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Entrevista

Antônio Pessoa Cardoso - Corregedor das Comarcas do Interior

Por Niassa Jamena

 Antônio Pessoa Cardoso - Corregedor das Comarcas do Interior
Foto: Niassa Jamena / Bahia Notícias
O corregedor das comarcas do interior do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Antônio Pessoa Cardoso, conversou com o Bahia Notícias sobre as dificuldades enfrentadas pelo Judiciário baiano. Em defesa acirrada dos membros e servidores da Justiça do Estado, o desembargador justifica a lentidão judicial pela falta de estrutura e material humano nas comarcas da capital e, principalmente, do interior. "O juiz baiano tem muito mais de mil processos e não tem servidor. Ele não cumpre meta não é porque ele não quer, e sim porque não tem condição", argumentou. Cardoso também criticou as posturas que o CNJ tem assumido em relação ao TJ-BA. "O CNJ nunca se preocupou em oferecer condições melhores de trabalho. O CNJ só aparece para apontar erros, mas nós entendemos que antes de se descobrir erros, é preciso observar porque esses erros estão acontecendo", censurou.


Bahia Notícias - Quais os principais problemas das comarcas do interior?
 
Antônio Pessoa Cardoso - Com certeza é a falta de servidor e de juiz. E essa situação piora com a falta de condições para o trabalho. Nós temos fóruns que não têm a mínima condição de acomodar a Justiça. Em alguns interiores, a comarca é uma pequena casa que só chega a ter 7m² ou 10m². Não dá para ter cinco, sete servidores. Existem comarcas que têm apenas três servidores, quando deveriam ter mais de 25. São três servidores para todos os cartórios. No caso de Luís Eduardo [Magalhães, no oeste baiano] não tinha nenhum servidor. Nós [da Corregedoria] que promovemos a transferência de alguns servidores de Barreiras. Hoje a cidade tem quatro servidores do quadro e cerca de 40 da prefeitura, uma situação esdrúxula.
 
BN - De modo geral, fala-se muito sobre a ineficiência da Justiça baiana. Na sua avaliação, a situação está pior no interior ou na capital?
 
AC - Está ruim na capital e no interior. Mas eu acredito que no interior ainda esteja pior. Na capital, pelo menos, você tem a quem pedir socorro na hora. A corregedora está aqui, o computador está aqui, o diretor e o presidente [do Tribunal de Justiça] está aqui. No interior eles sofrem calados. A minha visita é que me deu condições de saber das dificuldades que eles têm e por isso eu me coloco como embaixador de cada comarca do interior aqui na capital. Servidor no interior sofre muito.
 
BN - Existe alguma previsão de concursos específicos para as comarcas do interior?
 
AC - Há algumas semanas, foi aberto um concurso para os cartórios extrajudiciais. Esse concurso, de certa forma, vai servir para os cartórios judiciais. Os cartórios extrajudiciais foram privatizados mas poucos delegatários assumiram os tabelionatos. De cerca de mil cartórios apenas 120 têm delegatários. Cerca de 90% dos cartórios está entregue ao Judiciário, que não tem condição de geri-los. Com o concurso, certamente, nós vamos ter delegatários e os servidores que estão nos cartórios extrajudiciais passarão para os cartórios do cível e do crime. Em Feira de Santana tem cartórios extrajudiciais que têm sete servidores. Eles sairão do extrajudicial para o judicial. Vai melhorar bastante. Mas precisamos também de concurso para os cartórios judiciais e para juiz. Para juiz foi realizado agora e devem nomear em setembro, mas essa nomeação já virá com uma defasagem. Ainda precisaremos de mais 200 magistrados, mesmo com a nomeação desses juízes. 
 
BN - O senhor afirmou em pronunciamento que o TJ-BA não demonstra inquietação com as críticas que recebe. Você acredita que todas as críticas dirigidas ao tribunal são injustificadas?
 
