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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Cláudio Cairo Gonçalves - Procurador do Estado e Presidente da APEB

Por Victor Carvalho




 

Coluna Justiça: Dr. Cláudio, você poderia fazer breves considerações a respeito de sua carreira jurídica?
Cláudio Gonçalves:
Eu sou procurador do estado desde 1998. Ingressei no Estado através do concurso para procurador da fazenda por unificação da procuradoria da fazendo com a procuradoria geral do estado em 2003, quando todos nós nos tornamos procuradores do estado naquele momento. Pra mim é uma grande satisfação poder servir o Estado da Bahia na condição de procurador do estado. É uma carreira que tem por competência defender o Estado em juízo; exercer também a atividade de consultoria e assessoramento do Estado na construção das políticas públicas. É uma carreira que tem acento constitucional e é função essencial à justiça. E nós estamos atuando hoje em todo país através da nossa entidade nacional para o fortalecimento da carreira, a garantia de algumas prerrogativas e o estabelecimento de alguns marcos que vão proporcionar um maior fortalecimento ainda no que diz respeito a questão institucional das procuradorias gerais dos estados. Nós estamos atuando para garantir essas prerrogativas no sentido de melhor equiparmos nosso órgão. Existe um volume muito grande de demandas no Estado, invariavelmente, em todas as unidades do nosso país. Tem sido muito demandado em juízo pelas mais variadas questões, matéria de saúde, matéria de licitações, matéria de direitos fundamentais; a questão mesmo dos servidores públicos, situações vinculadas a deveres do Estado... então tudo isso recai sobre as procuradorias gerais do Estado. Acredito, inclusive, que é muito importante desenvolvermos ações para soluções alternativas de conflitos. Do jeito que está, não vamos ter condição, brevemente, de dar cabo a tantas demandas. Não só a procuradoria, mas também o próprio judiciário, os membros do Ministério Público... a sociedade tem demandado muito do judiciário, mas é preciso criar uma consciência na sociedade de que os conflitos podem também ser solucionados em outras instâncias que não somente o judiciário.


CJ: Quando o senhor fala de soluções alternativas, está se referindo a arbitragem e mediação ou algum outro tipo de resolução do conflito?
CG:
A mediação e arbitragem são alternativas já previstas em lei, mas existem outros mecanismos que podem ser adotados. Há a possibilidade da criação de espaços de consenso na sociedade que podem, inclusive ter a participação do próprio Estado para fazer com que certas situações não cheguem a se transformar em um processo judicial. Eu cito, por exemplo, o caso da Constituição baiana do art. 45, que é um dispositivo que existe na Constituição do estado desde 1989 e até hoje não foi objeto de nenhuma regulamentação. Esse dispositivo prevê a existência de uma instância administrativa para dirimir conflito entre o Estado e os servidores públicos. Então, por que esse dispositivo até hoje não foi regulamentado? Nós precisamos discutir uma forma de diminuir essa demanda crescente. Esse dispositivo sendo regulamentado, me parece que vai trazer uma outra instância de resolução de conflitos que não seja imediatamente judicial. O judiciário sempre como a última instância. Mas como dizia um professor uruguaio do Direito Penal, chamado Raúl Cervini, o direito é o último remédio, sempre o último remédio. Quando o Direito é chamado para resolver os conflitos, significa que toda sociedade falhou, significa que todos os outros mecanismos de resolução dos conflitos falharam. Nós precisamos enquanto sociedade civil, criar mecanismos alternativos para resolver nossos próprios problemas.


 



CJ: Inclusive porque os custos de um processo para o Estado são altos. Isso poderia de alguma forma ajudar na economia estatal, em principal do Estado da Bahia?
CG:
Nós temos no Brasil um número crescente de verbas sendo destinadas para o Poder Judiciário dos estados e para o Poder Judiciário de um modo geral. Acho que essa seria uma solução que poderia trazer a diminuição dessas verbas. Existe uma demanda muito grande por recursos no Judiciário de um modo geral no Brasil. Isso está, inclusive, nos relatórios do CNJ, mas nós precisaríamos realmente adotar outros mecanismos para tornar mais eficiente a prestação jurisdicional.


