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Entrevista

Saulo Casali faz balanço sobre período no CNJ e espera usar experiência adquirida na Bahia

Por Cláudia Cardozo

Saulo Casali faz balanço sobre período no CNJ e espera usar experiência adquirida na Bahia
Fotos: CNJ

Ex-titular do Conselho Nacional de Justiça, o baiano Saulo Casali representa uma voz contrária à atual gestão do órgão, que, comandada pelo ministro Ricardo Lewandowski, estaria esvaziando o CNJ. “O CNJ tem sido nesses dez anos de existência um marco no Judiciário, na medida em que permitiu a gestão estratégica, uniformização de procedimentos, vencendo resistências, principalmente nos âmbitos estaduais, que não tinham um controle sobre suas ações, e utilizavam por vezes indevidamente a autonomia que possuíam”, afirmou, em entrevista ao Bahia Notícias. O magistrado ainda comentou sobre sua experiência de dois anos no CNJ e sobre a instalação do TRF-1 [Tribunal Regional Federal da 1ª Região] em Salvador: “No Brasil, há apenas cinco tribunais regionais federais hoje, e há uma necessidade muito grande, ou de ampliação do TRF-1 ou de criação de novos tribunais. Inclusive o Congresso nacional já aprovou por emenda constitucional, a criação do tribunal regional federal da 8ª região com sede em Salvador, mas a efetivação dessa iniciativa foi suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal em uma ação direta de inconstitucionalidade”, afirmou Casali. 

Como foi ser conselheiro do CNJ por dois anos, representando a Bahia e dar votos que interferiram no sistema do Judiciário baiano. Como foi essa experiência?

Eu tenho dito que é uma experiência sempre muito rica. Atuar no CNJ, seja representando qual categoria for, pois ali há possibilidade de interferir na condução das políticas nacionais do Judiciário, atuando no aprimoramento da prestação jurisdicional, na correção dos atos administrativos, já que o CNJ tem essa função de controle administrativo e financeiro para o Judiciário. E ali, se trata de aspectos do planejamento estratégico do Judiciário, questões de gestão e também o aspecto disciplinar, já que o CNJ tem uma competência concorrente com as Corregedorias de cada tribunal. E o conselho atua em todas as instâncias e segmentos do Judiciário, seja trabalhista, federal, estadual, militar.
 
O senhor, em seus votos no CNJ, sempre defendeu que se fosse votado e julgado pautas, processos administrativos que priorizassem a Justiça de primeiro grau. Como o senhor encara a crise que o Judiciário enfrenta no Brasil, tendo em vista que, o tempo todo, as associações falam que é preciso que os tribunais priorizem a Justiça de primeiro grau?
Quando o CNJ começou a promover um controle estatístico - pois antes não havia uma estatística nacional do Judiciário - nos tribunais, logo se percebeu que a maioria dos processos se encontravam em primeiro grau de jurisdição e os recursos humanos e materiais não estavam, em regra, proporcionalmente distribuídos em relação a essa demanda. O CNJ então passou a ter uma preocupação em promover essa priorização do primeiro grau já que o maior número de processos ali está. E alguns atos, algumas resoluções puderam ser evitadas nesse sentido, mas a principal delas que é sobre a força de trabalho, mas o plenário ainda não concluiu a deliberação sobre a minuta, apesar da insistência de muitos conselheiros no sentido que fosse aprovada.
 
É a proposta que fala sobre equalizar a quantidade de gente que tem no primeiro e no segundo grau?
Exatamente. Isso pôde ser feito aqui na Bahia por interferência da Corregedoria Nacional de Justiça, que, em inspeções realizadas aqui na Bahia, promoveu várias interferências e sugestões que puderam ser implementadas já com resultados positivos obtidos.

