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Violência doméstica: Caso do cantor Victor da dupla "Victor e Léo"

Por César Faria

Violência doméstica: Caso do cantor Victor da dupla "Victor e Léo"
Foto: Bahia Notícias

Nos últimos dias, tornou-se escândalo nacional um grave desentendimento na família de Victor Chaves da famosa dupla sertaneja “Victor e Léo”. Sua esposa Poliana, grávida do segundo filho do casal, registrou na sexta-feira (24/02/17) um boletim de ocorrência contra o marido, na Delegacia de Mulheres da cidade de Belo Horizonte, afirmando que foi jogada no chão e chutada por Victor. Estranhamente, embora tenha recebido a guia para exame de corpo de delito na ocasião, não foi ao IML realizar o exame que comprovaria a materialidade do crime de lesão corporal, do qual disse ter sido vítima. O caso ganhou enorme repercussão negativa nas redes sociais, tendo a Rede Globo anunciado o afastamento do cantor do programa “The Voice Kids”, no domingo seguinte.  No mesmo domingo, no programa “Fantástico”, é entrevistado o cantor que nega a agressão e divulgada uma nota assinada pela sua esposa, na qual afirma que “Vitor não a machucou e nunca a machucaria” e que resolveu fazer a perícia no IML, agora para provar o contrário do que afirmara no boletim de ocorrência na sexta-feira, que não sofrera qualquer lesão e que não queria uma apuração de natureza penal.

Sem entrar no mérito da questão e desde já repudiando, veementemente, a violência doméstica, supostamente ocorrida, é oportuno prestar alguns esclarecimentos no âmbito jurídico-penal.

A ação penal no caso do crime de lesões corporais de natureza leve, que antes era pública incondicionada, a partir da Lei do Juizado Especial Criminal (Lei 9099/95), passou a ser pública condicionada à representação da vítima (art.88).  Todavia, com o advento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), por força do seu art.41 (“aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9099/95”), continuou a ser, neste caso, de ação penal pública incondicionada (art. 100, CP). Logo, a sua apuração independe da vontade da vítima.  A discriminação contida no art. 41 da Lei Maria da Penha foi questionada através das ADI 4424 e ADC 19, tendo o Supremo Tribunal Federal considerado constitucional tal dispositivo, no sentido de dar maior proteção à mulher, que poderia ser pressionada a se retratar da representação.

Portanto, no presente caso, a esposa do cantor Victor, ao registrar o Boletim de ocorrência como vítima de violência doméstica, comunicou à Delegacia de Mulheres a ocorrência de crime de ação penal pública incondicionada, sendo dever da autoridade policial dar seqüência a apuração independente da posterior retratação da vítima.

Ao emitir nota desmentindo a ocorrência policial que registrara dias antes, poderá a esposa do famoso cantor responder pelo delito de comunicação falsa de crime ou denunciação caluniosa, ambos também de ação penal pública incondicionada e o exame de corpo de delito, que antes seria a prova material do crime de lesões corporais, poderá se constituir em decisivo elemento de prova da inexistência do crime que imputou ao seu marido.

Não fosse o polêmico art. 41 da Lei 11.340/2006, bastaria a renúncia à representação, com a observância das garantias e cautelas exigidas pelo seu art. 16, de somente ser admitida perante o Juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Ademais, é sabido que, ainda que seja pública incondicionada, sem a colaboração da vítima, dificilmente será deflagrada a ação penal e muito menos haverá punição.

Doutro lado, se no caso em comento, fosse o marido a vítima, bastaria se retratar da representação contra sua esposa na Delegacia mesmo e o caso estaria encerrado.

Apesar da respeitável posição do STF, é preciso ainda repensar a função do direito penal em área tão sensível, fora da ótica meramente punitivista que parece ter tomado conta do País, considerando o relevante papel da vítima no processo penal como um dos sujeitos processuais e não mero objeto a ser tutelado. 

CÉSAR FARIA 
Advogado criminalista, Professor da Faculdade de Direito da UFBA e Presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.