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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

‘Tivemos desavenças, mas nos tornamos grandes amigos’, diz ex-ministro do STF sobre ACM

Por Lucas Cunha

‘Tivemos desavenças, mas nos tornamos grandes amigos’, diz ex-ministro do STF sobre ACM
Foto: Patrícia Gomes / Sindsefaz
O Bahia Notícias entrevistou o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso durante sua passagem por Salvador, onde participou de um seminário organizado pelo Sindicato dos Servidores do Estado da Bahia (Sindefaz). Velloso falou sobre os pontos que a justiça brasileira tem avançado desde 2006, quando deixou o STF por aposentadoria compulsória ao completar 70 anos, suas avaliações do ex e atual presidentes do STF, respectivamente Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, além de comentar sua relação com o falecido Antônio Carlos Magalhães, a quem chegou a dizer que “não era um homem de bem” em algumas trocas de acusações pela imprensa. As ásperas falas ocorreram enquanto o jurista mineiro era presidente do STF e o político baiano era presidente do Senado nacional. “Tivemos discussões sérias. Mas o tempo foi caminhando e ele se tornou um grande amigo”. Leia a entrevista completa.
 

Fotos: Patrícia Gomes/Sindsefaz
 
Bahia Notícias: Já se vão oito anos desde sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal em 2006. Quais pontos o senhor acha que temos avançado na Justiça desde então?
Carlos Velloso: Sobre o ponto de vista da democracia, vivemos um bom período muito bom e eficaz. Temos assistido a participação da sociedade na tomada de decisões. Vemos muito essa participação através das entidades de classes, sindicatos, associações que tem uma voz muito ativa. E temos assistido uma boa eficácia no jogo dos três poderes constituídos, o executivo respeitando as conquistas da sociedade e um poder judiciário cada vez mais atuante, estimulando inclusive o congresso nacional a tomar atitudes. Veja que coisa interessante tem sido algumas das últimas decisões do supremo. A questão do feto anencéfalo, por exemplo, que se debatia há um longo tempo, o STF proferiu uma decisão progressista, que é do nosso tempo, do tempo que vivemos. O avanço também na questão das chamadas uniões homoafetivas, entre homens com homens e mulheres com mulheres, que muitos ainda recebem ainda assustados, mas que é algo do nosso tempo.

BN: Mas o senhor acha que hoje em dia existe um período menor entre as demandas da sociedade e as decisões do judiciário?
CV: Sim, percebo sim. Os juízes vêm tomando decisões que garantem as conquistas constitucionais. Sintetizando, penso que vivemos um bom momento democrático. Temos que cuidar para que não haja um retrocesso e ocorra um aperfeiçoamento. Agora mesmo, estamos em um momento de campanha política, com os candidatos se manifestando com liberdade. O povo brasileiro está de parabéns por isso.
 
BN: Como o senhor avaliou a passagem do Joaquim Barbosa na presidência do STF e o que acha que podemos esperar no Ricardo Lewandowski no cargo?
CV: O Barbosa teve um bom período no STF. Ele se notabilizou como um juiz enérgico, em especial como relator da AP 470, a ação penal do mensalão. E agora é a vez de Lewandowski, que também vai ter bons momentos. Ele é um juiz experimentado, corajoso. Se Joaquim Barbosa teve a coragem de sustentar seus pontos de vista, na condenação dos réus do mensalão, Lewandowski teve também a coragem, que é própria do juiz, de preservar, emitir pronunciamentos liberais no momento em que a população, apoiada pela mídia,  pensava de outra forma. Então, você não tenha duvida, o ministro Lewandowski proferiu aqueles votos dele, ele condenou também muitos, mas aqueles votos liberais que proferiu, baseado na sua consciência, aquilo que ele estuda. Isto que é belo em um tribunal, em um colegiado, cada um manifestando o seu ponto de vista, fazendo valer o que representa sua consciência e sua ciencia. Por isso, então é fácil antever bons momentos para o supremo com o ministro.
 
