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Mulheres baianas lutam na Justiça por direito dos filhos; mediação é o melhor caminho

Por Cláudia Cardozo

Mulheres baianas lutam na Justiça por direito dos filhos; mediação é o melhor caminho
Foto: Buenas Imagens

Maria* viveu 16 anos com o pai de seus dois filhos. Após o longo período juntos, decidiu se separar. O então companheiro maravilhoso, pai presente e zeloso, se transformou em uma figura desconhecida e omissa, que deixou de ajudar com o sustento dos filhos. Paula* teve um relacionamento rápido com o pai de sua filha. Durante a gravidez, ele dizia que queria muito ser pai e que, quando a menina nascesse, seria um pai presente. A menina nasceu, e, já com um ano e meio, só recebeu a visita dele quatro vezes, e recebeu apenas cinco meses de pensão alimentícia. Meg* teve duas filhas com seu ex-marido. Desde o casamento, já vivenciava situações difíceis. Ao se separar, viu o pai das meninas sendo negligente, deixando de ajudar financeiramente com o sustento das duas pequenas. As histórias das três mulheres são parecidas com de tantas outras, e acontecem com muita frequência ao nosso redor. Você leitor, deve conhecer casos parecidos. Mas neste dia das mães, o Bahia Notícias vai contar histórias de mulheres que lutam na Justiça para garantir o direito dos filhos. Cada uma das 14 varas de família de Salvador tem, em média, quatro mil processos, totalizando quase 164 mil casos. Boa parte deles são por pensões alimentícias.

Maria, após 16 anos de relacionamento, se separou por não haver mais amor. Antes de decidir pela separação definitiva, analisou a possibilidade por dois anos. Quando anunciou o divórcio, houve mal entendimento na família. Os dois filhos, na época, estavam com cinco e três anos. “O cara que era o marido maravilhoso, não era tão maravilhoso assim”, diz. Ela levou seis meses para ingressar com uma ação judicial para garantir a pensão dos filhos. O ex ficou dois anos sem pagar o benefício para as crianças. Desde que ingressou com a ação, ela o alertava sobre os riscos da negligência. Segundo Maria, ele tentou usar a situação para atingi-la, porque “foi ela quem quis a separação”. Ela avisou a ele e a família do risco de prisão, caso não pagasse a pensão. Mas foi em vão. “Um dia, ele ‘recebeu a galinha pulando’”. O ex-marido recebeu a intimação e foi conduzido pela polícia até a delegacia. “Ele me ligou louco, dizendo que o que eu tinha feito, que ele não era homem para isso. Eu disse: ‘eu te avisei. Não precisava nem te avisar, porque você sabia disso’”, lembra. No ato, o pai ficou sem o celular, em uma sala da delegacia, até que o depósito de R$ 20 mil, referente aos meses de pensão em atraso, fosse realizado. A família dele levantou o recurso para garantir a saída. Para Maria, todo o constrangimento gerado com a condução à delegacia foi desnecessário, por ter sido uma coisa avisada e sabida por todos, inclusive, acordado por ele em audiência, perante um juiz.

“Eu me senti muito mal, péssima. [Ele] Disse que ia ter que pagar ele, devolver o dinheiro. Eu cheguei a dizer que devolveria, acredita nisso? Eu, esclarecida, entendida? Era um mal-estar tão grande...depois, eu fui acalmando, botando as ideias no lugar. A situação é tão pesada que a gente ainda se sente culpada. Era como se eu tivesse feito um mal a ele, e não o inverso. Ele passou essa versão para todo mundo”, avalia. Após a condução, por três mêses seguintes, pagou a pensão em dia. Mas depois, voltou a dever, sendo necessário que ela fizesse cobranças mensais, dando recado via familiares, pois eles já não se falavam mais. Em alguns momentos, ele chegou a falar para mandar prender ele de novo. Outra situação, segundo Maria, 

