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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Procurador Manoel Jorge Neto - Plebiscito, Assembleia Constituinte e PEC 33

Por Niassa Jamena

Procurador Manoel Jorge Neto - Plebiscito, Assembleia Constituinte e PEC 33
Foto: Tiago Melo/Bahia Notícias
Procurador do Ministério Público do Trabalho na Bahia, Manoel Jorge Neto conversou com o Bahia Notícias sobre as propostas da presidente Dilma para realizar uma reforma política no país. Na opinião dele, a participação popular é fundamental para que ocorram mudanças mais efetivas na política do Brasil. Neto se diz a favor da consulta popular através de um referendo ao invés de plebiscito e critica a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva. "É um contrassenso, um paradoxo", afirma. Manoel Jorge também é professor da Universidade Federal da Bahia e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho.
 

 
  Fotos: Tiago Melo / Bahia Notícias

BN - Os opositores do governo Dilma têm afirmado que o plebiscito para decidir sobre a formação de uma assembleia constituinte tem que ser votado pelo Congresso e não por iniciativa popular. A votação de uma assembleia constituinte tem que ser feita necessariamente feita com quórum específico?
 
MJ - A compreensão dos instrumentos de democracia semidireta no Brasil são três. O plebiscito, o referendo e a iniciativa legislativa popular. O que a Constituição refere hoje como processo político inerente à participação política do povo?  Não apenas a democracia representativa, mas também a ideia de democracia participativa, que é destinada a fazer com que o povo efetivamente participe das decisões políticas do Estado. A diferença entre plebiscito e referendo é que o plebiscito é uma consulta que se faz ao povo antes de uma lei entrar em vigor. O referendo é uma consulta que se faz antes da norma estar pronta. Eu considero uma impropriedade a utilização de um plebiscito para fins de alteração constitucional em um domínio tão específico como é a legislação eleitoral. A hipótese, se fosse o caso, seria contemplar um referendo e não um plebiscito. Existe uma série de assuntos muito específicos que estão sendo indicados como passíveis de consulta plebiscitária. Dentre eles o financiamento público de campanha, voto distrital e listas partidárias.  A especificidade inviabiliza uma consulta plebiscitária. Outra questão, que a própria presidente já desistiu, foi a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva. Isto é uma impropriedade.
 
BN - A convocação de uma assembleia constituinte exclusiva é uma manobra inconstitucional?
 
MJ - Uma assembleia constituinte exclusiva é um contrassenso, um paradoxo. Porque ela [a assembleia] é soberana para decidir a respeito do que ela quiser. Ela pode rever toda a Constituição. Segundo a doutrina, o poder constituinte cria a constituição, ele é inicial, ele é autônomo e incondicionado. Isso significa que nenhum outro poder pode dizer a assembleia constituinte o que ela pode fazer ou não. De nada valeria a convocação de uma constituinte exclusiva porque naturalmente os poderes de uma assembleia constituinte podem ultrapassar os limites do que foi outorgado. 
 
BN - Em sua opinião, seria melhor utilizar emendas constitucionais para a realização da reforma política?
 
MJ - Eu tenho uma posição que não vi ninguém defender ainda. Nem plebiscito, nem referendo, nem emendas constitucionais são o melhor nesse momento. O momento é de reflexão sobre o que está acontecendo no Brasil. As manifestações populares são uma demonstração clara de que não se resolve os problemas do Brasil através de alteração da Constituição. Os problemas do país pressupõem uma alteração de dentro para fora e não de fora para dentro. A partir do momento em que as pessoas se conscientizarem da necessidade de simplesmente cumprir a Constituição, nós entederemos que é desnecessário modificá-la. Basta ela ser cumprida. Por exemplo, o artigo 37 da constituição estabelece que a administração pública deve seguir diversos princípios. Dentre eles o da moralidade. Esse princípio é aquele que determina que os cidadãos têm direito a um governo honesto.
 
BN - Esse princípio não seria muito subjetivo? A lei trabalha com o rigor, com aquilo que está escrito...
 
MJ - Não acho não. O senso do que é moral e do que é honesto está impregnado na sociedade. A sociedade sabe o que é honesto. Basta que se cumpram os valores que a Constituição agasalha. Ela tem um projeto maravilhoso para uma sociedade menos desigual, menos violenta, em que o governo seja menos corrupto.
 
BN - Como se faria para se começar a cumprir a Constituição no país?
 
MJ - Exatamente como as ruas estão fazendo. Exigindo mais ética na política, que os direitos dos cidadãos sejam respeitados, mais educação, mais saúde. A partir do momento em que o povo elevar a sua exigência a Constituição começará a ser aplicada. 
 
BN - Você concorda com a opinião de alguns juristas que afirmam que a Constituição estaria inchada de leis que não são cumpridas? Se fossem aprovadas leis para a reforma política não pioraria essa situação?
 
MJ - Não acredito nisso não. Simplesmente entendo que a solução não está nas leis, nem no texto escrito da Constituição. A solução está nas pessoas. O que nós precisamos verdadeiramente é ter um comportamento mais ético dentro de casa, refletindo esse comportamento fora de casa. É preciso que aqueles que foram para as ruas tenham auto crítica para saber se nas suas vidas elas estão praticando aquilo que exigem nas ruas. 
 

