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Entrevista

‘Prisão para obter delação é extorsão premiada’, critica professor de direito penal

Por Bruno Luiz | Fotos: Bruno Luiz / Bahia Notícias

‘Prisão para obter delação é extorsão premiada’, critica professor de direito penal
César Faria | Fotos: Bruno Luiz / Bahia Notícias
Além de alçar figuras como o juiz Sérgio Moro ao posto de heróis e debater a corrupção como nunca antes no Brasil, a Operação Lava Jato também deu fama a um instituto muito utilizado durante as investigações de esquemas de corrupção na Petrobras: a delação premiada. Sem ela, talvez, a operação não teria os resultados que apresenta. Entretanto, a quebra do silêncio de investigados, em troca de benefícios como diminuição da pena em caso de condenação, suscita algumas polêmicas. Para o professor de direito penal da Universidade Federal da Bahia (Ufba), advogado criminalista e presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia, César Faria, uma delas está na forma em que como a delação vem sendo utilizada na Lava Jato. Na sua avaliação, há um desvio de rota na função da colaboração premiada. “Aí é que eu falo, em tese, que quando é decretada uma prisão cautelar para se obter delação premiada, isso não é delação premiada, é uma extorsão premiada”, afirmou em entrevista ao Bahia Notícias. Para ele, o método tem violado garantias constitucionais dos investigados pela operação.

A delação premiada é um tema em alta atualmente, por ser um recurso muito utilizado na Operação Lava Jato. Entretanto, ela suscita polêmicas. A presidente Dilma chegou a dizer que “não respeita delator” e relacionou o uso da delação com táticas de tortura da ditadura. Você acredita que ela seja usada apenas como forma de pressionar as pessoas a falarem?

Antes de mais nada, falo aqui em tese. Seria uma temeridade minha falar sobre processos os quais não tive acesso. O que eu defendo é que a delação premiada, como método ou técnica especial de investigação, deve ser usada em casos excepcionais, em casos que envolvam crime organizado, casos em que o Estado não tenha condições de fazer a prova por outro meio. Ele vai se valer da palavra, da colaboração de quem participou do crime. Examinando nossa legislação, ela não tem uma lei específica sobre delação premiada, o que é um erro. Você só encontra capítulos em outras leis, como tem na lei 12.850/2013, que é a última lei sobre organizações criminosas.  As outras leis falavam em delação espontânea, confissão espontânea, mas não falavam em voluntária. Passou a ser voluntária na Lei de Proteção à Vítima e Testemunhas, de 1999. Espontânea significa que ela não sofre nenhum tipo de pressão externa, o que é muito mais garantidor da eficácia do instituto. Quando falamos em delação voluntária, admitimos interferências externas, propostas. Aí é que eu falo, em tese, que quando é decretada uma prisão cautelar para se obter delação premiada, isso não é delação premiada, é uma extorsão premiada.

Quais as principais polêmicas que envolvem as delações premiadas na Operação Lava Jato?
Essas delações têm sido objeto de muitas polêmicas. Se questiona se haveria essa necessidade de todas essas prisões preventivas ou temporárias. Quando se decreta a prisão e, alguns casos, ela não se revelava necessária e foi feita, e quando se verifica que elas foram transformadas em prisão domiciliar a partir de um acordo, qual a voluntariedade nesse acordo, ou, muito menos, a espontaneidade desse acordo? Outra coisa que tem sido muito criticada e, ao que parece, está acontecendo na Lava Jato, é tomar a palavra do agente colaborador como verdade absoluta. É o que tem acontecido em alguns casos na Lava Jato. Essas informações não passaram pelo crivo do contraditório em um processo onde se assegure a ampla defesa de todos, inclusive do agente colaborador. A própria lei diz que ela não pode servir de fundamento único para uma decisão condenatória. A palavra do agente colaborador é um meio de prova frágil, débil. Ele tem interesses, ele não está submetido a dizer a verdade. O que quero deixar bem claro é que a palavra do corréu é sequer admitida em algumas legislações. No caso do mensalão, já se assentou o entendimento de que, mesmo que ele tenha sido beneficiado pela delação premiada, ele é um mero informante. A ele não é dado o compromisso de dizer a verdade. Ele não é nem meio de prova, é fonte de prova. Ele indica os meios e esses meios precisam ser averiguados. No caso da Lava Jato, ela vem sendo tomada como verdade absoluta antes do devido processo legal.

