Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

César Faria - Professor de Direito Processual Penal

Por Cláudia Cardozo / José Marques

César Faria - Professor de Direito Processual Penal
Foto: Tiago Melo / Bahia Notícias
Professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e presidente do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP), César Faria conversou com o Bahia Notícias sobre a reforma do Código de Processo Penal - aprovada pelo Senado e, atualmente, à espera de apreciação na Câmara dos Deputados - e tocou em temas polêmicos, como quebra de sigilo bancário, monitoramento de presos e lavagem de dinheiro. Também discordou da possibilidade de diminuição de pedidos de recursos a instâncias superiores. "Isso eu não vejo com bons olhos. Porque, aí sim, você está querendo celeridade ferindo a presunção de inocência, e os direitos constitucionais", avaliou. César também divulgou o primeiro seminário nacional do IBADPP, que será realizado nos dias 19 e 20 de setembro, com a presença de grandes juristas do Brasil.
 

Bahia Notícias: Primeiramente, você poderia falar sobre a criação do Instituto Baiano do Direito Processual e esclarecer a diferença entre Código do Processo Penal para o Código Penal?

César Faria: O Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP) reúne sete professores e foi fundado no ano passado. E por que fundar o Instituto de Direito Processual Penal Baiano e não de Direito Penal?  Porque nós somos professores de Processo Penal. A gente vê que no próprio ensino acadêmico não há um tratamento adequado ao Código do Processo Penal. Ele fica sendo tratado como se fosse um código de ritos. É como se reduzisse o Código do Processo Penal a um mero procedimento. Enquanto, para nós, é um instrumento de garantia dos direitos fundamentais que estão na Constituição. O que nós temos no Direito Penal? O que é o Direito Penal sem o Processual? É uma promessa vã e abstrata. Ele só se realiza, se materializa, através do Processo Penal. O que nós temos agora é uma reforma do nosso Código de Processo, que lamentavelmente, são pontuais, setoriais, ao invés de fazer um novo código. Não está se fazendo um novo código… Isso é, existe um projeto de um novo código em andamento, que já passou pelo Senado e agora está na Câmara. Nesse meio tempo em que tramita, têm surgido reformas setoriais e pontuais, como alguns procedimentos que busca celeridade. Esses procedimentos foram modificados em 2008. E você pode questionar: 'Então é uma lei antiga?' Não, para lei, datada de 2008, não é velha, é ontem. Nós estamos ainda discutindo muitas coisas polêmicas. Por exemplo: no ano passado surgiu uma lei modificando as medidas cautelares, criando novas medidas cautelares, como a do chip na tornozeleira, entre outras coisas como medidas alternativas a prisão. Na época, a mídia tomou um certo susto e ficou naquela de que “vão colocar marginais nas ruas”. Passado um ano, não ocorreu nada disso. A cultura continua a mesma. A lei não modifica uma cultura. E o que nós vemos é uma superpopulação carcerária, na Bahia especialmente, e com alto percentual de pessoas que estão presas sem julgamento. E isso é muito significativo. Agora mesmo, nós tivemos a aprovação da Lei de Lavagem de Dinheiro. Essa lei é essencialmente processual. São mecanismo de combate a lavagem de dinheiro.
 
BN: O Instituto promoverá o 1º Seminário Nacional do Instituto Baiano do Direito Processual Penal nos dias 19, 20 e 21 de setembro. Quais temas o seminário enfocará?
 
