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Entrevista

Alan Lacerda, prefeito de Licínio de Almeida

Por Francis Juliano / Fotos: Jamile Amine

Alan Lacerda, prefeito de Licínio de Almeida
Fotos: Jamile Amine / Bahia Notícias
À frente da prefeitura da pequenina Licínio de Almeida, no sudoeste baiano, o prefeito Alan Lacerda (PV) tem um motivo para se orgulhar e ao mesmo tempo um desafio para manter. A cidade, que fechou todas as escolas privadas, carrega o posto de melhor índice de educação básica pública do estado por três anos consecutivos. Na última avaliação registrou média de 5,8 no Fundamental 1, e 5,4 no Fundamental 2, enquanto a Bahia anotou 3,9 e 3,2, respectivamente. Segundo o gestor, a receita foi estabelecer a educação como prioridade, afastar a indicação partidária, manter um convênio com o Instituto Ayrton Sena, além da parceria com um professor da Ufba. Na entrevista ao Bahia Notícias, Alan Lacerda ainda comentou os desafios de gerir uma cidade pequena com recursos escassos e avaliou as políticas para educação dos governos estadual e federal. Lacerda ainda analisou os consórcios de municípios, uma das bandeiras da União dos Municípios da Bahia (UPB), e declarou que grande parte dos municípios baianos não cumpre o ano letivo exigido pelo Ministério da Educação (MEC). “Grande parte dos municípios baianos não cumpre a quantidade de dias letivos exigidos. Alguns, de forma até absurda, chegam a cumprir metade dos dias letivos”, afirmou. Confira a entrevista abaixo:
 
 
Como um município pequeno, como Licínio de Almeida, que deve enfrentar adversidades comuns a muitas cidades baianas, conseguiu obter resultados positivos na educação de base?
 
O primeiro aspecto é que elegemos a educação com a prioridade absoluta. Então, nós implementamos algumas coisas importantes. A primeira, foi tirar qualquer aspecto de indicação politica na gestão da educação. Nós não temos nenhum gestor escolar, seja diretor, vice-diretor, que tenha sido indicado pela via política. Todas as indicações são técnicas. A segunda é que nós somamos esforços com uma entidade importantíssima, que é o Instituto Ayrton Sena. Eles têm um trabalho consolidado e uma expertise muito grande na condução da educação. E por fim, nós privilegiamos o investimento na educação. É bem verdade que o investimento pode ser feito na infraestrutura, no material escolar, etc, mas nós privilegiamos a questão pedagógica, que é o faz efeito na sala de aula.
 
Acredito que o senhor também deve ter oposição lá em Licínio. No entanto, como conseguiu fazer com que a educação fosse abraçada pela maioria, até por quem não lhe apoia?
 
São muitos aspectos que estão envolvidos. Um deles é a compreensão da oposição da importância de consolidar Licínio de Almeida como um polo de educação de qualidade. É preciso dizer que quando assumimos a prefeitura, em 2009, já havia uma escola que se destacava na educação pública da Bahia, que é a escola Pingo de Gente. No entanto, na época, à exceção da Pingo de Gente, as outras escolas estavam com os indicadores muito abaixo do índice da Bahia, que ainda são sofríveis. A nossa grande qualidade foi conseguir elevar o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] de todas as escolas.
 
O município tem quantas escolas?
 
Nós temos sete grandes escolas. Três na sede, e as outras ficam nos distritos. Mas nós temos outras 14 escolas rurais. 
 
E as escolas estaduais, são quantas?
 
Lá, a escola estadual atende os alunos no ensino médio. O município tem apoiado elas com mão-de-obra, tecnologia ecapacitação.
 

 
 
Quais são os pensadores e teóricos que dão o norte da educação na cidade?
 
Nós caminhamos de maneira muito próxima com o Instituto Ayrton Sena, que tem um trabalho muito consolidado, sobretudo na regularização do fluxo idade/série, que é quando o aluno tem idade avançada para uma série inicial. O instituto tem programas que trabalham muito bem na correção deste aspecto, o que traz ganhos econômicos. A repetição de vários anos por um aluno acarreta um gasto econômico para o município, como também para o estado e o país. Por outro lado, nós nos aproximamos muito de um pensador baiano, professor da Ufba, que é o Robinson Tenório. Ele pensa em uma educação mais ampla e que ultrapassa os limites da escola, que é o grande limite que a nossa educação tem.  O que passa dentro da escola dificilmente é correlacionado com a vida cotidiana. Vou até usar um exemplo do próprio Robinson Tenório. Ele diz que na escola os alunos aprendem a montar todos os sistemas de física, de eletricidade, faz cálculos de matemática, mas se desarma um disjuntor em casa, eles não sabem o que fazer.
 