 
BN: Na época do estouro do caso do mensalão, o senhor disse que considerava as penas para o caso de caixa dois muito brandas no Brasil. Como o senhor o desfecho do caso do mensalão? As penas foram brandas?
CV: No que toca ao caixa 2, continuo achando que precisamos ter mais severidade com este procedimento, que é nocivo para a sociedade e o erário. É realmente aquilo que o Márcio Thomaz Bastos, isso é coisa de bandido. Achava, sim, que as penas eram muito brandas, no âmbito eleitoral. Continuo achando isso. Foi na minha gestão como presidente do STF que foi reescrito o código eleitoral. Passou a ser algo encarado com severidade. Precisamos punir com severidade aquilo que chamamos de caixa 2. Antes, aparecia mais do que vai aparecer agora. Com os esclarecimentos que se fez e a repulsa da sociedade a esse tipo de delito. Quantas pessoas precisam comprar um imóvel por R$ 200 mil, mas a escritura sai por R$ 150 mil?. Alguém tem um caixa 2 aí, vai receber um dinheiro que não pode declarar ao fisco. Isso ocorre em diversos setores da sociedade, temos que combater e apenar com severidade.
 
BN: Após a sua saída do STF, o senhor voltou a advogar, sendo inclusive um dos advogados aqui do Sindefaz. O senhor acha que existe algum conflito ético em um ex-ministro do STF voltar a advogar?
CV: Se eu percebo que há algum conflito, eu recuso. Eu normalmente não participo do contencioso. Por exemplo, no caso do Sindefaz, eu aceitei porque fui servidor público por 51 anos, 40 como magistrado. Tenho pela classe dos servidores muita afeição. Assumi nesse caso, mas é difícil que isso acontece, fico mais nos pareceres. Minha advocacia é mais de consultaria, pareceres. Sou muito cuidadoso na questão ética. Mas exercer a advocacia não gera nenhum conflito. Mas no exercício é preciso certa cautela. Já fui convidado para emitir um parecer em um caso que percebi que não poderia emitir nada porque eu tinha sido relator de um caso que era justamente relacionado ao que estava posto em discussão. Então, neste caso, comuniquei aos advogados que me sentia impedido.
 
BN: O senhor teve desavenças históricas com o falecido político local Antônio Carlos Magalhães quando o senhor era presidente do STF e ACM era presidente do senado. Queria que o senhor falasse como ficou a sua relação com ACM após estes incidentes.
CV: É verdade, tivemos desavenças sérias, fortes discussões. Lembro de uma vez, no auge dessas discussões, vim a Bahia e nem o procurei, em um jantar aqui em Salvador nós nos ignoramos. Mas o tempo foi caminhando e ele se tornou um grande amigo.
 
 
BN: Mas essa busca da reconciliação partiu do senhor ou dele?
CV: As nossas desavenças centram em um único ponto, ele defendia as prerrogativas do legislativo e eu do judiciário. Pouco depois dessas desavenças, ele foi ao supremo e me concedeu a medalha da Ordem do Congresso Nacional. Eu senti muito seu falecimento, quando morreu nós éramos muito amigos. Fiquei feliz de chegar aqui e encontrar uma cidade bonia e limpa. Cumprimento o ACM Neto, ele está seguindo a linha do avô, isto é muito bom para a Bahia. 
 
BN: Como o senhor avalia a situação do sistema judiciário após o governo Lula e o atual governo Dilma? Houve uma melhora?
CV: Nada influiu, nem para melhorar nem piorar. O que fez melhorar foi a constituição de 1988, que facilitou o ingresso das pessoas em juízos, e fez do juiz um participante importante do jogo democrático, deixando de ser um simples resolvedor de problemas para entre particulares para interferir nos autos negócios públicos da administração. O juiz teve seu papel político ampliado significativamente. Quando falo política, falo no sentido grego da palavra, aquele que participa das decisões, em prol da sociedade.