é que o pai ainda ameaçava torna-la vilã para os filhos, falando que “a mãe mandou prender o pai”.  “Ele achava que depositando a pensão na conta, eu iria usar o dinheiro todo para mim. Ele queria prestação de contas de tudo. Minha filha teve catapora. Tive que comprar remédios. Não é possível ficar prestando conta de tudo, toda hora. O valor não cobre tudo. Você entra em um mercado só para comprar merenda, e gasta R$ 100, sem querer”, conta. Depois de um tempo, acordaram que ele pagaria a escola, material escolar e plano de saúde, por ser equivalente ao valor da pensão. “Já é um respirar, pois garante a educação, que é primordial. Eu custeio alimentação, roupas, coisas assim”, afirma. O pai vê os filhos duas vezes por ano, por morar em uma cidade distante de Salvador. Às vezes, liga, chora, diz que sente falta dos filhos, mas segundo Maria, ele não se esforça para ver as crianças em outros feriados, ou até mesmo em ligar para conversar com os pequenos.  “Às vezes, eu ligo, e passo para os meninos, como se fosse ele quem tivesse ligado: ‘oh, papai está ligando para vocês’, porque eu sei que isso é importante para eles”, diz.

 

Paula, que teve um relacionamento breve com o pai de sua menina, diz que evitou discutir como seria o pagamento de pensão durante a gravidez para não se indispor e focar na saúde e bem-estar da criança. Quando a menina nasceu, foi feito um exame de DNA que certificou a paternidade. “Com a confirmação, ele garantiu que iria pagar a pensão, que queria ser um pai presente, participativo. Eu fui esperando para ver no que ia dar. A primeira pensão foi paga quando ela já tinha três meses de vida. Nisso, eu percebi que ele não ia arcar com as responsabilidades dele”, conta. “Ela tem 18 meses. Desses, ele só pagou 5 pensões. Tem 13 pensões atrasadas. E só viu a filha 4 vezes, sendo que uma vez foi no dia do DNA e outra no dia de registrar. Nas outras duas vezes, foi quando ele foi em minha casa para fazer um acordo verbal de pensão, que ele não cumpriu”, afirma. Ele ainda propôs que morassem juntos, para condicionar a relação de pai e filha, em outra cidade. “Eu recusei. Eu sabia que não ia dar certo, porque eu já tenho minha vida em Salvador, uma história, trabalho, uma rede de apoio e amizade, e não fazia sentido mudar de cidade para que ele tivesse uma relação de pai com a filha. Além disso, ele morava em uma cidade pequena, que não tem infraestrutura, com estradas, postos de saúde, para quem tem criança pequena”, pontua. “Sempre deixei claro que ele seria o pai que ele quisesse ser, para que ele exercesse o papel de pai. Mas desisti de correr atrás dele para ser pai dela. Não adianta querer forçar uma relação afetiva de alguém que não está a fim. Ele demonstra que não quer nenhum contato afetivo com ela, apesar de me dizer o contrário”, lamenta. Segundo Paula, o homem tem dupla cidadania e, em fevereiro deste ano, ele se mudou para o Chile para não ser preso por dever pensão alimentícia. “Se ele quisesse ter algum vínculo com a filha, ele estaria aqui”, assevera. Diante da omissão, Paula pediu a guarda definitiva da menina. Mas ele negou, e ainda ameaçou. Disse que se pegasse a filha, ela nunca mais a veria. Dias depois, se mudou para o Chile. O pedido da guarda foi feito pela advogada, uma amiga de Paula, que atualmente a representa perante a Justiça, sem custos para ela. Mas a resposta foi feita no Facebook dela, de forma grosseira. “Ele me respondeu achando que os quase R$ 2 mil que havia pago tivesse quitado as 12 pensões atrasadas”. O valor da pensão acordado era R$ 500 por mês. Depois que ajuizou a ação, a verdade sobre quem ele era começou a aparecer. A própria mãe do pai da menina revelou a Paula que ele já havia violentado ex-companheiras, inclusive, quebrando o nariz de uma. A pensão fixada não cobre metade dos custos que Paula tem com a filha, como creche, fraldas, alimentação, sem contar o plano de saúde. Desde o início do processo, a Justiça encontra dificuldades para intimá-lo. Isso porque, em um intervalo de um ano, o pai da menina mudou quatro vezes de estado, saindo da Bahia, indo para São Paulo, para o Rio, e depois, Bahia de novo. “Quando ela completou um ano, ele disse que viria a Salvador para a festinha. No dia do aniversário dela, disse que não poderia vir, porque estava sem dinheiro. Mas três dias depois, ele estava viajando com a namorada”, reclama.
 