Licínio de Almeida faz um trabalho bem avaliado nas séries iniciais, mas é uma cidade pequena. Como a formação desse público pode incidir no crescimento econômico da cidade. O município terá, em termos de infraestrutura, condições de abrigar esses futuros profissionais casos eles queiram ficar, ou voltar depois de formados em outras universidades, para Licínio?
 
Essa é uma grande ansiedade nossa. Perceber como vai se dá isso ao longo do tempo. Nós entendemos que se os alunos receberem a cada ano uma educação melhor, eles vão ter mais oportunidades. Vão ter mais chance de disputar vagas nas universidades. Vão certamente aumentar o número de pessoas com nível universitário. Mas acima de tudo, quando os ciclos terminarem, a expectativa nossa é que muitos desses filhos de Licínio voltem para reconstruir uma história. Nós, inclusive, já temos vários profissionais que voltaram para a cidade.  
 
Quais são as principais atividades econômicas do município?
 
Nós temos bem consolidado a agricultura familiar. Na história, o município foi ligado principalmente a duas atividades econômicas, que hoje quase não existem: a mineração, principalmente a de manganês; e a ferrovia centro-atlântica, que movimentou a economia local. A expectativa para o futuro é o desenvolvimento da energia eólica, já que a região de Licínio tem um potencial muito grande. Alguns empreendimentos já começaram até a operar.
 

 
Para gerir bem a educação, basta aplicar a lei, a Constituição?
 
Não. Primeiro, o investimento tem que fazer sentido. Sempre que alguém visita a nossa cidade, ou imprensa ou convidado, eu faço questão de avaliar junto com eles a nossa estrutura. Eu tenho caminhado por algumas cidades e vejo que a infraestrutura de Licínio fica muito aquém de vários municípios, que escolheram investir em ar-condicionado, carteiras, lousas digitais, entre outras coisas. Nós não temos isso. Por outro lado, investimos no que é fundamental para nós, que é a questão pedagógica. Então, o gasto de até 25% dos recursos do município em educação, que é o recomendado pela Constituição, não garante uma educação de qualidade. O fundamental é a valorização do professor. Ele precisa ser bem remunerado, capacitado e estimulado. Acho que neste aspecto, nós acertamos muito.
 
Qual o piso médio pago aos professores do município de Licínio de Almeida?
 
Nós pagamos o piso e mais algumas garantias que estão no plano de cargos e carreiras dos professores da cidade. A média é de R$ 1,4 mil por 20 horas. É um pouco acima do piso nacional por conta das incorporações. Na nossa avaliação, ainda é insuficiente. Entretanto, talvez o foco mais importante é a avaliação do município sobre essas questões todas. Olha, os municípios estão gastando na média quase 80% dos recursos do Fundeb para pagamento de professores, quando a recomendação é que gaste até 60%. Portanto está se gastando acima da exigência legal e ao mesmo tempo falta recurso para financiar outras ações na educação. Se o professor, como a gente acredita, não recebe ainda um salário digno, certamente há um equívoco no financiamento. O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] tem recebido incrementos que são menores do que os incrementos do salário mínimo, do piso nacional dos professores e da própria inflação. O que tem angustiado e estrangulado os municípios.   
 
O que a experiência e a administração de Licínio de Almeida podem ensinar à maioria dos municípios baianos, principalmente na gestão da educação? O que Lícinio conseguiu contornar que os outros municípios ainda capengam?
 
Acredito que o nosso grande acerto foi compreender que todos os gestores, professores, têm de estar bem capacitados. Uma questão que defendo, que é até polêmica e a gente precisa discutir mais, é a avaliação das escolas. Eu faço questão de participar e é absolutamente transparente. A avaliação é feita a partir dos indicadores de cada escola, de cada sala, de cada professor. Porque se eu defendo que os professores precisam ser mais valorizados, ganhar mais e tudo, em algum momento eles têm de dar a contrapartida. Isso nós não percebemos de forma muito clara nas associações de classe, como a APLB. Eles defendem a categoria, e tem que defender, mas precisam fazer uma reflexão sobre o trabalho do professor. Porque como é possível, em um mesmo município, um professor conseguir níveis muito bons e outros não chegarem nem perto desses parâmetros?
 