AC - São injustificadas. De fato, o Judiciário baiano não cumpriu as metas estipuladas pelo CNJ. No entanto, o CNJ não pode tratar o TJ-BA do mesmo jeito que trata os outros tribunais. Por que nós não cumprimos meta? Porque nós não temos juiz , servidor e nem estrutura. Como cumprir meta em julgamento de processo de improbidade? Processo de improbidade é muito complexo, exige muita formalidade e o juiz substituto não tem a mínima condição de julgar. Existem processos de homicídio que estão prescrevendo porque já passou 20 anos que o crime aconteceu e o processo não foi concluído. É culpa do juiz, do servidor? Não. Porque não tem juiz, não tem servidor. Eles recebem muita coisa para fazer e não sobra tempo. Tem juiz que tem 60 mil processos. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, um juiz, para ter mínimas condições de trabalho, tem que ter no máximo mil processos. Mas é mil processos tendo à disposição a quantidade necessária de servidores. O juiz baiano tem muito mais de mil processos e não tem servidor. Ele não cumpre meta não é porque ele não quer, e sim porque não tem condição. O CNJ nunca se preocupou em oferecer condições melhores de trabalho. O CNJ só aparece para apontar erros, mas nós entendemos que antes de descobrir erros é preciso observar porque esses erros estão acontecendo.
 

Fotos: Niassa Jamena / Bahia Notícias

 
BN - O senhor acredita que o CNJ, de certa forma, desconhece os problemas locais do Judiciário baiano?
 
AC - Não. Ele sabe de tudo porque eu mesmo já comuniquei. Eu comuniquei a situação de Luiz Eduardo, que é singular no Brasil, e o que  o CNJ fez? Nada. Tem dois meses que eu fiz a correição. Mandei dois juízes, cinco servidores, eu mesmo fui para lá. Fiz uma correição completa na comarca e apontei vários erros. Pedi providência ao CNJ e ao presidente [do TJ-BA]. O presidente alega que não tem dinheiro e o CNJ nunca alegou nada. Simplesmente continua apontando erros sem apresentar soluções. 
 
BN - Em relação às outras reclamações que o senhor fez ao CNJ houve algum retorno?
 
AC - Não. O CNJ vem à Bahia para dizer: ‘Olha, vocês estão errados porque o cartório de Vitória da Conquista tem muitas filas e demora para o cidadão ser atendido.’ É verdade? É. Mas nós temos feito tudo. Nós recomendamos ao servidor: ‘Eu não quero fila, dê um jeito. Distribua senha para ser atendido amanhã, depois de amanhã, qualquer dia.’ Mas tem momentos que não tem jeito. 
 
BN - Você cita a falta de estrutura e a ausência de recursos como alguns dos problemas do Judiciário baiano. Existem ações empreendidas pelos membros e servidores para mudar essa situação?
 
AC - Existe. O servidor dá o sangue, dá a saúde. No interior tem servidor e também juiz que vai trabalhar sob efeito de medicamento. Tem servidor que tem mais de 30 anos sem tirar férias. Tem juiz que tem mais de 12 anos sem descanso. Alguns servidores levam trabalho para casa e trabalham à noite para ver se ameniza o sofrimento do jurisdicionado que não é atendido como devia. Só que isso não resolve porque a demanda é muito grande. 
 
BN - Como o senhor avalia a gestão de Mário Alberto Hirs à frente do TJ-BA?

 
AC - Os presidentes dos tribunais são eleitos através de um sistema que eu critico: eles são escolhidos por desembargadores. Não é democrático isso. O Mário Alberto foi um bom juiz e como desembargador exerceu bem sua função. No entanto, ele tem suas limitações. O juiz não foi preparado para administrar, ele foi preparado para julgar. É por isso que a maioria das administrações dos TJs do Brasil não têm se saído bem.  A maioria dos desembargadores e dos juízes não tem preparo nenhum na área administrativa. E, além disso, tem a dificuldade financeira que o presidente [do TJ-BA], por exemplo, se queixa muito. ‘Por que não faz concurso? Porque eu não tenho recurso. O governo não repassa o valor que nós precisamos.' O cidadão pensa que o Judiciário é independente, mas a gente depende do Executivo para repassar recursos para podermos pagar os servidores.
 
 
BN - Em sua opinião, como deveria ser a escolha dos presidentes dos tribunais?
 