Meg afirma que tem que cobrir 100% dos gastos das duas filhas, uma de quase 3 anos e a outra de apenas seis meses. Ela reclama que o ex-companheiro não fixa em nenhum emprego desde que estão juntos, que não fica com a carteira assinada em um lugar por mais de seis meses. “Enquanto está empregado, contribui com pequenas coisas, com uma caixa de leite, com biscoito, que juntando, não é 50% do que eu arco. Quando sai do emprego, não contribui mesmo. Só de leite, são R$ 250 por mês”, afirma. “Como ele nunca tem dinheiro, mandei ele vender as roupas, os tênis, os bonés para comprar o leite das filhas”, diz. A gota d’água que motivou ela a procurar à Justiça foi quando ele a chamou de “problemática”. “Ele não tem R$ 50 para as filhas, mas tem calça nova, blusa nova, boné novo. Jamais que ele vai andar 'mulambento' na rua”, reclama. Eles se separaram em abril de 2016, mas ela esperou um ano para buscar o Balcão de Justiça e Cidadania, mantido pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Segundo Meg, o pai das filhas, com o conciliador, parecia ser um pai responsável. “Ele é aquele tipo de pessoa que, se você conversar com ele por 10 minutos, vai achar que é a melhor pessoa do mundo, porque ele tem esse poder. Foi assim que ele me ganhou, é assim que ele conquista as pessoas”, avalia, completando que o genitor chega a ficar 15 dias sem ver as meninas, mesmo morando na mesma cidade. Na mediação, ficou acordado que o pai pagará R$ 250 para ajudar na alimentação das duas filhas, com ou sem emprego. O valor não é metade dos gastos com alimentação, tendo em vista que uma precisa de uma dieta específica, por ser intolerante a lactose. O resto, como água, luz, aluguel, roupa, fralda, babá, e saúde, deverá sair do bolso de Meg, que trabalha de segunda a sábado, das 8h às 18h, e ainda faz freelancer como fotógrafa nos finais de semana. E as meninas ainda não estão em idade escolar.

A advogada Mariana Regis, do coletivo Helenas, formado por advogadas e psicólogas feministas para atender somente mulheres, recomenda que todas, na medida do possível, optem pela mediação para chegar a um acordo com os progenitores. A mediação, segundo ela, é uma forma de se chegar a solução de um conflito através do diálogo, pois, se o pai não se sensibiliza com a situação da criança, o acordo pode ser frustrado. “A mediação é um instituto revolucionário, gera conscientização. As pessoas juntas escrevem o acordo. A mediação no campo da família é o que mais toca os pais. 90% dos acordos feitos assim são cumpridos”, destaca. Quando a mulher sai de um relacionamento abusivo, com agressões físicas e até estupro, outras medidas são tomadas. Mas quando o abuso é mais psicológico, a mediação é capaz de ajudar a reconstruir laços para o bem do menor interessado. “É mais humano o tratamento da mediação. Preserva muito a liberdade, autonomia da vontade, que é essencial. Quando o acordo é fruto de conversa, é mais efetivo. Tem outro nível de comprometimento”, sintetiza. A mediação tem um tempo limitado e sessões para acontecer. Caso não haja entendimento entre as partes, segue-se para uma ação judicial. “O processo judicial é desgastante. A estrutura do Judiciário não é convidativa. A questão financeira é seletiva. Só acessa o Judiciário quem tem dinheiro. Quem não tem, procura a Defensoria, que leva uma vida para atender. O prazo para dar entrada em ação de alimentos é quase dois meses” critica Mariana, reconhecendo que o problema é por falta defensores, e que a instituição presta um bom serviço. A advogada diz que, para muitas mulheres, é delicado pedir dispensa no trabalho para pegar uma senha de atendimento na Defensoria, saindo de casa, muitas vezes, de madrugada. Ela ressalta que os acordos feitos nas mediações, como no Balcão de Justiça, têm valor legal, e, caso não seja cumprido, pode ser executado imediatamente. E uma das execuções é a temida prisão. “No geral, o homem acha que o dinheiro vai para mulher. Mas depende da classe social. Eu tenho visto os homens dando tão pouco que não dá nem para pensar que a mulher está usando para ela. É uma falta de consciência de dever e cuidado. Eles não se dão conta do quanto isso é errado, do quanto isso é injusto. Eles são muito individualizados - para não dizer egoístas. Eles conseguem separar a vida deles, a felicidade deles, da vida dos filhos. A mãe não fica em paz se o filho não está bem. O pai, muitos - sem querer ser injusta -, ficam tranquilos, e sempre acham que a mãe vai dar um jeito”, analisa. Para ela, isso tudo, é “resquício do machismo”.