 
 
A gente está vivendo um período de recessão, de austeridade nas contas públicas, tanto em nível federal, como estadual. Lá em Licínio de Almeida, o senhor já sente os reflexos desse momento? Isso já impacta na educação?
 
Sim. Nós já tivemos problemas para fechar a conta no ano passado. Não conseguimos pagar todos os salários no ano passado. Isso é um reflexo muito claro do sub-financiamento que os municípios estão sofrendo. Este ano, já gastamos um percentual maior do Fundeb com remuneração de professor. Isso nos preocupa porque esse recurso do Fundeb deve remunerar outros profissionais da educação, com gastos com transporte escolar e outras ações, o que estrangula o financiamento dessas ações necessárias. Por outro lado, a Lei de Responsabilidade Fiscal diz que os municípios só podem gastar até 54% do seu recurso inteiro com pagamento de pessoal. Mas entenda que nós estamos gastando quase 90% do Fundeb para pagar despesa de pessoal. Pelo menos, 80% são só para pagar professor. Nós ainda temos pessoal de apoio. Como é possível fazer um ajuste para que nas outras áreas a gente contenha esse gasto e se organize dentro dos 54% da Lei de Responsabilidade Fiscal? Essa é a questão.
 
A nova gestão da UPB disse que vai investir nos consórcios como forma de conseguir mais recursos para os municípios. Como o senhor avalia esses consórcios e de que forma eles podem ser importantes?
 
Eu penso que os consórcios efetivamente podem trazer benefícios. Mas me preocupa a forma com eles foram feitos na Bahia. Para mim, eles foram montados por uma contingência política, basicamente para receber uma patrulha mecanizada. Uma patrol, uma retroescavadeira, uma caçamba, é basicamente isso. Na verdade, é preciso uma grande mudança de cultura. Você muitas vezes precisa trabalhar em conjunto com seu vizinho, que muitas vezes pode ser seu adversário político. É preciso compreender essa lógica territorial. Por isso, para os consórcios terem sucesso é necessário refletir sobre a função deles. Se forem mecanismos puramente políticos, ou só para conseguir recursos específicos, eu não tenho fé que eles possam dar certo.
 
Como o senhor avalia as políticas de educação dos governos estadual e federal?
 
Eu vou partir de algumas constatações. O Brasil, sem dúvida, evoluiu na questão da educação. Hoje, as vagas são universais, há um sistema de financiamento, existe um esforço geral para que se avance na educação, mas tem um aspecto que empacou, que é a qualidade da educação. E tem um dado que me chama muito atenção. É aquele que diz sobre o percentual de alunos que aprendem matemática adequadamente até o final do ano letivo. Nosso índice em Licínio de Almeida é de 19%, que é muito baixo. Mas o índice brasileiro é 12%, e o da Bahia é 5%. Se nós fizermos uma avaliação desses índices de 2005 para cá, a qualidade não tem melhorado. O que faz alguns declararem que há ainda um apartheid no Brasil. O aluno da escola pública não tem a mesma oportunidade dos alunos de escolas particulares. Tem uma grande avaliação feita mundialmente sobre a qualidade das escolas do mundo, chamada Pisa. Em 65 países avaliados, o Brasil fica nos últimos lugares. Mas se forem colocadas apenas as escolas privadas brasileiras, o ranking do Brasil pula para as dez primeiras posições.
 

 
 
O que o senhor espera do governador, Rui Costa, para a educação do estado? O que ele tem de fazer que Wagner não fez?
 
Olha, está muito cedo para avaliar. Penso que o governador tomou algumas posições corajosas, como o enxugamento da máquina administrativa da Bahia. Ele tem também colocado no discurso a possibilidade de parceria do governo do estado com os municípios. Acho que ele precisa se aproximar dos municípios e fazer com que todo mundo possa ter um mínimo de roteiro. Por exemplo, tem uma coisa que parece óbvia, que é a questão dos dias letivos. Incrivelmente, grande parte dos municípios baianos não cumpre a quantidade de dias letivos exigidos pelo MEC. Alguns, de forma até absurda, chegam a cumprir metade dos dias letivos. É impossível que os alunos aprendam alguma coisa frequentando a metade dos dias letivos daquele ano. Se eu pudesse sugerir algo ao governador, iria propor um roteiro básico para os municípios.