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Entrevista

Ena Vilma Negromonte, prefeita de Glória, no Sertão do São Francisco

Por Francis Juliano

Ena Vilma Negromonte, prefeita de Glória, no Sertão do São Francisco
Foto: Reprodução
Prefeita da cidade com população mais prejudicada pela seca no Sertão do São Francisco, Ena Vilma Negromonte, gestora de Glória, só apela agora para forças sobrenaturais. De acordo com dados da gestão, 76,2% da população local foi afetada com a estiagem, que já vai para o quarto ano consecutivo. Na quinta-feira (15), um decreto do governo estadual listou 15 cidades – entre elas, Glória – em situação de emergência devido à seca. Em entrevista ao Bahia Notícias, Ena Negromonte, que também é esposa do conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), Mário Negromonte, afirmou que adutoras e poços artesanais, construídos durante administração dela, não conseguiram suprir a demanda. “Hoje, a nossa situação está cada dia pior, porque a gente fez tudo, mas Deus não mandou a água”, disse ao enfatizar o elemento divino, argumento histórico de gestores nordestinos quando o problema é enfrentar a seca. Veja abaixo a entrevista na íntegra.
 

Foto: Reprodução/Blog do Marcos Frahm
 
Na semana passada, um decreto pôs em situação de emergência 15 cidades do Vale do São Francisco. Glória, segundo dados da prefeitura, tem a maior população afetada, com 76,2% dos habitantes prejudicados. O que a gestão da senhora tem feito para amenizar a situação da cidade?
A nossa cadeira produtiva é basicamente de caprinos e ovinos, além de agricultura irrigada, piscicultura [peixes] e apicultura [abelhas]. Desde que nós entramos, temos trabalhado para dar melhores condições aos trabalhadores. Nós fizemos 11 barragens, com limpezas delas. O governo Jaques Wagner fez duas adutoras. Uma atende a dez povoados, e a outra serve à região da Baixa das Pedras, que por sinal nós abastecíamos a região em um mini-sistema de poço artesiano e carro pipa. Hoje, a nossa situação está cada dia pior, porque a gente fez tudo, mas Deus não mandou a água. 
 
A senhora associa o problema da estiagem a Deus?
Não. Nós nos preparamos. Caso a chuva viesse, a gente ia poder encher as barragens e servir ao abastecimento da produção agropecuária.
 
Há quanto tempo a cidade sofre com esta seca mais severa?
Há coisa de quatro anos. Para se ter ideia, nós temos hoje aproximadamente cinco mil agricultores familiares. Desses, três mil não estão na área do Rio São Francisco. Eles ficam em terras onde o sol é escaldante. Sem falar que tem uma área de Glória que fica no Raso da Catarina [um dos locais mais secos do estado]. Com esses pequenos agricultores, nós ajudamos dando carros pipa para que eles mantenham o rebanho que é basicamente composto de caprinos e ovinos.  
 
No final de março deste ano, o governador Rui Costa anunciou a recuperação de poços subterrâneos de dessalinização no estado. Santa Brígida, que fica perto de Glória, foi beneficiada. Em Glória houve iniciativas como essa?
No período que estou aqui, nós construímos, além dos poços artesianos existentes, mais dez poços no município de Glória. Olha, eu estou muito preocupada porque a gente não sabe realmente a vazão desses poços, sendo que dois dele, que são grandes, já secaram. E isso está ocorrendo no Nordeste inteiro. Por que se não chove, de onde vai chegar a água? Nesse momento, eu não sei qual a atitude que o governo vai ter. Em 2014, nós tivemos ajuda do governo com as adutoras, porque os poços viviam quebrando direto. O município de Glória recebeu no ano passado 297 toneladas de milhos subsidiadas pelo governo federal via Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] para os criadores. Eles tiveram pelo menos alimento para os rebanhos, e eu dava água através de carros pipa. Outra ação foi do Garantia Safra [ação federal para agricultura familiar], que foi extremamente importante para os agricultores. Ano passado, 870 famílias foram beneficiadas. Cada família recebia R$ 860, divididos em cinco vezes. Esse ano, nós tivemos cadastradas 927 famílias no Garantia Safra. Agora, dizer o que vai acontecer daqui para frente neste momento, eu não sei. 
 

Prefeita com governador Rui Costa/Foto: Reprodução/Prefeitura de Glória
 
O presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo, esteve em Salvador no mês passado e disse que é preciso economizar água ao máximo, principalmente pelo agravamento do El Niño [fenômeno climático]. Segundo eles, os produtores precisam se responsabilizar mais contra o desperdício. Em Glória, há essa consciência por parte dos produtores?
Olha, tem que ter essa consciência, e eles têm. Eu falo a eles que não é possível dar carro pipa para uma pessoa e digo: “olha, eu não tenho mais dinheiro”. Eles são conscientes disso. Eu ajudo para que eles se fixem na região deles. 
 
Então, a senhora não tem perspectiva de futuro para solucionar o problema da estiagem?
Eu acredito em Deus. Eu acho que a gente tem que acreditar sempre nele porque se chover boas trovoadas aí com certeza, nós ficaremos mais tranquilos.
 
A senhora não acredita que esse problema da seca é sempre colocado para debaixo do tapete? A impressão é que não há investimento em inovação, tecnologia e ciência. Por isso, as regiões não conseguem suportar períodos mais severos de estiagem como esse e acabam dependendo de algo divino.
Na verdade, eu sempre digo que a gente não pode ficar esperando pelo céu. É tanto que a tecnologia esta aí, nós conseguimos com muita luta duas adutoras para o nosso município, fizemos o possível. Nós mudamos todo o nosso sistema de abastecimento. Agora, nós prefeitos temos limitações e dependemos muito dos governos estadual e federal. O problema é que essa estiagem está demorando demais. Já está no quarto ano e já secou tudo, praticamente.

Estiagem severa ocorre há pelo menos 4 anos/Foto: Pinheirinho Net
 
Há risco de colapso no abastecimento de água?
Não. De jeito nenhum. Nós temos duas adutoras, a cidade conta com a Embasa, por isso não há risco de chegar a esta situação. 
 
Como é que vocês estão avaliando a gestão de Rui Costa para a região do Vale do São Francisco?
Eu tenho muita esperança em Rui. Acredito muito nele, mas acho que ele, como a gente, está enfrentando essa situação que o país vive. Eu tenho certeza que ele vai nos ajudar. O problema que a gente passa é o mesmo de todos os municípios do sertão. Eu acredito em Deus e nos homens de boa vontade.