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As características do crime organizado no Brasil e no mundo

Por Luciano Bandeira Pontes

Luciano Bandeira Pontes
Advogado criminalista; especialista em ciências criminais; professor de direito penal, processual penal e criminologia. Professor da FABAC – Faculdade Baiana de Ciências.

 


 

As características do crime organizado no Brasil e no mundo

 


 

O crime organizado no Brasil tem se mostrado cada vez mais eficiente nas suas investidas contra o poder público e a sociedade como um todo, quer seja no seu poderio, quer seja na sua atuação, ou até mesmo na sua rápida adaptação aos tempos modernos e utilização de avançados mecanismos tecnológicos.

 

A sociedade organizada se questiona: como os transgressores da lei e da ordem conseguem se estruturar de forma eficiente, estando sempre numa posição de vantagem frente aos senhores responsáveis pelas políticas de segurança pública?

 

Mais uma vez a população anestesiada com o cartão Bolsa Esmola; ou melhor, Bolsa Família, e acreditando naquele discurso do nunca antes na história desse país, continuará refém de grupos que se instalaram no Planalto Central e grandes cidades para fomentação do terror e transformação dos números alarmantes da criminalidade em algo rotineiro.

 

1 - ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

 

Nota-se a presença da divisão do trabalho, aliado a uma centralização do controle da descentralização das ações. A capacidade de incorporação e substituição imediata de seus integrantes, em varias camadas da estrutura, sem que percam o foco das suas atividades são características de permanência e estabilidade.

 

A constituição de um grupo criminoso que atua de maneira organizada pode variar de acordo com a sua capacidade, área de atuação, objetivos e modus operandi.

 

Com o objetivo de obter êxito em suas atividades ilícitas, necessita contar com algumas características que, igualmente ao seu conceito, a doutrina não conseguiu padronizar. Tentarei aqui direcioná-los de forma objetiva e clara para uma compreensão do leitor.

 

2 - CARÁTER TRANSNACIONAL

 

É a característica mais expressiva da organização criminosa, no que tange a criminalidade atual, que debilita a estrutura do Estado pelo fato de se encontrar limitado territorialmente em sua constituição geográfica, na medida em que não respeita fronteiras e apresenta características próprias em cada país. Geralmente encontra-se fixada numa base territorial, com ramificações em outros locais e outras regiões.

 

Os grupos criminosos possuem uma tendência e consolidam tal orientação tornando-se transnacionais, tendo em vista que a atuação não só extrapola as fronteiras nacionais, como também se utiliza desta capacidade para atingir seus fins, vez que a polícia e os aparelhos repressores do Estado só poderiam atuar dentro de um território delimitado.

 

3 - PLANEJAMENTO EMPRESARIAL

 

Não seria de se estranhar que tais grupos criminosos possuíssem estrutura e planejamento empresariais, com constituição legal de acordo com as leis locais de cada lugar, envolvendo custos das atividades, formas de pagamento do pessoal, recrutamento de pessoas qualificadas, levando-se em conta o perfil de especialização, programação de fluxo de mercadorias e até mesmo a implementação de logística adequada para cada atividade, até porque quanto mais estruturada a organização criminosa menores são os riscos nas suas atuações.

 

O planejamento das organizações criminosas é a especificidade mais marcante, não sendo complexo o entendimento que o dinheiro está aliado ao poder e o caminho reverso também é verdadeiro, onde o poder conduz ao dinheiro. Não há outra ideologia que não seja o da obtenção do lucro, em suma: não há que se falar em ideologia política ou social.

 


4 - HIERARQUIZAÇÃO DO PODER

 

É de domínio geral que existe no seio de cada organização criminosa uma hierarquia piramidal, onde os operadores se localizam na base. No meio da pirâmide se localizam os facilitadores ou gerentes e no ápice os chefes ou cabeças, concentrando-se aí o poder de decisão.