Como é que foi o convívio com seus colegas no CNJ e o que essa experiência agrega ao seu retorno à Bahia?
Eu retornei à jurisdição para a Câmara Regional do TRF-1 [Tribunal Regional Federal da 1ª Região], que funciona em Salvador. O TRF-1 instalou uma câmara na Bahia, uma em Belo Horizonte e uma em Juiz de Fora, e essas câmaras receberam feitos basicamente previdenciários, porque apenas seis gabinetes do TRF-1 acumulam mais de duzentos mil processos, quase todos previdenciários, e o TRF-1 ele tem uma sobrecarga de trabalho muito grande, e ele abarca 14 estados, entre os quais a Bahia. No Brasil, há apenas cinco tribunais regionais federais hoje, e há uma necessidade muito grande, ou de ampliação do TRF-1 ou de criação de novos tribunais. Inclusive o Congresso nacional já aprovou por emenda constitucional, a criação do tribunal regional federal da 8ª região com sede em Salvador, mas a efetivação dessa iniciativa foi suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal em uma ação direta de inconstitucionalidade, e esse aguardo aqui no momento em que essa liminar for levada a ratificação pelo pleno, ela possa ser revogada, permitindo então a instalação, criação do Tribunal Regional Federal da 8ª região em Salvador.
 
É urgente a instalação desse tribunal aqui?
Seria muito benéfica, porque com o acúmulo que Brasília enfrenta, que é a segunda instância federal da 1ª Região não consegue dar,  de ser célere o suficiente e isso tem provocado demora nos julgamentos. A instalação das câmaras regionais é, inclusive, uma solução paliativa para tentar desafogar o segundo grau de jurisdição.
 
A câmara aqui em Salvador já está em funcionamento?
Já, já foi instalada desde fevereiro e vem julgando uma média de 241 processos, 240, uma média de 240 processos por sessão e vem funcionando desde fevereiro aqui em Salvador.
 
O CNJ pode interferir perante o Supremo Tribunal Federal para que essa liminar que impediu a criação de novos TRFs seja julgada o quanto antes?
Não, tanto o Conselho Nacional de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal possuem um funcionamento bastante presidencialista, porque compete ao presidente as decisões, eleger os itens que pretende incluir em pauta, de modo que, se a presidência não se convencer da importância de se deliberar sobre determinada matéria, essa matéria não será incluída em pauta. É um sistema que não é experimentado em regra nos tribunais, quando os relatores, na prática, logram a inclusão em pauta daquilo que solicita.
 
O senhor esteve envolvido no episódio de afronta ao Ministro Ricardo Lewandowski quando o senhor pediu a inclusão de um processo em pauta, porque o seu mandato estava encerrando. O senhor acredita que essa gestão do CNJ, comandada pelo ministro Lewandoswki, esvaziando a competência do CNJ? O CNJ pode perder o papel se via em alguns momentos, com aberturas de processos administrativos contra juízes, desembargadores?Esses processos beiram a prescrição, com dois, três anos, que não são incluídos em pauta.
Houve na última gestão a suspensão do processo de votação eletrônico, o que, para os conselheiros que vinham utilizando esse sistema, não foi uma medida bem recebida, porque o número de processos julgados por sanção caiu bastante. E à medida que o pleno do Conselho passa a deliberar sobre menos processos, o acúmulo de feitos começa a existir e isso não é positivo para o órgão. No momento, sabe-se que os atuais conselheiros estão na iminência de obter o retorno do sistema de votação eletrônica ao tribunal, e nós também devemos ter em mente que a proposta da nova Lei Orgânica da Magistratura nacional - a Loman, ela foi apresentada no plenário do Supremo para discussão e deliberação de encaminhamento ao Congresso, realizando uma diminuição das competências e condicionamentos que não estão previstos na Constituição para o Conselho Nacional de Justiça. E espera-se que a proposta seja analisada a contento para extirpar essas previsões, como por exemplo, se pretende que o CNJ não possa mais editar atos normativos, genéricos, que só possa editar comandos. Como sendo o regime federativo em que vivemos, a União possa dar conta de gastos nos Estados, tentou-se na proposta dificultar a votação de processos disciplinares, ou seja, uma série de inovações que certamente não serão aceitas e, que, se aprovadas, provarão certamente o esvaziamento, a diminuição do papel constitucional do CNJ. O CNJ tem sido nesses dez anos de existência um marco no Judiciário, na medida em que permitiu a gestão estratégica, uniformização de procedimentos, vencendo resistências, principalmente nos âmbitos estaduais, que não tinham um controle sobre suas ações, e utilizavam por vezes indevidamente a autonomia que possuíam.