CJ: Seria este o papel da Procuradoria do Estado frente ao cidadão? Fazer com que o conflito seja resolvido de uma forma mais rápida, mas célere?
CG:
Sua pergunta é muito interessante porque o papel que o procurador exerce ainda se encontra atualmente limitado no que diz respeito a sua capacidade de propor soluções alternativas. Nós não temos mecanismos legais que nos permitam trazer soluções alternativas. Em uma palavra só, nós não temos autonomia institucional. Essa é uma outra discussão que nós temos feito no Congresso Nacional para termos a aprovação da PEC 452, Proposta de Emenda Constitucional que tramita na Câmara dos Deputados pra nos fornecer autonomia institucional. Isso traria maior capacidade de definição de certas situações que muitas vezes nós verificamos de antemão que a Administração falhou, que a Administração não agiu dentro de uma parâmetro aceitável ou exigível pela sociedade. Então nós poderemos de antemão deixar de recorrer de alguns processos ou promover de forma mais autonômica o próprio acordo nos processos. Fazer as conciliações. Há, por exemplo, um instrumento que tem sido utilizado largamente por outros estados e nós na Bahia ainda não temos, que é o instrumento da transação tributária para dirimir conflitos em matéria fiscal. Com a lei de transação no estado de Goiás, a carteira de parcelamento dos débitos de ICMS aumentou de cerca de 80 milhões/ano para 800 milhões/ano, já chegando hoje à esfera de 1 bilhão e meio de reais por ano só de crédito parcelado em função do instrumento da transação tributária.Então, o papel do procurador com essa autonomia vai ser de realmente trazer novas contribuições para a resolução dos conflitos na sociedade. Por outro lado, nós já temos alguns instrumentos, que não especificamente dizem respeito à resolução dos conflitos, mas a nossa forma de atuação que realmente tem trazido um grande benefício para o Estado. Isso diz respeito, por exemplo, à participação nas políticas públicas desde o nascedouro. Já estamos nos orientando, por determinação do nosso procurador geral no sentindo de criarmos instâncias administrativas pra construir a política pública de forma participativa desde o primeiro momento. Na hora que aquela idéia se expressa na cabeça do gestor, a gente já ter ali a presença do procurador do estado para dar seguimento e formatação jurídica adequada àquela resolução.


 


 


CJ: O procurador do estado está sempre vinculado à opinião da Administração Pública estatal de forma que ele nunca poderia discordar do Estado?
CG:
É importante sua pergunta no sentido de que em matéria de assessoramento e de consultoria, a opinião, a manifestação do Estado é de caráter meramente opinativo. Então o procurador do estado manifesta-se positiva ou negativamente em relação a um ato administrativo que queira adotar ou que queira praticar, mas a administração está, digamos assim, livre para adotar ou não aquela opinião. Claro que uma vez adotando, ele estará, digamos assim, protegido pela legalidade, porque a administração deve se primar, deve atuar pela legalidade. Claro que não adotando pode ser que futuramente o Tribunal de Contas, o Ministério Público, outras instâncias político-decisórias venham a entender que aquele ato não está de acordo com a legalidade. Na esfera da consultoria e da assessoria a esfera do procurador do estado é meramente opinativa, mas ela não vincula. Agora, no que diz respeito a atuação no âmbito judicial, aí nós assumimos diretamente a defesa do Estado. Então temos que em juízo defender o Estado, mas claro que muitas vezes diante de certas situações podemos até reconhecer que algo está errado. Já tive algumas situações em que verifiquei que nós não tínhamos realmente suporte na legalidade e pedi que administrativamente houvesse o reconhecimento, pedi o sobrestamento do feito judicial e posteriormente isso foi reconhecido e nós resolvemos o problema. Há alguns mecanismos ainda muito limitados, mas já há algumas situações em que se pode fazer esse reconhecimento.