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Entrevista

'É um tema que deveria ser mais discutido', diz especialista em direito marítimo

Por Cláudia Cardozo

'É um tema que deveria ser mais discutido', diz especialista em direito marítimo
Fotos: Jamile Amine | Bahia Notícias
"Mais de 95% do comércio exterior do Brasil é feito pelo mar. Há uma preocupação nossa em relação ao aproveitamento das riquezas que estão no mar. Então o mar é um componente importante das relações do Brasil". A constatação é do advogado Zilan da Costa e Silva Moura, especialista de direito marítimo, que levanta a importância do tema. Em entrevista ao Bahia Notícias, Zilan, que é um dos fundadores do Instituto de Direito do Mar, alerta para que os profissionais do direito, na Bahia e no Brasil, se aprofundem sobre esta área de atuação. "A Bahia, com o litoral e a posição geopolítica estratégica que tem, deveria ter desenvolvido e discutido muito mais esse tema aqui". Leia a entrevista completa.

Qual a natureza do direito marítimo? Está vinculado a algum tribunal? Quais os códigos que regem o direito marítimo?
Na realidade, o direito marítimo é um sistema autônomo no direito, como o direito civil, e está ligado no direito como um todo. Ele obedece aos princípios gerais do direito e é um direito muito antigo. A gente encontra atividade marítima na exploração e na expansão da cultura e da civilização. Então nós vamos encontrar resoluções desde a antiguidade sobre o trânsito de mercadorias, o trabalho dos marinheiros, a contratação, aluguel de navios e equipagem. Nós vamos encontrar isso nos fenícios, na Idade Média. Então o direito marítimo sempre esteve presente na evolução da sociedade. Por ser muito antigo, ele é extremamente complexo. Porque você tem a influencia de códigos que acabaram informando uma legislação mais antiga, que também acaba formando uma legislação mais moderna, tanto no ponto de vista nacional, quanto do ponto de vista internacional. Essencialmente, o direito marítimo é um direito internacionalizado. E é um direito importante, embora seja pouco conhecido. Ele é pouco conhecido no Brasil inteiro. É um número muito pequeno dentre nós que atuam e estudam essa área. Mas mais de 95% do comercio exterior do Brasil é feito pelo mar. Nós temos uma costa gigantesca, o Brasil é voltado para o mar, há uma preocupação nossa em relação ao aproveitamento das riquezas que estão no mar. Então, o mar é um componente importante das relações do Brasil. É um direito importante, que envolve tanto a parte privada quanto a parte pública. Nós estamos falando, por exemplo, desde a contratação de pessoas, o direito do trabalho marítimo. Nós temos o direito comercial marítimo, que hoje enquanto parte da legislação maritimista brasileira, a gente encontra no Código Comercial de 1851, que ainda está em vigor justamente essa parte. E uma legislação um pouco mais esparsa, que começa na legislação do tráfego aquaviário, segurança... enfim. Uma legislação bastante complexa e também as convenções internacionais ligadas a isso. A convenção de transportes e carga por meio marítimo. Você tem cargas perigosas. O próprio marinheiro brasileiro obedece, para seu conhecimento e informação, a mesma formação que um marinheiro norueguês ou de um marinheiro de outros lugares do mundo. Existe uma convenção internacional assinada pelo Brasil, que tem uma comissão permanente, por exemplo, na organização marítima internacional, e que atua diuturnamente na manutenção dos interesses do Brasil em relação ao mar. Então é uma atividade complexa.


Como um direito complexo, o senhor acredita que se torna mais latente, mais discutível na sociedade, com essa questão do petróleo, da extração da camada de pré-sal? Essa discussão do direito marítimo se torna mais recorrente?
Ele tem um ressurgimento, na realidade. Porque o Brasil, sobretudo o Rio de Janeiro, teve uma indústria naval muito forte na década de 80. Ela teve uma retração, e agora ela teve um bom de crescimento - embora agora tenha se estabilizado com algum decréscimo, passando pelos percalços que hoje ela está passando, ela travou o desenvolvimento nessa área. Mas as perspectivas eram bastante significativas. O planejamento em relação à exploração de petróleo indicava um aumento significativo no número de barcos – quando eu falo barcos falo navios, navios de apoio, etc. – no desenvolvimento da atividade. Isso significa que a gente espera uma retomada assim que a Petrobras incremente sua atividade de exploração de petróleo. Isso movimenta a economia como um todo, nós estamos falando da construção de navio, do aluguel de navio, treinamento de pessoas, tecnologia. Então é uma atividade que envolve uma série de setores e diria que é uma das áreas mais interessantes do direito.

E como ela rege o direito portuário, o direito dos trabalhadores portuários, as aduanas, aqui no Brasil?
Olha, você tem aí, inclusive, diversas áreas de atuação para o profissional que queira ingressar nesse mercado. Você tem o profissional que atua no porto, lidando com a questão de porto, equipamento, instalação e o próprio funcionamento do porto. Além disso, você tem as relações de mão de obra do porto. Aí você tem as relações de navio, o transporte da carga, o transporte internacional, portagem, uma serie de modalidades. Você tem o pessoal que trabalha no porto, o pessoal que trabalha no navio, o transporte de contêiner, o transporte de carga em grãos. Tem o pessoal que trabalha, falando de advogados, da parte de seguro. Aí essa mercadoria entra e sai do país, tem toda uma questão da legislação aduaneira. É um sistema complexo.

