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Entrevista

‘Foco da eleição tem sido deturpado para dar lugar a brigas’, diz procurador regional eleitoral

Por Francis Juliano | Foto: Jamile Amine / Bahia Notícias

‘Foco da eleição tem sido deturpado para dar lugar a brigas’, diz procurador regional eleitoral
Foto: Jamile Amine | Bahia Notícias
O procurador da República, Ruy Nestor Bastos Mello, assumiu no último dia 1º de agosto o posto de novo procurador regional eleitoral na Bahia, com Mário Alves Medeiros como substituto. Mello assume a vaga deixada por José Alfredo de Paula Silva, promovido em abril deste ano ao cargo de procurador Regional da República. Em entrevista ao BN, Ruy Nestor, que já atuou na área eleitoral no Ministério Público Federal em Sergipe, fala sobre o processo eleitoral baiano, a situação dos candidatos que aguardam a definição das candidaturas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA), além da propaganda eleitoral na TV, a qual, para o procurador, carece de mais propostas dos candidatos. "O foco da eleição tem sido deturpado para dar lugar a brigas, picuinhas", declarou. Leia a entrevista completa.
 

Bahia Noticias: O senhor trabalhou em Sergipe com eleições. Há alguma diferença entre baianos e sergipanos no que diz respeito ao comportamento eleitoral?
 
Ruy Nestor Bastos: As disputas políticas são semelhantes. A intensidade e a rivalidade em eleições municipais é praticamente a mesma. A diferença é que lá em Sergipe há uma sensação de maior respeito à legislação eleitoral. Não se vê placas em jardins e placas de forma irregular da mesma forma que a gente vê em Salvador. Esse ano, um colega me encaminhou um vídeo com ruas absolutamente limpas. Então, há uma sensação de maior respeito à legislação eleitoral, à Justiça Eleitoral e ao Ministério Público Eleitoral.
 
BN: É um comportamento típico do baiano disputar com mais exagero?
 
RNB: A disputa política, eu acho que é igual. Os argumentos, a briga política interna, as discussões e as críticas são semelhantes. Me parece que aqui há uma maior sentimento de afrontar a legislação eleitoral, de maior afrontamento à legislação eleitoral. Os candidatos deveriam ser os primeiros a buscar a limpeza das cidades e ter uma maior preocupação com o patrimônio arquitetônico e urbanístico. No entanto, a preocupação maior deles é com a propaganda.
 
BN: O senhor se refere tanto à capital como no interior do estado?
 
RNB: Capital e interior. No interior, a gente tem relato que a situação possui um descontrole até maior, com placas em estradas e rodovias, prejudicando a circulação de veículos. Como eu moro na capital, percebo mais isso. Mas no interior os relatos dizem que a situação está muito complicada.
 
BN: Quais são as questões mais irregulares nas eleições?
 
RNB: O que a gente vê é que tem muita propaganda nos canteiros centrais, em áreas gramadas, em áreas verdes, muito próximo de árvores, de conjunto de flores, de plantações, mas, no entanto, os candidatos têm deixado as placas. Muita irregularidade também à noite. A Lei Eleitoral diz que a propaganda só é permitida das 6 h às 22 h em qualquer local. No entanto, os candidatos continuam deixando as propagandas nas vias públicas após o período. Isso tudo é uma afronta ao que diz a lei, ao que diz o TRE, o que dificulta o trabalho do órgão, que tem de fazer essa atuação de retirar e apreender. 
 

 
BN: Existem atualmente 49 candidatos que aguardam a definição das candidaturas pelo TRE e outros 13 que foram liberados, mas foram contestados ou pelo Ministério Público ou por coligações. Como é que fica a situação desses candidatos?
 
RNB: Foram mais de mil processos de registros de candidaturas. A procuradoria entrou com 30 ações de impugnação com base na Lei da Ficha Limpa, essencialmente. Nesses mil processos, a procuradoria também atua como fiscal da lei e também se manifesta pelo deferimento ou indeferimento. Muitos foram indeferidos por ausência de apresentação de documentos. Porque não estavam com a filiação partidária legalmente prevista desde 5 de outubro do ano passado,  porque não tinham certidão de quitação eleitoral, são várias irregularidades. O TRE na maioria dos casos acatou o parecer do Ministério Público e indeferiu os registros. Nessa situação, os candidatos podem continuar a concorrer, eles têm direito ao recurso ao TSE, eles concorrem ‘sub judice’, a quantidade de votos que ele obtiver não vai ser declarada, nem divulgada, mas ele tem direito a concorrer, agora sob risco. Se o TSE confirmar a posição do TRE baiano, eles vão ser excluídos definitivamente.
 
BN: Essa decisão do TSE é rápida? Ela acontece até quando?
 
RNB: Não há prazo concreto. O TSE estabelece alguns prazos como uma previsão de cumprimento. Por exemplo, o prazo de 21 de agosto era a data limite para todos os julgamentos de registros de candidaturas. O TRE baiano não cumpriu até porque muitos dos casos exigem diligências, exigem oitivas de testemunha, então não deu tempo. Mas falta muito pouco. Faltam menos de cem processos. Semana que vem termina.
 
BN: Então, é possível que os candidatos sejam eleitos e durante o mandato eles serem cassados...
 
RNB: Se o processo de registro de candidatura não tiver sido julgado em definitivo pelo TSE agora, pode acontecer. 
 
BN: Demos aqui notícias informando que vários candidatos tiveram o registro de candidatura impugnado. Às vezes, o leitor lê a informação e acha que o candidato já está impedido de participar das eleições. Para esclarecer: o candidato impugnado não quer dizer cassado, não é? 
 
