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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Geovane Peixoto - Professor de Direito Administrativo e Direito Constitucional

Por Clara Luz / Felipe Campos

Geovane Peixoto - Professor de Direito Administrativo e Direito Constitucional

Em entrevista à Coluna Justiça do BN, o advogado Geovane Peixoto, professor de Direito Administrativo e Direito Constitucional, comentou sobre o recente edital da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult), que incluía vantagem para os candidatos que fossem militantes políticos. Na discussão, o entrevistado conclama que o povo tem que assumir mais o papel de controle das instâncias políticas e faz um apelo a sua classe: "Como advogados nós temos não só o poder, mas o dever de na fiscalização das irregularidades sempre denunciar quando depararmos com questões como essa." 

Bahia Notícias
- O contrato de trabalho Reda existe na Bahia desde a década de 90 e o atual governo tem usado bastante esse procedimento. Qual a sua opinião sobre o uso do Reda e a não utilização de concurso?

Geovane Peixoto- Nesse caso da Secult a utilização do Reda seria o mais indicado, pois é um trabalho específico. O ideal seria que você contratasse pessoas para esse trabalho através desse regime, porque ele dimensiona o tempo para o encerramento do contrato. Já o concurso público criaria um vínculo que iria se estender muito além do necessário, sendo que ao finalizar esse trabalho teria que realocar essas pessoas. 

BN - Até que ponto um edital de contratação do Estado pode permitir esse tipo de “arranjo”? O que a Constituição Brasileira versa sobre isso?

GP- Diretamente a Constituição não versa nada. A gente tem que analisar a questão pela perspectiva principiológica da Constituição. Quando se faz um barema para uma prova de títulos, você especifica quais os pontos serão avaliados nos títulos e quantos pontos valem isso. Além disso, no barema tem que colocar aquilo que é importante para o exercício do cargo, de acordo com a experiência e com o grau de conhecimento exigível a ser exercido. Em um concurso público que você coloca militância política partidária, isso obviamente quebra dois princípios: Primeiro - o da isonomia (que todos sejam tratados como iguais); Segundo - toda vez que se quebra a isonomia, por consequência, também quebra a impessoalidade. Foi feito um edital para privilegiar pessoas que vêm do movimento político partidário que está à frente daquela Secretaria.     

BN - O senhor concorda então que esse edital feriu o direito do cidadão como deixou transparecer o Dr. Waldir Santos?

GP - Não tenho dúvida. Feriu princípios constitucionais ligados não só aos direitos fundamentais e individuais como a própria administração pública. Não é uma simples inconstitucionalidade. Tem uma regra na Constituição que ele contraria, ele viola princípios de todos aqueles que querem se submeter ao concurso público. Do ponto de vista individual e os próprios princípios da administração pública como impessoalidade, moralidade, também são violados. 

BN - O senhor que atua nessa parte acadêmica, vê esse caso como recorrente? O senhor sabe de outros exemplos de equívocos em editais públicos? 

GP- Não tanto em concursos. O concurso tem um percentual muito pequeno de direcionamentos. Essas fraudes que ocorrem em concursos públicos acontecem em fase de classificação, mas não tem como generalizar. Os concursos públicos, na maioria, têm sido éticos, nesse ponto de vista. Respeitam de fato a legalidade. Agora, as fraudes ocorrem muito em licitações, porque há em muitos casos, um direcionamento claro para determinadas empresas.

BN - Como o Poder Judiciário e o Poder Legislativo podem atuar de uma forma que evite esse tipo de direcionamento?