E qual sua especialidade dentro dessa complexidade toda desse direito?
Hoje eu atuo muito ligado a parte sindical, a parte de mão-de-obra a nível nacional. Sou coordenador de cinco sindicatos da marinha mercante, da área de trabalho, e atuo também na parte de contratos, na área de contrato de fretamento de embarcações. Essa é a área que eu mais atuo. E eventualmente quando ocorre algum sinistro, também a gente atua tanto na defesa do profissional junto ao tribunal marítimo, nos inquéritos, como também para as empresas eventualmente na gestão contratual.

Como o senhor avalia a questão portuária brasileira atualmente, quando boa parte do desenvolvimento da importação e exportação do país acontece via portos, da necessidade de melhoria e expansão dos portos brasileiros, até para desenvolvimento da própria economia do país?
É fundamental que toda infraestrutura seja desenvolvida. Nós temos uma legislação nova, estamos aprendendo a lidar com ela. A gente vem implantando novos portos e novas atividades logísticas, afinal o porto é uma atividade logística e quanto mais ajeitada for essa corrente de elos logísticos, mais eficiente e barata será a nossa exportação. Nós temos que reduzir custos porque nós temos na nossa pauta de exportação uma premissa importante que é a de produtos agrícolas. E qualquer custo adicional nessa linha de produção e exportação acaba onerando nosso produto. Isso afasta a competitividade. Hoje, o mundo é extremamente competitivo e os portos têm que estar encaixados nessa competitividade. A gente tem tido ganhos de competitividade ao longo do tempo, aprendemos muito. E na Bahia, nós temos os portos de Salvador e Ilhéus, os portos de Aratu. Temos alguns projetos aí em análise. Espero que eles vinguem e cresçam porque a Bahia precisa muito do desenvolvimento da área marítima.

Aqui na Bahia há alguma especialidade, um fórum, algum órgão que debata o direito marítimo?
Não. O que nós temos é uma comissão criada recentemente pela OAB, preocupada com essa atividade. A comissão especial de direito marítimo, uma comissão muito recente, que está agora se instalando. E nós temos que ver como ela vai desenvolver seus trabalhos. O que nós temos aqui na Bahia de interessante é um grupo de profissionais que está se desenvolvendo na área de direito internacional. Eu e alguns outros profissionais temos um grupo. É basicamente um grupo de pessoas muito inteligentes, de pessoas jovens que estão se desenvolvendo muito na área de direito internacional. Fundamos aqui na Bahia um instituto chamado "Instituto de Direito do Mar", que é feito com profissionais especializados do Brasil inteiro, mas está fundada aqui na Bahia. Dois baianos são da diretoria do instituto e nós queremos fazer justamente estudos direcionados ao direito do mar, que é o tratado do direito do mar. E fazer estudos nessa área eu acho extremamente importante, porque as pessoas têm a convicção que, por exemplo, o território brasileiro é de 200 milhas. E isso não é verdade. O território brasileiro é de 12 milhas. A área de 12 a 24 milhas é chamada de zona contígua. E de 24 a 200 milhas é uma área de exploração econômica, mas é área de direito internacional. Então, existe uma serie de questionamentos, como por exemplo, quem tem jurisdição sobre determinada circunstância, se a bandeira do país for diferente, então tem complicações técnicas aí que precisam ser examinadas.

O que o Brasil precisa avançar nessa questão do direito internacional e do direito sobre o mar?
Nós temos situações muito interessantes. Imagine a seguinte situação hipotética: você tem uma plataforma de petróleo que está 11 milhas distante da costa, essa plataforma tem bandeira de um país qualquer e a plataforma pertence a uma empresa holandesa, que subcontratou uma empresa indiana, que subcontratou uma empresa de Cingapura para fazer uma prestação de serviço técnico. E aí um empregado da Petrobras sofre um acidente dentro dessa plataforma. Aí eu pergunto: onde vamos fazer o processo de indenização? No Brasil? Mas está na área internacional do país que tem a bandeira na plataforma. Então, nós vamos ter que ir a esse país para fazer o processo? Mas a empresa contratante é holandesa, então tem questões de competência que precisam ser discutidas. Não é uma área assim aparentemente tão simples assim. Isso envolve uma capacidade de compreensão do direito internacional. Mas sobretudo essa atividade do direito aí, terá se voltado a abandonar os meios tradicionais de resolução de conflito, e passa a adotar, o que é uma coisa interessante, os meios alternativos de resolução de conflito, como a arbitragem e a mediação.