 

A hierarquia é mais forte que a militar, vez que os fracassos das missões e operações são decididos com a pena capital. A pena de morte numa alusão a um poder paralelo é fator determinante para se chegar a uma conclusão: as organizações criminosas produzem suas próprias leis e possuem seus tribunais de julgamentos sumários

 

Existe ainda um rigoroso controle nas divisões das tarefas, levando-se às últimas conseqüências qualquer ruptura à sua obediência. Nem as instituições militares em suas diversas missões impõem tanto temor às conseqüências do desrespeito às ordens dadas, até porque a organização criminosa não encontra amparo legal nos seus limites de atuação.

 

A aparição em todas as ações dos indivíduos denominados racionais facilita a explicação por mecanismos. Em cada etapa do processo, há um indivíduo racional decidindo intencionalmente com o objetivo de alcançar benefícios e expandi-los.

 

Os patamares estruturais tomam conhecimento somente dos fatos necessários para a sua operacionalização, dificultando informações à polícia e infiltrações policiais. Além disso, impõe-se aos componentes da organização o servilismo e fiel cumprimento às leis do silêncio, por conta da constante violência e ameaça. 

 

O que se observa nesse tipo de estrutura é que cada etapa do cumprimento de tarefas nas operações deverá ser efetivada por um membro especializado e com habilidades próprias, não permitindo erros em tais execuções que possam levar a polícia ao seio da “instituição” que é preservada por todos os membros e até mesmo por outros grupos criminosos que dependem da existência de outros grupos.

 

5 - PODER ECONÔMICO FINANCEIRO

 

É a representatividade dos recursos da organização criminosa, que podem estar distribuídos no próprio país ou no exterior. No país, isso fica patente com as figuras dos “testas-de-ferro” ou “laranjas”, que geralmente são os empregados de empresas de fachada, mas que apresentam altas movimentações de numerários, empresas de apoio (logística), imóveis rurais e urbanos, veículos, aeronaves, embarcações e etc...

 

No exterior, isso fica visível nos recursos que são destinados a paraísos fiscais, empresas “off-shores” e movimentações nas bolsas de valores por todo o mundo, haja vista é uma forma eficaz de driblar o controle dos países mais empenhados em diminuir a atuação de tais organizações.

 

Pelo poder econômico é que entram no mercado com o potencial de abalar as estruturas do poder constituído do Estado por meio da corrupção, até porque a luta do poder institucionalizado contra o dinheiro sujo é hercúlea e muitas vezes a organização criminosa se sai vencedora.

 

6 - PODER DE REPRESENTAÇÃO

 

Uma organização criminosa precisa, para a sua manutenção, desta forma de poder. É neste departamento que fica evidenciado a influência e a corrupção política em todas as esferas do ente estatal, quer seja na esfera da polícia, que seja na esfera do Poder Judiciário, que seja na esfera dos cargos mais elevados do poder executivo.

 

Tal influência se traduz em projetos de redução das penas, indultos, tratados, convênios, acordos nacionais e internacionais, além das anistias. E sem medo de errar pode-se dizer que as organizações criminosas conseguem produzir no Poder Legislativo benefícios que passam despercebidos ao crivo da opinião pública e a sociedade é a parte mais prejudicava.

 

Verificam-se, ainda, as interferências das Organizações Não Governamentais - ONGs, (descriminalização das drogas), lideranças sindicais, entidades de classe, pastorais, etc..., exercendo forte pressão nos governos e instituições. Essa interferência se estende aos órgãos policiais, Poder Judiciário e outros órgãos fiscalizadores, fazendo com que o poder desses grupos criminosos se expanda cada vez mais e dificultando o seu controle.

 

Quando não há o comprometimento deste poder pelo convencimento, há, então, o emprego da violência. O importante para o grupo é que os seus objetivos sejam atingidos, custe o que custar; nem que para isso pessoas inocentes paguem com a própria vida. No entanto, o que mais causa perplexidade é o envolvimento de autoridades de todos os escalões do Governo. Para as organizações criminosas o necessário é: quanto mais gente importante envolvida, maior será o sucesso da mesma e a chance de ser punido é remota.


