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Entrevista

Camilo Aggio, Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Ufba

Por Marcos Maia

Camilo Aggio, Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Ufba
Foto: Marcos Maia / Bahia Notícias
Com tempo de TV e rádio menor, com um Fundo Partidário reduzido para bancar campanhas eleitorais e principalmente com a proibição de financiamento de campanhas por pessoa jurídica, o uso de redes sociais e plataformas digitais por candidatos deve ganhar ainda mais espaço nas próximas eleições. “Não existe a possibilidade hoje de uma campanha (seja ela no nível local, regional ou nacional) se não for levado em consideração a necessidade de marcar presença em ambientes digitais, que são cada vez mais diversos e plurais, ainda que exista determinada predominância de, digamos assim, relevância pública  de determinadas plataformas”, opina Camilo Aggio, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Em entrevista ao Bahia Notícias, Aggio também abordou temas como a microssegmentação do eleitorado e as características das campanhas eleitorais no contexto da comunicação digital.

A propaganda eleitoral pela internet será liberada a partir do próximo dia 16 de agosto. As alterações nas regras eleitorais provocaram, entre outras mudanças, uma redução no tempo de campanha e a proibição do financiamento eleitoral por pessoas jurídicas. Gostaria que o senhor analisasse o uso das redes sociais pelo marketing político até aqui, e qual papel o senhor acredita que essas fermentas terão nesse novo contexto?

Fazer uma análise do uso de redes sociais em campanhas até aqui significa divagar por muitos aspectos que o tempo da entrevista não me permitiria fazer. Mas o fato é que nós não temos um percurso linear a respeito de uma determinada tendência. Há diferenças muito grandes entre como as campanhas se apropriam no nível regional, local e nacional. Isso tem a ver com o aporte financeiro que essas campanhas têm a disposição. Mas a verdade é que se há um  elemento que se deva levar em consideração, e que ai sim existe uma continuidade, é justamente o fato de que 1º) A comunicação digital (principalmente a comunicação em redes digitais) tem si tornado cada vez mais importante no que diz respeito as discussões públicas que se dão efetivamente na esfera pública brasileira; 2º) Assim como em determinado momento da comunicação de massa (veículos tradicionais como televisão, rádio etc) teve um crescente muito grande na profissionalização daqueles agentes que trabalhavam para a formulação da imagem de determinado sujeito, adequação de discurso de campanhas gramáticas e linguagens televisivas, radiofônicas e etc. O mesmo a gente tem visto com a comunicação digital, com o uso da internet e de sites de rede social. Então, há um crescimento muito grande na profissionalização desses profissionais que trabalham com mineração de dados e monitoramento. Profissionais que trabalham com inteligência específica a respeito de como os ambientes digitais funcionam e podem ser empregados de uma maneira  eficaz pelas campanhas. Não existe a possibilidade hoje de uma campanha (seja ela no nível local, regional ou nacional) se não for levado em consideração a necessidade de marcar presença em ambientes digitais, que são cada vez mais diversos e plurais, ainda que exista determinada predominância de, digamos assim, relevância pública  de determinadas plataformas, a exemplo do Facebook, Twitter, Websites de campanhas etc. Não há possibilidade de hoje, assim como desde a década de 1950, por exemplo, de que candidatos a presidente não estivessem na televisão. Hoje, não existe a possibilidade de um candidato que realmente queira pleitear alguma possibilidade de se eleger não está na comunicação digital, não está nos sites de redes sociais. Eu acho que nesse momento não significa apenas ter presença. Significa o modo como você consegue estabelecer a sua presença. Quais estratégias você emprega, como você administra e gerencia a sua imagem. Qual o tipo de discurso, material, conteúdo, e para qual tipo de público você dirige determinado tipo de conteúdo? Qual o nível de, por exemplo, interatividade, participação e diálogo? Qual a possibilidade de diálogo você consegue ter com os cidadãos, com os eleitores? Qual a possibilidade de mobilizar determinados líderes de opinião?