CF: O primeiro tema será lavagem de dinheiro. O professor que será homenageado – nós estamos trazendo o professor Fernando da Costa Tourinho Filho. Para quem não o conhece, ele é baiano, e é considerado o maior processualista vivo do país. Isso é um orgulho para Bahia. Ele é autor da coleção mais completa do Processo Penal nos últimos anos. Não se pode escrever sobre Processo Penal no Brasil sem citá-lo. Ele será homenageado com o título de membro emérito. Ele falará sobre foro com prerrogativa de função. Vou te dar um exemplo para citar a importância desse seminário: Vocês viram a cassação do senador Demóstenes Torres. O advogado dele observou que não foi respeitado o foro com prerrogativa de função, porque ele era senador, e que a investigação deveria ter sido feita no Supremo Tribunal Federal (STF). O Instituto, assim como Rômulo Moreira, que escreveu um trabalho sobre este tema, observou que Demóstenes deixou de ser senador, mas ele é promotor de Justiça, e eles mandaram o caso para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) junto com Cachoeira e os outros. É um grande erro. Se o processo continuar vai ser tudo nulo, porque promotor de Justiça é Tribunal de Justiça do Estado. Porque o foro por prerrogativa de função se sobrepõe até o foro pela matéria. Não é porque a matéria é federal que ela deve ir para um tribunal federal. No caso de promotor e juiz é o seu tribunal. Eles deveriam separar os processos e Demóstenes deveria ser processado pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Provavelmente, o Dr. Fernando da Costa Tourinho tratará do assunto. Ele também poderá falar se foi correto o Supremo não ter dividido o processo do mensalão. O Tourinho Neto vai falar sobre sigilo bancário. A gente não tem mais privacidade nenhuma. A gente precisa saber… Porque CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] pode quebrar sigilo bancário, e depois disso, só o poder Judiciário. Isso nos faz avaliar a força da CPI. O Ministério Público não pode solicitar extratos bancários e nem autoridades fiscais fazendárias. E esse tema será tratado por um juiz que constantemente trata do tema no TRF de Brasília. Tem outros temas, mas eu acho que esses são fortes.
 
BN: Sobre quebra de sigilo bancário e lavagem de dinheiro. Para se constatar que houve lavagem de dinheiro é necessário a quebra do sigilo...
 
CF: Sim, mas é fazer da forma correta, sem agredir a Constituição. Não é não fazer. Não estamos dizendo que não deve ser feito. Nós defendemos que haja punições devidas. Estamos até advertindo que para alguns casos, que são públicos, que processualmente podem estar ocorrendo equívocos. E isso poderá resultar em nulidade e nulidade gera absolvição.
 
 
BN: O senhor defende a reforma do Código Processual?
 
CF: Eu defendo sim, mas entenda... Eu defendo a linha geral do projeto. Agora é um tema muito aberto. Que é assim: como em todo projeto, a comissão de juristas se reúne, e depois começa a receber emendas, e isso é um problema, porque começa a perder unidade, embora isso faça parte do processo legislativo.
 
BN: Quais pontos precisam ser modificados no Código Processual?
 
CF: Olha, o que o código precisa é adquirir uma harmonia. Ele é um código da década de 40, que entrou em vigor em janeiro de 41, criado a partir de um decreto lei, sobre as trevas do fascismo, no Estado Novo, na ditadura Vargas, quando a prisão que era regra, e a liberdade era exceção. Nós precisamos fazer uma reforma no código para que ele venha trazer, efetivamente, para a luz, não para as trevas, sob os princípios democráticos da Constituição. Então, nós somos contra, até a alguns aspectos, como a utilização midiática da criminalidade popularesca - isso não funciona e não resolve o problema. Nós somos contra o Direito Penal Simbólico - que é aquele de botar uma pena excessiva só para botar na manchete e não aplicar. Nós acreditamos que a pena deve ser proporcional, mas certa. Saber que nós não estamos pela impunidade, ao contrário...
 
BN: Nesse cenário de medidas cautelares, como o Estado poderá monitorar essas pessoas? Não há certa deficiência do Estado em monitorar esses presos que estão em liberdade condicional ou receberam medidas alternativas?
 