A arbitragem tem sido muito utilizada?
Extremamente utilizada. Eu diria que a maior parte, hoje, da atividade é feita em meios de arbitragem. Muito mais rápido e acaba sendo muito mais barato a longo prazo. Nós passamos a fazer as arbitragens. Normalmente fóruns internacionais falam das necessidades contratuais. Em Londres é uma coisa muito comum hoje, de se discutir questões contratuais em fóruns escolhidos pelos contratos. Agora para o profissional que quer entrar nessa área o primeiro e mais importante passo é o domínio verdadeiro do inglês. Em segundo, o domínio do direito internacional e, sobretudo o direito anglo-saxão.

Para esse conflito hipotético que o senhor mencionou o Brasil já tem alguma lei, alguma norma, alguma convenção que já norteia o caminho a tomar caso aconteça uma situação como essa?
Existem varias formas de a gente raciocinar o problema, embora, como tudo em direito, a gente analisa. Quanto mais a gente se aprofunda, mais a gente fica com duvida, não é? Sempre estudando mais. Existem algumas teses e algumas ideias interessantes também, mas a gente tem que esperar a posição do nosso tribunal e fazer uma avaliação mais pormenorizada.

A questão da abordagem de navios... aqui no Brasil acho que não acontece, mas a gente vê na Europa a questão dos imigrantes que vão pra Itália...
São questões naturais e muito antigas. Parece que é novidade, mas na realidade não é. O mar sempre foi um meio de transporte muito utilizado. Hoje nós temos o conflito na Síria e outras partes do mundo. A migração via marítima é muito grande. E como as pessoas estão fugindo, fogem como podem. Então tem gente que se aproveita, faz um comércio e lucra em cima disso. E segurança nunca foi uma preocupação de quem está fugindo ou de quem está comerciando esse tipo de situação. Realmente existe um momento muito grande de indícios de casos de ocorrências desse tipo, pelo o que a gente tem observado pelas notícias. É claro que a organização marítima internacional e os órgãos que pertencem à organização estão atentos a essa atividade. A gente tem, inclusive, alguns exemplos da Marinha italiana agindo de forma muito frequente na região do mediterrâneo, juntamente com outras também, mas atuando muito fortemente para a proteção desses imigrantes, que são imigrantes em tese, imigrantes ilegais, porque estão fugindo, mas que também são refugiados. Tem todo um conjunto de normas do direito internacional a serem analisados também, porque são refugiados. E outro problema muito constante e muito antigo é a pirataria. A pirataria ao longo da costa da África é muito significativa, não só na parte oriental, mas também na parte ocidental.

E qual a complexidade de se fazer um contrato com uma empresa hoje aqui no Brasil?
Hoje, os contratos de transporte são mais ou menos um padrão em torno de adesão, e normalmente tem fóruns fora do país. O exportador tem que ter muita atenção no contrato que faz e não é só o contrato de transporte. É o contrato de transporte que contém a figura do transportador. Você tem o transportador que não é dono de navio, tem uma série de complexidades para que o exportador também não fique carente de onde ter que, ou o importador também saiba de onde ter que buscar seus direitos, não é? Se o fórum de escolha for fora do país, ele vai ter que buscar seus direitos fora do país.

Quais são as relações que o Brasil tem com outros países nessa questão do direito marítimo?
O Brasil tem uma posição permanente na Comissão Marítima Internacional. O Brasil sempre foi signatário das convenções internacionais e implementa as convenções aqui no Brasil. Normalmente, quem chefia a missão do Brasil no comitê. Na assembleia, é a Marinha do Brasil em conjunto com o ministério das relações exteriores. E a Marinha é muito profissional no desenvolvimento dessas relações e nas convenções internacionais. Uma das que a gente acompanha mais é do treinamento e adequação da mão de obra, por exemplo. O grande problema da área marítima é a sua internacionalização. A língua é um elemento muito importante e as pessoas precisam falar outra língua. É uma das coisas que eu indico a qualquer estudante de direito que queira ou imagine entrar nessa área é que ele fale inglês e queira falar o mais perfeitamente possível.

Há algum curso específico, mestrado especialização, para essa área?
Aqui na Bahia não. Fora do país existem vários. No Rio de Janeiro, tem o curso da FGV, que é uma pós-graduação em direito marítimo. Nós temos um curso em Pernambuco, mas o eixo de atividade dessa área marítima infelizmente não está aqui na Bahia.

O senhor acha que a Bahia precisa discutir mais essa área do direito marítimo?
É muito natural que a Bahia, com o litoral, a presença estratégica e a posição geopolítica estratégica que tem, deveria ter desenvolvido e discutido muito mais esse tema aqui. Mas acho que isso acontece naturalmente. Tanto que houve a preocupação em criar uma comissão de direito marítimo, para discutir e implementar. E a medida que as necessidades forem surgindo, os profissionais também surgirão.

E o Estado precisa estruturar mais os portos da Bahia?
O Estado federal, pois os portos estão em área de competência da União. Então, sim, é preciso. E o desenvolvimento econômico passa pelos canais de distribuição, que são rodovias e portos. Nós temos que escoar toda a produção de grãos do oeste. Temos que escoar a produção de frutas do vale irrigado da Bahia. Então tem toda a produção mineral através de portos. Tem que ter toda infraestrutura adequada para que a gente faça isso de forma mais eficiente e barata.