Em uma recente palestra, você falou sobre casos de juízes que homologam acordos de delação, mas julgam os mesmos casos relacionados aos acordos por ele homologados. Como fica o princípio da imparcialidade do juiz em casos como este?
Isso é um absurdo. Fere o princípio da imparcialidade. Embora a lei não diga isto, mas o juiz, seja ele qual for, e até em outros países que exigem juizado de instrução, aqui eles fazem de conta que o juiz não faz parte, mas ele participa da instrução. Ele não participa do acordo de delação premiada, para preservar sua imparcialidade. Isto é uma falácia. O juiz precisa homologar o acordo. Eu não sou contra o juiz homologar acordo, sou contra o juiz que homologou julgar o caso. Há uma evidente quebra da imparcialidade. Ele se vincula ao acordo, mesmo que seja psicologicamente. Não é possível que continue isso no Brasil. Na Operação Lava Jato, o juiz Sérgio Moro homologou acordos e está julgando casos.

Há muitas opiniões de que o juiz Sérgio Moro estaria usando suas sentenças como forma tomar alguns réus como bode expiatório? Você avalia desta forma?
A impressão que eu tenho é que ele é um juiz muito bem intencionado. Ele acredita que, da forma que ele está conduzindo o processo, é o melhor para o país e para a Justiça. Não devemos minimizar que toda a equipe envolvida nas investigações, pois o juiz só julga, não tem poder de investigação, está enfrentando o que eles dizem ser uma corrupção endêmica, com sustentáculos no poder e atingindo pessoas que estão no poder. Eu acredito que todos estão imbuídos de um sentimento que nós também temos, que é o de ojeriza a corrupção. Como jurista, não posso aceitar é que, mesmo em momentos como esse, se violem garantias constitucionais, que se vilipendiem princípios, que não se preserve o devido processo penal, só por se ter interferência da opinião pública. No entanto, eu também entendo que a opinião pública se sensibilize com posturas como esta. Nestes momentos, temos que encontrar soluções que não firam as garantias constitucionais.  Minhas críticas são muito voltadas para a lei, que exige renúncia, por exemplo, ao direito ao silêncio. Isso é inconstitucional. O direito ao silêncio é renunciável. Ele pode não exercitar o direito ao silêncio, é diferente.

A rapidez nas sentenças, como podemos verificar nas decisões do juiz Sérgio Moro, é algo que pode contribuir para a violação das garantias constitucionais, como o da ampla defesa?
É bom que o processo ande e, inclusive, a lei fala sobre duração razoável dos processos. Ele não pode é andar na lei do atropelo. Não sei se isso está ocorrendo. Mas se isto estiver ocorrendo, cerceando meios de defesa, isso é absolutamente condenável. Em processos como esse, que envolvem vários investigados, alguns com prerrogativa de foro, alguns presos, investigações correndo, o que causa perplexidade e há, sem dúvida, um cerceamento ao exercício pleno da defesa, quando não se dá acesso aos acordos de delação. O acordo de delação pode ser sigiloso, a lei o preserva na fase pré-processual, na fase investigatória. No entanto, a lei diz que, a partir do momento em que há a denúncia, não há o porquê de se manter sigilo. A defesa não tem acesso aos meios de prova de forma integral. O que falta é uma lei específica em delação premiada. Muito do que se faz é sem base legal.

O juiz Sérgio Moro tem tido grande apoio da população por sua atuação na Operação Lava Jato. Nos últimos protestos contra o governo da presidente Dilma Rousseff, foi comum ver cartazes de manifestantes chamando Moro de herói. Como você avalia toda esta confiança da população em figuras do Poder Judiciário?
No Brasil, há um vazio de poder muito grande. O Brasil está carente de liderança política. Quando há espaço e vazio de poder, alguém ocupa. O próprio Supremo Tribunal Federal está sendo acusado de legislar, pois o Congresso Nacional está muito desmoralizado. Agora, você percebe que figuras do Poder Judiciário estão exercendo papel político, sem o batismo das urnas. Este vazio de poder, pela descrença com a classe política, está fazendo com que juízes assumam essa função política. Isso até no imaginário da população. O juiz Sérgio Moro é um exemplo.