O senhor acredita que o CNJ tem um papel fundamental para a instituição de metas pra melhorar a prestação de serviço aos jurisdicionados?
Com certeza. Todas as metas nacionais estabelecidas pelo CNJ foram importantíssimas. Agora, mais importante de todas, talvez tenha sido a Meta Nacional número 2, de 2009/2010, que estabeleceu o julgamento dos processos paralisados por tempo prolongado, e houve em todo o país um grande esforço de todos os juízes de todos os tribunais no sentido de priorizar o julgamento desses feitos, e os resultados em grande parte dos tribunais foi atingido plenamente. Isso foi importantíssimo, porque representou para o jurisdicionado o julgamento de um feito devidamente.
 
Os juízes, com o CNJ, passaram a ter um compromisso maior com cada processo que ele despacha, por conta dessa fiscalização que ele exerce?
Eu acho que essa edição de metas nacionais criou uma consciência em relação à que, por exemplo, não possa haver desperdício de meios materiais, não possa haver atraso e que se dê prioridade com relação a processos mais antigos. Essa consciência foi sedimentada pela ação do CNJ.
 
E como o senhor visualiza o órgão nos próximos anos, na próxima gestão, tendo em vista que ela terá a duração de dois anos?
O mandato por dois é sempre um mandato curto, tanto na gestão de tribunais quanto no CNJ. Na Europa os conselhos de magistratura têm mandatos mais longos do que os estabelecidos aqui no Brasil. E por seu turno, a própria composição das Cortes constitucionais nesses países também é por mandato, nove, dez, doze anos, muito diferente do que se faz aqui no Brasil hoje. Há iniciativas de emendas constitucionais já proposta no sentido de criação de mandatos para membros do setor público federal.
 
Falando um pouco da Justiça Eleitoral, o senhor atuou um tempo como juiz eleitoral aqui na Bahia, gostaria que o senhor fizesse uma análise sobre essa minirreforma política que foi aprovado e se o senhor acredita que o fim do financiamento privado é um caminho para o fim da corrupção?
Há países onde ocorre o financiamento público exclusivo de campanhas, há países onde ocorre o financiamento privado, há países que tem o sistema misto, o Brasil inclusive tem o sistema misto, e o que se percebe é que, no fundo, o problema não é tanto haver o financiamento ou haver o financiamento público, é o controle sobre as irregularidades. E esse controle parece que não vem se mostrando muito eficiente no Brasil. O risco de adoção do financiamento exclusivamente público das campanhas é de que a eleição possua movimentação de recursos não declarados, o chamado Caixa 2, e se não houver uma fiscalização, um controle sobre isto, efetivamente o estabelecimento do financiamento público não resultará em ganho algum ao eleitorado.
 
A própria OAB ingressou com uma ação no Supremo afirmando que essa mini reforma dá brecha pra doações ocultas. O senhor acredita que há mecanismos sendo estudados pra poder burlar a nova regra?
Eu acho que é possível que ocorra burla no novo sistema aprovado e a solução, sem dúvida, nenhuma passa pelo fortalecimento das organizações de fiscalização e controle, seja a polícia, o Ministério Público ou o Judiciário. Essas instituições devem operar no sentido de se coibir qualquer ato que seja indevido e haver uma efetiva criação de uma cultura de anticorrupção, de combate firme a impunidade, de não tolerância a esses atos que terminam prejudicando tanto a sociedade brasileira.
 