O uso dessas ferramentas torna possível monitorar visualizações e comportamentos. Como essas informações são usadas para tornar o eleitor um militante daquela legenda, daquele candidato, daquele determinado discurso?
Nesse ponto eu acredito que não exista um novo desafio. Acho que o desafio de tornar alguém engajado em uma campanha é o mesmo desafio que atravessa séculos do jogo político partidário. Técnicas novas podem ser empregadas para atingir esse público, mas o convencimento em si, provocar um sentimento de pertencimento a um determinado projeto político representado por determinada campanha, determinada legenda ou coligação, vem de uma série de razões. Inclusive contextuais. Em um determinado momento, um sujeito decide se engajar em uma campanha porque ele tem um compromisso ideológico com determinado valor. Por outro lado, ele também pode se engajar em uma determinada campanha porque no momento em que você tem duas opções, como no segundo turno, uma te parece mais interessante que a outra. Ou pelo menos, te contemple muito mais em determinadas questões. No que diz respeito a peculiaridades técnicas específicas da comunicação digital, você tem canais diferentes para atingir esse público.  Então, a política de imagem continua sendo fundamental, como você estabelece uma aproximação do conteúdo produzido, aquilo que foi estabelecido como gramática e lógica na produção digital. A produção de memes, por exemplo, ou a produção de posts que estão veiculados a produção de determinado produto audiovisual, imagético e sonoro. Na comunicação digital, o que a gente tem que pensar fundamentalmente, diferentemente da comunicação nas campanhas tradicionais, digamos assim, é que nós temos sujeitos ligados em muitas e diferenciadas redes que se compõem. Algumas delas são permanentes, porque são fundamentalmente estabelecidas através de laços muito fortes, como a gente vê na sociologia, com muito capital social agregado (como a relação que você tem com seus amigos, familiares, determinado líder de opinião). Há determinadas redes que são formadas em razão de determinados tópicos de discussão na agenda pública. Determinada debate a cerca do aborto, por exemplo. Determinadas redes se compõem ali em torno do compartilhamento de determinadas informações, alguns seguidores que podem concordar em certos aspectos e divergir em outros. É nesse momento na verdade que tanto o monitoramento, quanto a mineração de dados, pode fazer com que você tenha aquilo que está se falando em campanha online: A possibilidade de você empregar técnicas de micro segmentação. E aí desculpe, eu posso está vendendo o peixe sem receber nada, mas o fato é que a última campanha de Barack Obama, diferente da primeira que se tornou um ícone, foi a grande novidade em termos de renovação tecnológica e micro segmentação de determinados públicos. Então, você produz determinado conteúdo e direciona certo endereçamento para grupos sociais muito abrangentes, baseados, por exemplo, em classificação etária, escolaridade e renda. Dentro da realidade dessas categorias, eu consigo verificar que existe um grupo abrangente e social enorme em torno de determinada faixa de renda. Ainda mais, que você tem microgrupos ali que compartilham determinadas agendas que determinado conteúdo serve muito mais para você atingir os seus objetivos do que outro. Assim, ao invés de construir um panfleto que contemple todas as suas propostas em relação a saúde, educação ou habitação, você sabe que uma pessoa, por exemplo, diferente de outra tem muito mais interesse na questão da educação que em questões ambientais. Para que diabos eu vou gastar meu tempo, conteúdo e esforços para produzir um determinado conteúdo e endereçar para esse indivíduo que não tem interesse  exatamente em habitação, mas em saúde? A campanha do Obama conseguiu fazer isso, inclusive em uma relação intermídia muito interessante.  Uma certa evolução tecnológica que já funciona em certas regiões norte-americanas, e que no Brasil ainda não chegou, proporciona ter acesso as informações de segmentos do eleitorado muito específicos baseado nas compras feitas pelo cartão de crédito, no tipo de fiação partidária, nos conteúdos curtidos e publicados no perfil pessoal do Facebook. Nas eleições americanas inclusive, a campanha de Obama venceu por causa da micro segmentação porque foi absolutamente apertado. Só para você ter uma ideia, eu sei que duas mulheres são vizinhas de porta, visitam sites de redes sociais como qualquer avenida ou área pública para discutir, conversar com amigos, para, enfim, expressar opiniões da mesma categoria social ao que diz respeito a faixa de renda e escolaridade. Elas também têm em comum o gosto por dieta de entretenimento. As duas assistem a “The Big Bang Theory”, que passa na terça-feira, às 20h, no Prime Time, vamos dizer. Eu tenho relações muito relevantes sobre essas duas pessoas no que diz respeito ao Swing State, que são aqueles estados indefinidos, nem republicano, nem democrata. São esses estados que decidem uma eleição. O que a campanha de Obama conseguiu fazer? Eles têm as informações de que uma dessas mulheres tem uma veiculação muito maior ao que diz respeito ao interesse na saúde, porque ela tem uma saúde mais fragilizada. Então, um determinado projeto de saúde de pode ser muito mais atrativo. Naquele momento, no mesmo horário, pessoas que assistiam ao mesmo programa, receberiam propagandas diferentes no horário comercial. Bom, claro que nós estamos aqui falando do High Technology, mas o que se pode notar? As possibilidades que essas campanhas todas tem de fazer uma comunicação direta com esses sujeitos é muito mais microssegmentada, e potencialmente muito mais eficiente. Coisa que você não pode fazer quando está lidando com um meio de comunicação massivo. Ele atinge uma quantidade muito abrangente de pessoas que não permite a possibilidade de provocar determinados discernimentos, uma quantidade maior pluralidade de conteúdos muito específicos direcionados a certos segmentos.

