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‘É preciso dar dignidade aos presos’, diz juiz que fez primeira audiência de custódia na BA

Por Bruno Luiz

‘É preciso dar dignidade aos presos’, diz juiz que fez primeira audiência de custódia na BA
Foto: Bruno Luiz / Bahia Notícias
As cenas de barbárie acompanhadas pelos brasileiros dentro dos presídios, nas últimas semanas, chocaram. O horror dos massacres que deixaram dezenas de mortos em penitenciárias fez a população assistir a tudo com certa perplexidade, mas também detonou uma crise carcerária que obrigou setores da sociedade a refletirem se não chegou o momento de repensar o sistema prisional do país. Entre as razões apontadas para a situação de superpopulação carcerária enfrentada no país – são mais de 646,8 mil detentos para 394.311 vagas, de acordo com dados do sistema Geopresídios, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – está a quantidade de presos provisórios nos estabelecimentos prisionais. Os números do CNJ apontam que 243.488 pessoas estão encarceradas atualmente sem julgamento, parcela significativa da população carcerária brasileira, o que contribui para acentuar ainda mais o inchaço populacional destes locais. Na Bahia, a situação não é diferente. A nível nacional, o estado é vice-campeão no número de presos provisórios aguardando julgamento nas penitenciárias. São 10.040 detentos neste regime prisional, em um universo de 16.021 presos, número que representa 62,88% do contingente que superlota as cadeias baianas. Na tentativa de modificar esta situação, surge em 2013, na Bahia, o Núcleo de Prisão em Flagrantes. Com o objetivo de ser uma espécie de filtro para definir quem deveria ser mantido preso ou poderia esperar o julgamento em liberdade nos casos de prisão em flagrante, o núcleo foi uma espécie de embrião das audiências de custódia, iniciativa implantada, a partir de 2015, pelo CNJ nos Tribunais de Justiça do país. Pioneiro na realização da primeira audiência no estado e também na implantação do Núcleo, o juiz Antônio Faiçal, coordenador do atual Núcleo de Prisão em Flagrante e Audiência de Custódia do TJ-BA, conta que o órgão surgiu para dar fim a uma “sistemática um pouco cruel de análise do flagrante”. “O sujeito era preso na rua, levado pela delegacia, na delegacia se formalizava um auto de prisão em flagrante, o sujeito continuava preso e o papel vinha aqui para o Judiciário. O juiz, em meio a tantas coisas, analisava esse flagrante, se não era caso de relaxamento do flagrante, quando a prisão é ilegal, ele ia ouvir o MP, o MP mandava um parecer pela manutenção ou não da prisão e, se fosse o caso, ouvia a Defensoria Pública ou advogado privado. Depois, ele decidia. Se fosse para soltar a pessoa, expedia um alvará de soltura, um oficial de Justiça pegava o alvará e ia cumprir isso”, relata Faiçal em entrevista ao Bahia Notícias. Com as audiências de custódia, a situação mudou. O processo de colocar o preso frente a frente com o juiz, em uma audiência com participação de representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado, surtiu efeito. A análise dos flagrantes, que antes levava uma média de sete de dias, passou a ser realizada em, no máximo, dois dias. Foi o início do que Faiçal classifica como “humanização” no trato com o preso. “Aquilo foi um embrião para sistematizar o processo, para ele andar mais rápido, mas também o início de uma humanização desse trato com o conduzido”, diz. Dois anos depois do início das atividades no Núcleo, o TJ-BA assinaria com o CNJ, em 28 de agosto de 2015, o termo de adesão às audiências de custódia. Uma iniciativa gestada na Bahia havia se espalhado pelo país. Atualmente, o núcleo, que antes funcionava no Conjunto Penal da Mata Escura, está sediado na Central de Flagrantes, no bairro do Iguatemi.


