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A Tirania das Boas Intenções

Por Zilan Costa e Silva

A Tirania das Boas Intenções
Foto: Divulgação
Punir criminosos é uma boa intenção.
 
Não há quem hoje objete a tão importante tarefa tal a sensação de insegurança que nos acompanha e domina.
 
Todavia, quando a lei deixa de ser um escudo para a proteção da pessoa, de qualquer pessoa, e se torna uma arma nas mãos do Estado, a liberdade morre; independentemente da forma de governo e de quem está à sua frente.
 
Estamos sistematicamente perdendo os direitos fundamentais que nos protegem da tirania, estamos deixando sistematicamente que membros do braço repressor do Estado tenham a obrigação de prestar contas ao povo, a quem devem servir. 
 
Os acusadores públicos devem sempre explicar o que, o como e o por que do que fazem. 
 
Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas de auto-avaliar a obra feita, de dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou.
 
Os direitos fundamentais, que nos protegem do mau uso da lei como forma de opressão do povo, são conquistas humanas e o produto de um milênio de lutas, assim como de muito sangue derramado. A sua preservação é um dever, mais, é uma enorme responsabilidade de cada geração. 
 
Responsabilidade essa cada vez mais negligenciada.
 
A nossa liberdade está baseada na restrição da ação do Estado pela Lei, em defesa do indivíduo, quem quer que seja ele. 
 
Quando a lei é negligenciada para melhor perseguir os culpados, também é arrancada dos inocentes. Ou, como nos perguntou Thomas Moore: o que devemos fazer se aqueles que caçam demônios decidirem nos caçar? Se as leis são deixadas de lado, que proteção tem os inocentes? 
 
Uma pequena liberdade aqui, um precedente ali e os direitos fundamentais se transformam em história, uma clareira onde antes existiam árvores firmes e frondosas.
 
O devido processo, o estado de inocência, o direito à defesa, a proibição de punição fundada em presunções, a proporcionalidade, tombam em favor das boas intenções. 
 
E o pior: aos aplausos de uma multidão em catarse.
 
Como protetor de todos os cidadão, o Estado deve assegurar a todos acusados de cometer um crime um tratamento justo e ao intransigente respeito de seus direitos ao longo de todo o processo judicial. 
 
Para fazer Justiça o Estado não pode inquinar-se através da violação da Lei, mesmo que para punir um culpado: o Estado pode dar golpes duros, jamais sujos.
 
As boas intenções transformam o Direito, de escudo dos inocentes em arma da polícia. 
 
Perdendo a lei encontramos a tirania. 
 
Quando a Justiça se esfacela o resultado é a opressão, que temos a obrigação de a todo custo evitar.
 
Não devemos nos esquecer do passado e com suas lições precisamos aprender.
 
Ao tempo em que já não há mais espaço para que culpados deixem de ser punidos - justamente - por seus atos, é preciso o sagrado respeito à lei, sem interpretações falaciosas e interesseiras, mas uma verdadeira interpretação protetora do indivíduo.
 
Para mover-se a máquina da Justiça penal, o braço forte do Estado, é necessário um conjunto mínimo e verossímil de evidências, obtidas sob os auspícios da lei, é preciso de uma marcha estritamente obediente às regras pré-estabelecidas e o respeito inarredável das liberdades individuais.
 
Precisamos de alguma forma ultrapassar o frenesi, que muitos experimentam hoje, de guerra santa para a destruição do “mal” e passar a agir com mais serenidade e racionalidade.
 
Do contrário se banaliza a Justiça e os direitos dos indivíduos e quem hoje aplaude corre o risco de amanhã ser por ela engolido tal qual Saturno engole seus filhos no quadro de Goya.
 
 
* Zilan Costa e Silva,  advogado. Costa & Silva Advogados 
www.costaesilva.net