Ford. Agora, a gente espera que com a chegada da BYD haja isso, dando um choque no setor industrial. Porque vai ser bom na produção como também na inovação, já que eles pretendem criar um campo de inovação aqui na Bahia. 

 

Quais setores têm potencial de se desenvolver aqui no estado?
Na pandemia, ficou evidente que a gente não produzia nem máscara. Não tinha seringa e insumos básicos, o que acabou atrasando a vacinação. Aqui, nós temos o Cimatec [Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia], que trabalha com inovação e tem um setor de excelência em saúde. Tudo isso nós temos condições de desenvolver. E Salvador está caminhando para ser um centro de excelência na questão de saúde no Nordeste. Os melhores hospitais estão aqui ou têm filiais, como Mater Dei, Rede D’or e por aí vai. O hospital que você tem aqui é o mesmo que você tem em São Paulo. Tem a economia verde também. A gente tem que trabalhar com esses essa questão da descarbonização da economia. É uma palavra um pouquinho feia, mas é o caminho mesmo. 

 

E o semiárido baiano? Qual o potencial dele que ainda não foi desenvolvido?
Acredito que passa pelas energias renováveis. Precisa também de pesquisa para apontar o caminho. A gente sempre cita o exemplo de Israel, que vive em um deserto e consegue produzir muita coisa. Acho que também precisa trabalhar com o conceito de eficiência. Se o semiárido trabalhar nesse sentido, ele pode ser viável. A Embrapa, que é uma empresa pública, por exemplo, ajudou no salto que o agronegócio teve. Ela colabora não só na produção como no valor agregado, ou seja, hoje o setor não exporta somente o produto primário. Exporta também o produto acabado. 

 

Foto: Reprodução / SEI

 

Mas se diz que o agronegócio produz muito, gera muito lucro, mas emprega pouco. 

 A agricultura antes era o setor que empregava mão de obra de baixa qualificação. Mas isso tem mudando radicalmente. O que a gente vê nas feiras que acontecem lá em Luís Eduardo Magalhães, no Extremo Oeste baiano, é o aumento do nível tecnológico agregado às máquinas. Então não vai ser qualquer um que vai sentar ali para dirigir uma máquina daquelas, tem que ter um conhecimento. Mas, apesar de menos emprego, o setor gera uma cadeia de serviços. Luís Eduardo Magalhães, um município criado recentemente, já aparece como um dos maiores PIBs do estado. Isso é muito importante. 

 

A Bahia é um estado com 61,6% de cidades com até 20 mil habitantes e apenas 18 delas têm mais de 100 mil habitantes. Aquele modelo de empresas de fábrica de calçados ainda tem potencial? 
Esse modelo teve seu momento, principalmente diante da questão da guerra fiscal entre os estados. O governo deu muitos benefícios, deu terreno, galpão, e ao longo desse período várias dessas empresas foram embora. E uma coisa que não se desenvolveu aqui na Bahia é o cooperativismo. Falta até um estudo sobre isso. Só a agricultura familiar é que consegue ter cooperativas. E ela fornece quase 80% da alimentação que se consome aqui. Tem que ver também o que o mercado precisa e que seja competitivo, sem precisar de uma ajuda tão substancial do estado, porque a própria legislação não vai permitir que se faça mais isenções fiscais e tributárias, embora no primeiro momento, na instalação delas seja necessário. 

 

Falta cooperativismo na Bahia então?
Eu acho que falta. A gente observou muito isso quando foi criado o setor calçadista. Quando se tentou as cooperativas para gerirem o negócio, o resultado não foi exitoso. E aí voltou a relação tradicional capital-trabalho. 

 

Não deu certo por quê?
Isso ainda nós não sabemos exatamente, mas se sabe que o cooperativismo foi o grande diferencial em outros estados, como os do Sul do país. Lá é algo muito forte. Eles lutam pela defesa dos interesses deles. E aqui é uma coisa bem isolada, ficando mais na agricultura familiar. 

 

Um dos problemas que afetam o desenvolvimento do estado é a infraestrutura precária?
Essa ferrovia [Fiol] está muito atrasada. Com a Fiol, a gente poderia encontrar mecanismos de produção que sejam adequados à nossa realidade, com o semiárido e a região do cacau. Você pode dar dinamismo naquela região, buscando outras alternativas, além do cacau. 

 

Foto: Reprodução / SEI 


O que a gente pode vislumbrar para o desenvolvimento no estado ano que vem?

Olha, o El Niño vai atrapalhar na agricultura. Isso a gente não tem dúvida, apesar de o pessoal do Oeste ter uma área irrigada. No setor industrial, a gente espera pela própria base de comparação um desempenho melhor. O governador assinou algumas licitações, como a do VLT [Veículo Leve sobre Trilhos] em Salvador. A rodoviária [de Salvador] deve sair no ano que vem. A própria Fiol se continuar no seu processo de construção, também vai ter um impacto na própria construção civil habitacional. Essa reflete tanto na demanda de insumos como na geração de empregos. Com essa seca, a demanda por eletricidade vai crescer e o nosso parque eólico vai ser mais acionado.  Em relação à BYD, não podemos esperar muita coisa, já que ela ainda não vai operar ano que vem, mas pode dar um incentivo à geração de energia. E o grande setor, que é o de serviços, que representa mais de 60% da economia baiana, vai bem. 
E associado ao elemento da geração de renda. E boa parte das pessoas recebe salário mínimo, que repercute nos aposentados e quem tem benefício. Se a inflação estiver controlada, esse salário tem um ganho real e isso ajuda as pessoas.