AC - Deveria ser eleição direta. Os desembargadores, os juízes e os servidores deveriam votar. Democracia para mim é isso. O Judiciário fala muito em democracia, mas a democracia não é praticada aqui. Aqui [no TJ-BA], no STF e em todas as outras instâncias a formação da diretoria é escolhida dentre os mais antigos. A escolha tem que ser através de voto direto. O presidente vai gerir o patrimônio físico e imaterial do tribunal. Ele vai ser responsável por todos os servidores e magistrados. Um homem que tem uma função importante como essa é eleito pelo critério de antiguidade. É o único critério utilizado. Tem que escolher entre os cinco mais antigos, ou seja, a meritocracia está na antiguidade.
 
BN - Quais as providências que a corregedoria está tomando com relação aos processos contra os juízes do interior que foram acusados de abuso de poder, morosidade e outros crimes?
 
AC - É muito difícil o andamento de processo contra juiz porque a própria lei é cheia de formalidades. Nós acabamos de decidir pela abertura de um processo administrativo contra um juiz. Abrimos o processo em 90 dias, mas foi muito difícil. Se nós não contássemos com o apoio pessoal do corregedor de São Paulo, não teríamos aberto esse processo. O corregedor de São Paulo, a meu pedido, é que se movimentou para intimar o juiz e nós cumprimos o prazo. Nunca se cumpre prazo, principalmente, contra os juízes. A lei exige várias formalidades que não têm condições de serem cumpridas. Mas nós estamos agilizando. Estamos apurando as irregularidades cometidas tanto por servidores como por juízes. Estamos agilizando dentro do que é possível e das formalidades que a lei exige. 
 
 BN - Existe alguma ação feita em parceria entre as corregedorias do interior e da capital?
 
AC - Nós trabalhamos em conjunto. Tudo o que nós fazemos consultamos um ao outro para ver se dá um provimento ou uma portaria conjunta. No mês de agosto, as corregedorias vão lançar o Código de Normas, que vai reger o trabalho dos cartórios extrajudiciais. A Bahia não tem e nós vamos lançar. O casamento entre pessoas do mesmo sexo foi um provimento entre as duas corregedorias, por exemplo.
 
 
BN - Em relação às dificuldades de abrir e levar adiante  processos contra juízes, é apenas a lei que dificulta os trâmites ou o pedido de abertura e o julgamento dos processos serem feitos por membros do Judiciário também influencia de alguma forma?
 
AC - Não vou dizer que não existe um corporativismo. Em todos os segmentos há corporativismo. No nosso é natural que tenha, afinal, o Judiciário é formado por homens que têm falhas e defeitos. Mas além desses problemas conjunturais também há o problema da lei. A lei é muito formal. Todos nós criticamos os recursos, por exemplo. Por que demora a finalização de um processo? Por causa da formalidade. Recentemente o próprio CNJ anulou um processo aberto por nós, sob a alegação de que o juiz não tinha sido intimado para a sessão. O juiz foi intimado para aquela sessão e não compareceu. Ele deveria ter comparecido naquela sessão. Estava publicado que se não fosse julgado naquela sessão seria julgado na outra. Houve o julgamento na sessão seguinte e o processo foi anulado. São essas formalidades que atrasam tudo.
 
BN - O senhorjá disse que o governo é um dos culpados pela lentidão do Judiciário porque muitas das ações são abertas pelo Estado ou contra ele. Além desse motivo, haveria uma culpa pela falta de apoio e subsídio?
 
AC - O governo, em todos os níveis, é o maior culpado. O Judiciário deveria trabalhar conjuntamente com o Legislativo e o Executivo. O executivo já engoliu o Legislativo. Hoje, o legislativo funciona em função do que quer o governante. E o governante, não satisfeito com isso, quer abocanhar o Judiciário. E como é que ele tem feito isso? Cerca de 80% das ações que nós julgamos envolvem o governo. Na medida em que o Estado usa o Judiciário para discutir pequenas coisas que ele mesmo poderia resolver através dos seus órgãos e autarquias, prejudica o jurisdicionado e o Judiciário. O jurisdicionad, porque toma o espaço dele e o Judiciário porque tem que atender o Estado e isso dificulta o atendimento ao cidadão. Em relação ao financeiro, o Judiciário não é independente como se fala por aí. O Executivo faz suas contas e repassa dentro o valor que entende que é correto. Os 6% que o executivo repassa para o Judiciário às vezes não é 6%, é 5,5% ou 5%. À medida em que a verba diminui, dificulta a movimentação da máquina judiciária.