CF: Tem a sugestão agora da monitoração eletrônica, que já tem sido utilizada, em alguma medida, em São Paulo. Na Bahia ainda não. Que eu saiba ainda vai fazer licitação. Há às vezes uma preocupação muito grande em achar que mudar o procedimento vai resultar em celeridade quando se fala em reforma. Com isso nós entramos em uma crise existencial. Como ganhar em celeridade sem perder a segurança jurídica? Eu costumo dizer o seguinte: nós não temos pressa para fazer injustiça. E eu acho que a Justiça não deve ser apressada. Ela deve caminhar não ficar parada e nem correr, caminhar mesmo. O processo deve ser um “caminhar para acontecer”. O Processo Penal vem sempre dessa forma. As reformas de 2008 são suficientes para dar celeridade. Agora precisa de mais investimentos no Judiciário. Em termos de legislação o que nós precisamos é ter um espírito. O código precisa ter um espírito, porque a interpretação precisa ser sistemática. Qual sistema nós temos adotado? O sistema acusatório. E ele, essencialmente, divide as tarefas. Quem investiga é um órgão, quem acusa é outro, quem julga é outro, quem defende é outro, então esse é o sistema acusatório. A constituição escolheu esse sistema. É uma dificuldade para mudanças ocorrerem. E o que nós queremos é um código que seja ágil, que puna quem deve ser punido, mas não um código que se afaste jamais, ao contrário, que se aproxime cada vez mais, dos princípios constitucionais. Porque o que nos defendemos é o Estado Democrático de Direito e o que está na Constituição. E isso é o que o instituto defende.
 
BN: Você poderia falar um pouco sobre a proposição de diminuição de recursos, porque se fala muito em celeridade...
 
CF: A diminuição de recursos é um tema muito complicado. Eu falo até como advogado, e não como instituto. Nós advogados sabemos – recentemente eu estava fazendo um recurso especial para Superior Tribunal de Justiça (STJ) e um recurso fraudário para o Supremo Tribunal Federal (STF) – a dificuldade que nós encontramos hoje de levar uma causa até o conhecimento desses tribunais superiores. Quer se modificar para impedir ainda mais o processo? E isso eu não vejo com bons olhos. Porque, aí sim, você está querendo celeridade ferindo a presunção de inocência, e os direitos constitucionais. Essa questão de recursos deve ser melhor disciplinado, mas não com esse objetivo e tem recurso que deve deixar de existir mesmo. O que nós precisamos é sistematizar melhor os recursos, e nisso sim a reforma pode ajudar.
 

 
BN: Você acredita que a matéria pode voltar a ser discutida esse ano no Congresso Nacional?
 
CF: Esse ano acredito que não, porque é ano de eleitoral. Mas eu acredito que deverá voltar a ser discutida para o ano. Até porque esse ano foi discutido a reforma do Código Penal... E outra coisa, esses códigos deviam caminhar juntos, porque são correlacionados. E em alguns momentos já se caminhou junto, mas quando se fazia de forma autoritária. Mas sempre discutem primeiro o Código Penal e depois o Processual.
 
BN: Voltando ao Seminário, como foi a escolha dos nomes dos palestrantes? Vocês estão trazendo nomes de peso para discutir a temática.
 
CF: Nós estamos trazendo nomes como o de Fernando da Costa Tourinho, que é uma oportunidade para todos, para os juízes, para os promotores, para os delegados de polícia, para os defensores públicos da Bahia, tanto federal como estadual,para o meio acadêmico que participarem desse seminário. Jacinto Nelson De Miranda Coutinho, do Paraná, é uma das pessoas que mais tem conhecimento sobre Processo Penal no mundo. Ele passou vários anos na Itália estudando o Código Processual italiano. Desembargador Geraldo Prado, do Rio de Janeiro e da nova geração, Aury Lopes Júnior. Esses nomes são muito bons. Eles foram escolhidos por nós, foram escolhidos por quem sabe. Alexandre Morais da Rosa de Santa Catarina, Douglas Fischer. Todos escolhidos são grandes processualistas. Foi escolhido de tantos estados, como Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal… Da Bahia tem quatro nomes: Nestor Távora, Jackson Chaves Azevedo, Roberto Gomes, Vladimir Aras. Vladimir Aras, em Lavagem de Dinheiro, é um dos maiores nomes. Ele é palestrante internacional sobre o tema. Nós temos aqui uma diversidade. Esse é um seminário nacional e é uma oportunidade. Esse é nosso primeiro seminário, e estamos fazendo com todo carinho e cuidado.
 