E como isso interfere nas ações políticas mais "corpo a corpo"?                                    
Acaba por ser um "corpo a corpo" só que muito mais sofisticado em termos informacionais. Porque uma coisa é um "corpo a corpo" que, por exemplo, políticos fazem por tradição de sair às ruas, apertar a mão de um, abraçar outro, dizer que houve a reivindicação daquele sujeito. No final das contas, a grande verdade é que grande parte do que se chama de "corpo a corpo" hoje se estabelece muito mais como uma possibilidade de você criar boas imagens para inserir nas propagandas televisivas. Principalmente no que diz respeito à criação de uma determinada aura de que o povo está acolhendo todos eles. A julgar pelas propagandas do horário gratuito eleitoral, todos os candidatos são amados pelo povo, e nós sabemos que acontece justamente o inverso. Então, não há genuinamente um esforço de no "corpo a corpo" convencer o sujeito a votar nele. Eu acho que é mais sobre a criação de determinado evento político que tem sua relevância, ritualística inclusive. Mas a verdade é que não existe, pelo menos não naquele momento, a possibilidade daquele evento servir para aquele outro se aproxime do sujeito, e contemple suas reivindicações a partir da oferta de determinadas preposições. Isso é muito diferente na comunicação digital porque ela pode ser síncrona, mas ela é essencialmente assíncrona no que diz respeito ao momento no qual você emprega determinadas estratégias de comunicação. Ela pode ser tanto veiculada ao marketing como aplicada ao mercado. Então, esses grupos podem ser identificados, e tomar conhecimento a respeito de um determinado conteúdo que os atinge diretamente nas suas preocupações prioritárias. Essa é a grande diferença da comunicação digital. E quando você pensa que a comunicação digital se dá basicamente a partir de uma estrutura de rede, isso significa que aquele sujeito que defende uma determinada agenda, certamente tem em torno da sua rede, pessoas que pensam mais ou menos parecido. Essas pessoas podem, inclusive, serem influenciadas por ele no momento no qual é convencido e influenciado por uma campanha. Isso vai provocar uma reação em cadeia de como esses conteúdos começam a trafegar dessas redes, tanto as estáveis (que são estabelecidas através de laços fortes) como aquelas que são voláteis (estabelecidas a partir de laços fracos).