Foto: Divulgação

A defensora pública Tatiana Ferraz vai na mesma linha de Mariana e defende a mediação. “Muitas vezes, o casal está tão desgastado que não conseguem ter diálogos entre si. Tanto que, hoje, se investe mais na conciliação, que é para o parceiro ajudar a encontrar a solução. Em um processo do consumidor, acabou o processo, cada um vai para seu canto. Nos casos de família, não. Aquelas partes, depois da audiência, não verão mais o juiz, o promotor, o defensor, mas vão continuar se vendo por terem um filho em comum. Por isso, é importante a gente restabelecer o diálogo”, pondera. Sem acordo, a Defensoria ingressa com uma ação para pensão alimentícia. “Não existe nenhum percentual da pensão. A lei diz que tem que obedecer um binômio que é necessidade x possibilidade. É preciso avaliar a necessidade de quem pede e a possibilidade de quem paga. Mas não existe um percentual fixo”, esclarece. Ela diz que, com emprego ou sem emprego, é preciso custear as despesas dos filhos. “Não existe não pagar porque está desempregado. Quando não está trabalhando, se coloca um valor mais baixo. Mas quando ele retorna a trabalhar, se entra com pedido revisão para aumentar”, reforça. Quando o pai não paga, é feita a execução, que pode ser a penhora de bens e até a prisão. “Mas a pessoa não é presa imediatamente. Ela é intimada a pagar em três dias, ou justificar, apresentar a defesa. O juízo, junto com o promotor, vai ver se procede ou não a prisão”, explica. “Prender por quê? Prender por prender? É um instrumento para a pessoa ver que a Justiça é algo sério”, completa. Para fazer a intimação do pai, é preciso ter o mínimo de dados possíveis, como nome. O juiz pode pesquisar em sistemas próprios o endereço do progenitor que, às vezes, se esconde da Justiça. Sobre a guarda compartilhada, a defensora diz que os pais, muitas vezes, pedem isso, mas nem sabem como funciona. “A guarda compartilhada não é só um papel. É participar efetivamente da vida do filho. É ser pai mesmo, pegar na escola, fazer dever de casa, deixar na escola no outro dia, levar ao médico. É diferente de um pai de final de semana”, frisa.

Tatiana Ferraz diz que presencia muitas mães cansadas da briga judicial, por motivos diversos, como ter que sempre pedir dispensa aos patrões para ir às audiências, até pelo pai “furão” que não comparece à audiência. “Elas podem estar cansadas, mas não desistem”, diz. Meg diz que já passou da fase de se sentir cansada, de acreditar que a situação vai mudar. “Eu vou ter que brigar o resto da minha vida por minhas filhas. Eu não vou desistir. É isso que acontece. As mulheres cansam, abandonam os processos, e eles ficam na impunidade”. Paula diz não ter mais esperanças que o pai de sua filha vai ter alguma responsabilidade com a menina. “Hoje, eu não estou mais tão cansada, porque, de certa forma, eu já fiz o que podia para que minha filha tivesse um relacionamento com o pai dela. Eu não posso ficar ligando para o pai cobrando que veja a filha. Por muito tempo, eu estive cansada por ter que administrar, ter que buscar uma conciliação, de medir minhas palavras para não ser mal interpretada, de respirar 54 milhões de vezes para não tomar uma atitude drástica, que poderia ferir minha filha no futuro. Quando ela tiver idade para me perguntar porque o pai não esteve presente na vida dela durante o tempo, vou poder mostrar todas as conversas que estão registradas, para dizer que ele prometeu, mas não cumpriu”, conta. Já Maria dá um conselho para quem passa pela mesma situação. “É preciso ter muita força, resiliência mesmo. Quando eu tomei a decisão, muita gente me chamou de maluca, questionando o que tinha acontecido. Eu era muito julgada. Eu tive a minha postura. Ele me pediu para morarmos na mesma casa, em quartos separados. Mas eu não concordei, porque não havia mais relação conjugal, e porque meus filhos estavam começando a crescer e já estavam começando a entender as coisas. Eu não queria que eles crescessem em um lar de brigas, de falta de amor. Eu acredito no amor, na felicidade. Acredito que a gente deve lutar pelo que a gente quer, e principalmente, e saber o que a gente não quer. Eu não queria aquilo para mim”, finaliza.