O senhor era um dos responsáveis pela comissão que implantou o PJE em todo o país. Aqui na Bahia a gente vê um embate entre a OAB e o Judiciário na implantação desse PJE. Porque é importante a implantação do PJE e qual a melhor forma de fazer isso?
A digitalização dos processos, ou melhor, dizendo - porque há uma diferença entre a digitalização de processos e a tramitação eletrônica do processo. O Processo Judicial Eletrônico é uma ferramenta que não pode mais ser recusada ao Judiciário. A tramitação do feito é acelerada em várias vezes. A segurança, na prática, nos atos processuais, a comodidade de poder peticionar de qualquer lugar do mundo e acessar o sistema e obter informações e peticionar é uma revolução no sentido do processo. E os ganhos já são experimentados por todos os juízes e tribunais que já adotaram o PJE. O CNJ desenvolveu um sistema nacional, que é oferecido gratuitamente aos tribunais, é um sistema que vem sendo aprimorado, aperfeiçoado de modo constante, porque sempre novas funcionalidades são incluídas e correções realizadas e novas técnicas absorvidas. E a Justiça do Trabalho deve ter até o final do todas as unidades judiciais utilizando o PJE. Já existem hoje mais de cinco milhões de processos, dos cem milhões em tramitação, que tramitam com o PJE. Houve uma resistência da Ordem dos Advogados muito grande à implantação, não de outros sistemas de processo judicial eletrônico, mas especificamente o sistema do CNJ, alegando, por exemplo, que o interior, norte do país, não teriam condições de adotar, quando a resolução 185 do CNJ que estabeleceu a obrigatoriedade até 2018 de instalar em todas as unidades o PJE, que exigia requisitos mínimos, que, caso não fossem atendidos, não permitiriam a implantação do PJE. E devemos lembrar que no norte do país é a região, onde até pelas distância existentes, há o maior grau e digitalização dos processos.  Essas resistências devem ser pouco a pouco vencidas e a implantação continua ocorrendo de modo bastante satisfatório. A expansão do PJE  ocorre como o previsto. A Justiça Federal já tem o PJE instalado na 5ª região. A 3ª região e a 1ª já iniciaram a instalação. Dos tribunais estaduais, 17 já adotam o PJE de modo que quando a conclusão estiver completa, a racionalização do processo e a celeridade serão ganhos evidentes com a mudança.
 
Isso tem que passar também por uma mudança de cultura dos juízes e advogados, que tem ainda aquela cultura de papel, para o meio virtual?
É, é muito comodismo, muitos ficam presos aos hábitos arraigados. E o futuro é o processo eletrônico. Exige uma adaptação, exige um desacomodar, mas isso nós vemos a todo o momento em vários campos, não apenas no processo eletrônico. E essas mudanças são inevitáveis.
 
Das sentenças que o senhor proferiu no plenário do CNJ em favor da Bahia, o senhor já vê os efeitos dessas decisões, principalmente nas unidades de primeiro grau e, sobretudo no interior aqui da Bahia?
A atuação do CNJ visa isto, e mesmo quando algum relator atua individualmente na apreciação de uma liminar, essa liminar pelo regimento é levada a referendo do plenário, e a decisão passa a ser, portanto uma decisão de todo o conselho, que tem se preocupado com a situação da Bahia, mas também de vários outros tribunais do país. E as ações adotadas pelo CNJ sempre foram no intuito de melhoria da prestação jurisdicional, melhor distribuição de recursos, critérios na criação de gratificações, distribuição delas entre primeiro e segundo grau, e nós vimos um esforço do Tribunal de Justiça da Bahia entre outros, no sentido de atender as determinações do CNJ e aprimorar a gestão.
 
O senhor acha que o Judiciário baiano merece uma atenção especial por figurar como um dos piores tribunais dos pais?
É uma deficiência muito grande na Bahia de quadro de pessoal, as unidades jurisdicionais funcionam com pouco efetivo e há um comprometimento muito grande do orçamento com os gastos de pessoal demandando um esforço de gestão a fim de se criar, resolver os problemas existentes. E se sabe, inclusive, que por conta de algumas recomendações do CNJ, o tribunal de Justiça já está alterando ou propondo alteração do quadro de pessoal, do sistema de remuneração do pessoal visando criar critérios uniformes e adequados.
 
É uma solução para a crise que assola o tribunal?
Há que haver uma distribuição adequada dos recursos humanos com priorização do primeiro grau, e numa situação onde os recursos são escassos a administração desses recursos é essencial para se conseguir que o serviço seja prestado à população.