Os sites de redes sociais podem ser um instrumento para apresentar propostas, biografia e atacar adversários, desconstruir propostas e até reputações. Qual dessas estratégias são mais comuns, e qual seria na sua opinião a melhor maneira de usar esse instrumento? Existem especificidades para municípios maiores ou menores?
A minha impressão, com certa base de sustentação empírica, é que não há uma diferença baseada no critério de escala. Você sabe de uma forma bem geral que campanhas negativas tendem a ser um empreendimento muito ariscado. O sujeito que ataca demais vê que aquele efeito que ele imagina exercer sob a opinião do eleitorado acaba se invertendo e atingindo ele próprio. Mais ou menos assim que se estabelece a literatura toda que trata de campanhas negativas. Há a necessidade de fazer determinadas distinções para que você não crie uma certa romantizarão a respeito desse expediente. Depende de como a campanha negativa é construída. Ao que diz respeito ao seu teor critico ela é fundamental, pois você não pode esperar de uma campanha que ela faça uma autocrítica. Então, suas deficiências, problemas em uma determinada biografia de um determinado candidato são apontadas ou pelo jornalismo ou pelos adversários. Claro que aqui há determinados parâmetros éticos que devem ser estabelecidos. Na verdade, as campanhas negativas acabam muito mais servindo para você destruir determinadas reputações. Mas basicamente, é importante fazer uma distinção sobre achar que campanha negativa é uma coisa que deve ser extinta, e que a política deveria sobreviver sem seu caráter fundamental de disputa, dessa possibilidade de você poder apontar as fragilidades na campanha do adversário. Bom, mas no que diz respeito a campanhas negativas com alto teor de detração, o que se verifica, pelo menos no meu estudo, na minha tese de doutorado, quando eu analisei portanto alguns tantos Tweets feitos durante a campanha dos três principais candidatos da república em 2010,  Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva utilizaram parcamente o expediente da campanha negativa. Eles eram profundamente autorreferentes, utilizando o Twitter para se comunicar diretamente com outros eleitores, jornalista, apoiadores, coligados. Por outro lado, a grande maioria das mensagens classificadas como campanha negativa foram as que mais atraíram retweetes dos eleitores, portanto seguidores deles. Então me parece que as pessoas tendem a endossar muito mais, talvez, uma determinada mensagem que demonstre as diferenças, ou a fragilidade do adversário que exatamente alguma outra categoria de mensagem como projetos, agenda ou mensagens voltadas para engajamento e mobilização. As campanhas tomam muito cuidado em relação ao expediente da campanha negativa porque ele é muito ariscado. Tome por exemplo a disputa no primeiro turno, ainda de 2010, entre Dilma Rousseff e José Serra. O teor da campanha negativa ali foi muito grande. Inclusive, ambos entraram na disputa para ver quem era mais conservador. Inclusive na discussão em torno do aborto, do ateísmo (ou não) de Dilma e Serra. Na verdade, houve uma disputa ali pela medição de quem ali era mais devoto, mais religioso. Isso explica de alguma maneira uma certa saturação nessa disputa que fez com que Marina Silva ganhasse muitos votos.  Se não me engano, Marina Silva ainda sustenta o recorde de terceira colocada com o maior número de votos até hoje desde a redemocratização. Então, o expediente da campanha negativa deve ser levado em consideração do ponto de vista estratégico que sempre predominou as estratégias de campanha. É muito arriscado, mas em determinado momento é fundamental. Claro que o desejo normativo da coisa é que isso funcionasse sob determinados parâmetros éticos no sentido de que a campanha ao invés de detratar por detratar o seu adversário, colocasse determinados argumentos e demonstrações a respeito daquilo que ele está argumentando, e porque exatamente aquilo é diferente da sua proposta, da sua posição. Acho que nas campanhas online é mais ou menos assim que está acontecendo. Pelo que eu conheço de algumas pesquisas empíricas isso é uma tendência quase que geral. Uma outra coisa que eu achei que você fosse perguntar com relação aos websites. Eles continuam sendo fundamentais como depositário de informações que têm sido utilizados como material complementar, ou suplementar, a comunicação desenvolvida em sites de redes sociais. É fundamental que se estabeleça não somente os sites de redes sociais, mas que os candidatos, as campanhas, de uma forma geral, pensem na verdade no quão fundamental e útil é a manutenção de um website institucional que funcione como um repositório de informações.
 
Por último eu gostaria de perguntar sobre as questões que envolvem restrições legais que acabaram sendo criadas, como a exemplo da chamada pré-campanha. Quais as principal dificuldade do profissional de comunicação neste momento de inovações legislativas e das incertezas que essas mudanças trazem?
Por isso que quase todas as campanhas tem uma assessoria jurídica. Tem hora, e quem já trabalhou em campanha sabe disso, que uma determinada infração é feita involuntariamente, e só é detectada posteriormente. Mas no que diz respeito à pré-campanha, especificamente, o cuidado que se deve ter é com a retórica. A legislação, inclusive, determina aquilo que é campanha antecipada basicamente a partir de determinadas expressões que são utilizadas, e uma daquelas diz respeito a pedir votos. Você não pode pedir votos, não pode declarar em determinado momento que é candidato. Eu digo isso porque desde 2010, quando todo e qualquer recurso para além do websites foi liberado pela legislação, que todos os candidatos fizeram pré-campanha, falando de política como fazem em qualquer período que não seja o eleitoral. Isso funciona como pré-campanha no final das contas. Portanto, significa usar esses sites de redes sociais, essas plataformas todas para tomar uma determinada posição na esfera pública, dialogar com os eleitores, para esclarecer seu posicionamento a respeito de determinadas questões e agendas nas pautas públicas. Então eu imagino que o maior desafio no que diz respeito a essas inseguranças jurídicas seja justamente que, pelo menos ao que diz respeito à pré-campanha, você trate um pré-candidato, ou um candidato já estabelecido formalmente, como um líder político. Um indivíduo com certa relevância pública ao que diz respeito à discussão pública.