Antônio Faiçal | Foto: Estela Marques / Bahia Notícias

Segundo o juiz, no órgão, são realizados cerca de 100 atos mensais. Entre 1º de setembro de 2015 e 31 de agosto de 2016, primeiro ano das audiências de custódia em Salvador, passaram pelo núcleo 3.331 pessoas. Entre elas, 1.250 continuaram presas, um percentual de 37,5% de manutenções de detenções. O dado mostra, segundo o juiz, que a Justiça tem enviado para o sistema carcerário apenas quem não tem condições de responder o processo em liberdade. O perfil dos presos provisórios é composto por 95% de homens e 5% de mulheres. De acordo com Faiçal, a “imensa maioria” tem entre 18 e 21 anos, enquanto um “grande percentual” possui entre 21 e 25 anos. A maior parte delas foram presas por furto, roubo, porte de armas, tráfico de entorpecentes e enquadrados na Lei Maria da Penha. Nesta massa de detentos provisórios, muitos também foram levados à cadeia por estelionato e outros crimes considerados mais difíceis de situação de flagrante, como estupro e homicídio. Grande parte delas também é pobre e negra. O coordenador do núcleo também rebate as declarações de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA) e Pastoral Carcerária de que as audiências de custódia estão com implantação lenta no estado. De acordo com ele, existe uma “resistência operacional”, que impede uma maior celeridade neste processo. “A gente precisa contextualizar. O tipo de acerto que nós tínhamos aqui em Salvador, antes mesmo de oficializar as audiências de custódia, facilitou a gente ter a estrutura que temos hoje. É óbvio que é essencial expandir isto para todo o estado, mas ainda sofre algumas resistências. Não de resistência ideológica dos magistrados, mas uma resistência operacional”, pondera. “Temos muitas varas criminais, muitas cidades pequenas, às vezes desprovidas de juízes e defensores públicos. Essa resistência operacional precisa ser vencida. Quando isso acontecer, teremos um ambiente muito mais propício para as audiências de custódia. Infelizmente, a solução não é em um estalar de dedos”, afirma. As audiências, além de sofrerem com a resistência da sociedade, também precisam lidar com a oposição de policiais. Entre os agentes, segundo o juiz, impera a lógica do “A polícia prende, mas o juiz solta”. Já a sociedade, também para Faiçal, possui um “desejo punitivo” crescente. Para sensibilizá-los quanto à importância da medida, o magistrado defende que o melhor remédio é a informação. “Talvez falte a eles um pouco mais de informação, de perceber como as coisas têm funcionado, para que eles possam ter uma visão diferenciada do que a audiência tem representado. A coisa tem que ser percebida a longo prazo. Mostrar que a regra que valia até então não tem dado certo. A fórmula não fecha. Polícia prendendo muito, Judiciário prendendo muito, muita gente encarcerada, a população carcerária crescendo, mas a criminalidade não diminui, só aumenta também. Alguma coisa nessa fórmula está errada. A gente precisa descobrir o que é, e as audiências de custódia talvez venham a ser uns dos passos para a gente conseguir desvendar esse mistério”, sinaliza. Ainda de acordo com o coordenador do Núcleo, as audiências trarão, a longo prazo, benefícios para a sociedade. “O primeiro ponto é não segregação em massa desnecessária, que pode atingir qualquer um de nós. Talvez uma redução do custo operacional que o estado arca com o sistema prisional. E, já que reclamam tanto, e com razão, da falta de velocidade do Judiciário, nesta área, temos um serviço muito sério”. Faiçal também prega que a humanização é, “sem dúvidas”, o caminho para melhorar a situação do sistema prisional brasileiro. “Precisamos dar dignidade a essas pessoas. Quando o Estado toma para si a responsabilidade de manter pessoas presas, ele tem que fornecer o mínimo de dignidade para que o sujeito sobreviva naquele ambiente”, vaticina. Em um contexto de discussões sobre reformas no sistema prisional brasileiro, o juiz defende que este é o momento de mostrar para a população a importância das audiências de custódia. Precisamos sensibilizar as pessoas que pensam em endurecer o sistema prisional. A gente tem que tentar extrair alguma coisa positiva de uma tragédia. E, se houve alguma coisa positiva, é trazer à tona um problema do sistema prisional que precisa ser revisto e, com isso, reforçando as audiências de custódia. Vamos tentar extrair um bônus desse ônus”, conclui.