RNB: Isso. As ações de impugnação do MP, e de candidatos também, têm objetivo de mostrar à Justiça Eleitoral que existe uma causa que impede que essa pessoa seja candidata. Não quer dizer que os registros vão ser necessariamente indeferidos. É uma ação só, os candidatos terão direito à defesa, e no final o Tribunal vai julgar. Hoje, das 30 ações de impugnação, a maioria das ações se refere a decisões de Tribunais de Conta. O MP entende que basta a decisão do Tribunal de Contas para caracterizar a inegibilidade. O TRE, e a maioria da jurisprudência, entende que nesses casos é necessário que haja uma decisão da Câmara de Vereadores, acatando ou não o parecer prévio do Tribunal de Contas. Então, a maioria desses processos foi julgada improcedente e o candidato teve o registro deferido. O MP recorreu desses casos, foram 16 recursos até hoje junto ao TSE. Tem três candidatos que já foram indeferidos pelo TRE.
 


 
BN: Outra questão é a propaganda na internet. Por exemplo, na web é proibida a propaganda paga, mas nos jornais impressos é liberada. Por que a diferença? 
 
RNB: No jornal impresso, a propaganda paga é aquela do tipo santinho do candidato que é permitida também em sites do mesmo jornal. Na internet, é proibido em sites de pessoas jurídicas, como também o pagamento por esta propaganda. Pode haver propaganda no site do candidato ou em sites de pessoas físicas. Em redes sociais é permitido por ser uma grande sala de conversa, e as pessoas podem trocar ideias e fazer propaganda. 
 
BN: Entre outras questões, a Legislação Eleitoral proíbe a compra de votos até em promessa de algo futuro. Como é que se pode comprovar o favorecimento sobre algo que ainda nem ocorreu, só existe enquanto promessa?
 
RNB: A prova clássica desse tipo de caso de compra de votos é o relato testemunhal em que a pessoa manifesta ao MP e à Justiça de que algum candidato, ou cabo eleitoral a mando dele, ofertou algum tipo de benesse em troca do voto. Essa prova, todavia, tem de ser apreciada no seu valor na situação concreta. O MP e a Justiça não são ingênuos a ponto de conferir plena realidade a determinado tipo de prova testemunhal.  É muito comum, principalmente em eleições municipais, uma enxurrada de testemunhas denunciando compra de votos. Então, a prova mais importante, além do registro testemunhal, é sempre algum tipo de documento, como recibo de material de construção ou ordem de pagamento de cestas básicas. O que tem tido mais aceitação no âmbito da Justiça Eleitoral, embora haja algum tipo de divergência jurídica, é a gravação ambiental. O Supremo entende que é absolutamente válida.
 
BN: Então, o celular pode ser uma arma importante para denunciar crimes de compra de votos.
 
RNB: Tanto o celular como uma máquina fotográfica. Enfim, o eleitor dispõe desses mecanismos para poder fazer a gravação e encaminhar a denúncia ao MP.
 
BN: E o eleitor que quer fiscalizar. Como ele faz para chegar até à Justiça Eleitoral e fazer a denúncia?
 
RNB: São vários canais. O eleitor pode encaminhar diretamente ao TRE, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), que é a figura que personifica a Justiça Eleitoral, lá existe ouvidoria do TRE, que pode ser contatada por telefone. A 1ª e a 6ª eleitorais também no TRE, onde ele poder fazer a denúncia por escrito, com fotografia. O eleitor também pode encaminhar ao MP estadual, que fica lá no CAB também. Lá existe um setor chamado Nuel, que é núcleo de atuação eleitoral, que dá andamento. Ou na própria Procuradoria Regional Eleitoral, que fica no próprio TRE. E no interior, o eleitor pode encaminhar a denúncia ao promotor eleitoral. São 205 zonas eleitorais, salve engano, em todo o estado. Se não houver promotor eleitoral na cidade, o promotor de Justiça pode dar o encaminhamento. Nos sites do TRE e da Justiça Eleitoral também existe a possibilidade de encaminhar denúncias on-line, incluindo arquivos, fotos, vídeos.
 

 
BN: Qual é o número que o MP conta para dar fazer a fiscalização de um estado imenso como a Bahia?
 
RNB: Essa é uma pergunta muito difícil de ser respondida. Porque é um grande desafio essa apuração. Os órgãos de fiscalização sempre têm pouco pessoal de apoio, poucos servidores. A Polícia Estadual ou Federal sempre tem muito processos para ser investigado, o que retarda. No âmbito da Justiça Eleitoral, não há servidores suficientes para fazer a fiscalização. 
 
BN: O senhor trabalhou em eleições anteriores. O que essa campanha estadual traz de novo para o pleito?
 
RNB: Eu digo que essa eleição em particular tem tido uns embates muito fortes de propaganda eleitoral. As próprias coligações têm ajuizado ações umas contra as outras contra a propaganda política. O MP também tem entrado com as ações. 
 
BN: Em qual espaço tem havido mais embates entre coligações?
 
RNB: A propaganda eleitoral na mídia que começou há poucos dias já demonstra do que vai surgir novamente. Mas houve muita disputa de propaganda antecipada, uso de máquina pública, mas eu acho que o principal é a disputa nas ruas. Disputa de propaganda, de placa, de distância entre placas, e nos discurso de cada um. O foco da eleição tem sido deturpado para  dar lugar a brigas, picuinhas. No entanto, pouco se fala de propostas.