BN – Utilizar emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso para a realização de uma reforma política não correria o risco de ser um processo tendencioso, devido ao grande número de interesses envolvidos?
 
MJ - A alteração da constituição deve ser feita através das emendas à Constituição. Sobre o que vai acontecer depois da reforma política eu estaria fazendo um exercício de antevisão. O que eu posso dizer é que há propostas que são bastante interessantes. Eu sou a favor do financiamento público de campanha e do voto distrital misto.
 
BN - Apesar de toda essa polêmica impulsionada pelos protestos, muitos projetos de reforma política tramitam há 15 anos no Congresso e nenhum deles sequer foi apreciado. Por que isso acontece?
 
MJ - Se esses projetos tramitam há tanto tempo e não foram sequer apreciados é porque não há interesse do parlamento em alterar o sistema político como ele está montado e organizado. Se não há interesses é porque as alterações poderão atingir interesses políticos daqueles que se encontram no Congresso.
 
BN - Você se disse a favor do financiamento público de campanhas. Você acha que se essa regra fosse aprovada  de fato haveria uma diminuição efetiva da corrupção ou pelo menos do favorecimento de determinadas empresas? De que forma?
 
MJ - A questão da corrupção no Brasil não é apenas um fenômeno jurídico. É um fenômeno social, jurídico, antropológico e até cultural. A impunidade desenvolve a retroalimentação do comportamento dos corruptos. Essa leniência só faz aumentar os atos de corrupção. É muito alentadora a notícia do clamor das ruas, eu me nutro de muita esperança por um país melhor quando eu observo o que está acontecendo no Brasil. Contudo, é preciso que esse processo continue. Porque teremos um árduo caminho pela frente para que possamos ser considerados uma país minimamente civilizado sob o aspecto do respeito ao patrimônio público. O financiamento público ele tem o mérito maior de democratizar o acesso aos cargos do Executivo e do Legislativo. Ele guarda e confere oportunidades a todos os candidatos. O financiamento do jeito que esta aí privilegia os candidatos que estão afinados com o poder econômico. Além do que, não deixa de ser verdade concluir que o controle é muito mais fácil com financiamento público do que com financiamento privado.
 
BN - Quando você fala em controle se refere ao Judiciário, que é a instância que  tem a prerrogativa oficial, ou por parte da população?
 
MJ - O controle formal realizado pelo ministério público e o controle informal realizado por toda a população que precisa estar vigilante aos atos praticados no período eleitoral.

BN - Você não acha que falta a população um maior conhecimento do nosso sistema político para fazer esse tipo de coisa?
 
MJ - Eu costumo dizer que o que falta ao Brasil é cultura constitucional. É o sentimento coletivo de preservar os valores substanciais da Constituição: segurança jurídica, dignidade da pessoa humana, moralidade (...) tudo isso está na Constituição.
 
 
BN – A PEC 33 submete as decisões do STF ao Congresso.  Caso essa PEC seja aprovada não criaria um estado de insegurança jurídica, devido a levar para a avaliação do legislativo uma decisão que é do judiciário? 
 
MJ - Essa proposta é risível. É um absurdo que não tem tamanho. Vai na contramão de todo o arcabouço organizatório do Estado brasileiro. No Brasil, e na maioria das nações civilizadas, se tem uma coisa que se chama Estado. Nas funções do Estado o Judiciário julga, o Executivo principalmente administra e o Legislativo principalmente legisla. O que nós não podemos é alterar as competências que o poder originário em 1988 outorgou aos poderes do Estado. Não posso através de uma emenda permitir que a decisão definitiva do Supremo em matéria constitucional seja submetida a apreciação do Congresso Nacional. É de uma inconstitucionalidade flagrante.
 
BN - Você acha que a PEC 33 poderia ser uma resposta às últimas atuações do judiciário, como no caso do mensalão, por exemplo?
 
MJ - Essa PEC ela é absurda. Sobre o que causou essa PEC, eu posso dizer que seria uma desarmonia entre as funções estatais. Porque somente uma desarmonia viabiliza a apresentação de uma proposta tão absurda quanto essa.
 
BN - O senhor é a favor que a reforma política seja feita a partir das ruas?
 
MJ - Tudo o que as ruas estão pedindo não depende de uma reforma na Constituição. O que o povo quer não pressupõe mudança de legislação, mas sim, mudança de comportamento do poder político, do governo e do legislador.  Não acredito em alteração da Constituição para resolver problema político. Problema político se resolve politicamente. Jurídico, juridicamente. Não estamos diante de um problema jurídico e sim político.
 
BN - Você acredita que a democracia no Brasil assimila esse formato de exigência a partir da realização de protestos?
 
MJ - Eu entendo que sim. Eu espero sinceramente que essas manifestações prossigam porque o Congresso Nacional que nós temos expressa a cara do povo brasileiro. Se o povo brasileiro está insatisfeito com um Congresso Nacional deve examinar o momento em que vai até a urna e escolhe os seus representantes  A verdadeira insatisfação deve se mostrar nas ruas, mas principalmente em período eleitoral. Parece que o povo que reclama dos seus representantes elege esses representantes sistematicamente.