BN: Qual o objetivo 1º Seminário Nacional do Instituto Baiano do Direito Processual Penal? Saíra algum documento dele?
 
CF: Nós estamos pensando em retirar daí uma carta-proposição para colaborar com o projeto de reforma do Código Processual e um boletim. O que é esse boletim? Nós estamos pedindo a cada palestrante um resumo de suas palestras, a essência do pensamento de cada um sobre os temas que vieram tratar aqui. E nós temos também uma ideia mais arrojada e que é uma revista, mesmo que seja online, para comemorar os dois anos do Instituto.
 
 
BN: Quando foi criado o Instituto?
 
CF: Ele foi criado propositalmente no dia do aniversario da cidade de Salvador. No dia 29 de março de 2011. No dia 29 de marco de 2013 nós queremos lançar uma revista. A Bahia precisava de um instituto como esse. Nós recebemos em nosso site vários pedidos de cadastramento para fazer parte do instituto, inclusive de professores de fora do país – para você ver o que é a internet. Nós decidimos focar em fazer com sucesso esse seminário e depois disso, nós vamos ampliar o instituto e criar diversas maneiras de participação para que as pessoas não pensem que estão excluídas, inclusive queremos criar uma maneira dos estudantes participarem. Hoje, na Bahia, nós temos muitas faculdades, e vive uma efervescência na área do conhecimento jurídico de um modo geral, não só criminal. A Bahia hoje está muito bem nacionalmente.
 
BN: Como o instituto atua?
 
CF: O Instituto tem uma área de atuação abrangente. O instituto tem um viés cultural, e pretende difundir a cultura, porque as coisas acontecem primeiramente na cabeça das pessoas – até as guerras. Nosso objetivo é participar, é um convite democrático de ideias, de dar de cada um, e do instituto como um todo, nossa contribuição a sociedade nos pontos da abordagem da criminalidade, que não é uma abordagem eleitoreira, porque nenhum de nós tem pretensões políticas, numa abordagem popularesca e nem midiática. É uma abordagem mais científica de colaboração. Queremos contribuir na Bahia mesmo, independente de coloração partidária, como a questão da administração carcerária, e vamos partir para isso. Nós também temos projeto para discutir a criminalidade em Salvador, que está demais – não é só botar a guarda e dizer que vai armá-los. Como entre os sete fundadores do instituto, três são professores universitários - eu sou da federal (Ufba) – através da faculdade, nós pretendemos colocar centros de observações penais e estabelecermos parcerias. Atualmente já temos como parceiros o Instituto Brasileiro de Processo Penal e com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Nós vamos fazer outras parcerias. Veja, é tão abrangente que podemos colaborar com tudo, principalmente com a defesa do Estado Democrático. E inicialmente, nós procuramos os professores, e agora o instituto é multidisciplinar. Nós temos advogados, desembargadores, defensores, promotores, e isso não foi intencional. Isso é muito bom, e pretendemos ampliar para os estudantes e delegados que pesquisam o tema. Os requisitos para participar do Instituto é ser professor universitário de Processo Penal e ter trabalhos publicados, e, sobretudo, estar na linha do pensamento ideológico do instituto. Nós defendemos meios mais eficazes de combate a corrupção, e quando esses meios são menos eficazes, e são feitos inobservando a Constituição, ao contrário da imagem que se vende, é gera absolvição pela nulidade do processo.