GP- Nós temos uma legislação de licitação completamente atrasada, já que é uma lei de 1993. Em 2002, foi editada uma nova lei sobre licitações instituindo uma nova modalidade chamada de Pregão, que deu agilidade aos processos licitatórios demonstrando que aquela lei de 1993 não privilegiava a celeridade. A lei que foi editada no final de 2011 é a conversão de uma medida provisória em lei, que institui o chamado Regime Diferenciado de Contratação (RDC) que tem o objetivo de atender os interesses de dois eventos: a Copa e a Olimpíada. O Executivo tem importância porque esse RDC foi instituído primeiro por medida provisória, veio da Presidente da República e depois foi convertida em lei pelo Congresso Nacional. Existe um projeto de lei para melhorar o processo licitatório, então o grande problema das licitações, perpassa por uma legislação anacrônica, que não atende mais as demandas da sociedade. Dentro desse processo as instâncias principais para o controle são: primeiro - a Procuradoria do Estado enquanto representante jurídica do Poder Executivo em função de controle interno; segundo - Tribunal de Contas, com a função de controle externo; controle da contas e de todos os contratos e licitações; terceiro - o Ministério Público com sua função de fiscal da lei e guardião do estado democrático de direito. Essas três instâncias podem utilizar se necessário do Poder Judiciário.

BN- Hoje se faz muito uso pelos executivos municipais e estaduais da questão da dispensa da licitação, que é algo recorrente. Por esse instrumento se faz muito das irregularidades. Queria que o senhor comentasse um pouco sobre como está se dando o uso disso e o que o Direito pode fazer?

GP- A legislação brasileira especifica quais os casos que se permite ou não licitar. Os que não podem se tornam exceção, pois permite a contratação direta, que é o caso das licitações dispensadas, dispensáveis e inelegíveis. São três modalidades que se podem fazer a contratação direta, entretanto, dentro das hipóteses legalmente previstas. O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Brito, afirma que o pessoal faz um “triplo carpado hermenêutico", que significa uma ginástica de interpretação para dizer que pode, ou seja, é uma retórica. Manipulam os dispositivos legais para poder contratar direto, porque eu contrato meu amigo, ou quem eu quero, muitas vezes, como repartição de custos. Boa parte das contratações diretas acaba tendo algum vício; esse vício depende de saber qual o caso. Tem contratações diretas que são feitas corretamente, porém muitas delas são desvirtuamentos. O problema é de natureza jurídica? Não. Respondendo bem objetivamente: o problema é de natureza política.
 
BN- Em relação ao caso da Secult, o senhor concorda que a denúncia feita pelo advogado da União Dr. Waldir Santos chamou a atenção da sociedade baiana sobre um erro do edital?

GP- Não tenho a menor dúvida disso. Acredito que é papel de todo cidadão, não apenas na qualidade de advogado, de denunciar irregularidades. Acho que no momento que isso foi apresentado no site e a denúncia surgiu, rapidamente constrangeu o Poder Público que retirou. Isso demonstra uma força da opinião pública no controle do Estado, coisa que no Brasil não tem funcionado muito. Há certa descrença da sociedade de que é possível fazer o controle da administração pública.  No momento como esse, em que uma denúncia consegue conclamar o povo a constranger o governo e levá-lo a reverter aquilo que é irregular, um edital inconstitucional, ilegal, demonstra que o povo tem que assumir mais esse papel de controle das instâncias políticas. Eu defendo muito isso, pois o grande problema que temos hoje é o não aprimoramento de nossos mecanismos democráticos.  Eu cito aqui, Ministério Público, Tribunal de Contas e Procuradoria. Como essas três instâncias podem se manifestar? Pela provocação do cidadão, como assegura a própria legislação. O cidadão é parte legítima para chegar a essas instâncias e apresentar as denúncias e assim, os órgãos públicos têm o dever de investigar e tomar as medidas necessárias para reverter. O advogado que fez a denúncia merece aplausos, não obstante ser um cidadão. Na qualidade de advogado, tem mais uma questão, na medida em que este exerce o que se chama função essencial de justiça, que é um ônus público constitucional. Como advogados nós temos não só o poder, mas o dever de na fiscalização das irregularidades sempre denunciar quando depararmos com questões como essa.