 

7 - FACHADA LEGAL

 

As entidades criminosas têm em seu organograma instituições de caridade, fundações sem fins lucrativos, escritórios imobiliários, agências de turismo, escritórios jurídicos e empresas de diversos ramos de atividade, com o objetivo de dificultar a ação da polícia e do Poder Judiciário.

 

As organizações são coordenadas, planejadas e operacionalizadas de tal forma que suas estruturas e atuações podem mudar de base no país e no exterior, sempre eu houver ameaças aos seus interesses, acarretando o mínimo de perda nos lucros já computados. Sua mobilidade encontra-se minuciosamente planejada a fim de que não possa ser rastreada pelos órgãos repressores do aparato estatal. Tudo isso porque as empresas de fachada tratam de dar esse suporte logístico e de convalidação da atividade delitiva.

 

Essa forma de atuação obtém êxito porque as organizações funcionam de forma clandestina, com elevados lucros, legitimados perante a sociedade por uso de estruturas de fachada, composta por atividades lícitas e que cumprem seu papel social. Os verdadeiros chefes ou cabeças das organizações criminosas se escondem por detrás destes grupos, se apresentando para a sociedade como empresários respeitáveis ou mantenedores de entidades filantrópicas, mas a fachada legal serve de disfarce e se constitui numa simulação contra a fiscalização do Estado.

 

8 - DEMANDA DE MERCADO

 

Como toda atividade empresarial, no crime organizado não poderia ser diferente, segue as tendências do mercado consumidor e cada vez mais globalizado.

 

Eugênio Raul Zaffaroni (“Crime organizado”: uma categoria frustrada, in, Discursos sediciosos: crime, direito, sociedade/ Instituto Carioca de Criminologia, n° 1, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.) ao valorizar o aspecto do mercado ilícito, visualiza a instituição criminosa como o conjunto de atividades ilícitas que operam em todos os tipos de mercado, principalmente disciplinando-o quando as atividades legais ou o Estado não o fazem. Em vários setores exploram atividade proibida, que, no entanto, não recebe censura da sociedade, a exemplo dos produtos contrabandeados de paraísos de comercialização, como o Paraguai.

 

A estratégia é racional e segue uma lógica, vez que uma das características marcantes das instituições criminosas é a obtenção do lucro através de bens e serviços escassos, proibidos ou repelidos pela sociedade no tocante ao aspecto moral. Todo esse cenário encontra campo fértil na clandestinidade e numa rede de conexões que asseguram o sucesso do empreendimento. Tal dificuldade na obtenção de bens e serviços é que os torna preciosos e valiosos, fazendo com que se torne cada vez mais atrativo as organizações se formarem e começarem a operar.

 

9 - USO DE MODERNOS MEIOS TECNOLÓGICOS

 

O crime organizado possui formas de instrumentalidade de tecnologia avançadas, onde se aliam às formas tradicionais de cometimento de crimes, fazendo com que a moderna tecnologia permita a sofisticação e o requinte das empreitadas criminosas, tornando a cada momento difícil a atuação repressora do Estado.

 

Com o avanço da informática e com a rapidez da globalização as organizações criminosas conseguem viabilizar novas maneiras de cometer os delitos por meio da manipulação da informação, falsificações perfeitas, acessos a informações confidenciais, destruição de arquivos, crimes eleitorais, apologia ao crime, manipulações com cartões de créditos, etc...

 

Aliado a tudo isso, o crime por meio do computador tem facilitado a prática do delito transnacional, além do fato de os agentes não precisarem se deslocar até o local do crime ou ordenar que os executores assim o façam; dificultando, assim, mais uma vez a atuação da polícia e do aparato repressor do Estado.

 

10 - CORRUPÇÃO

 

O crime organizado não tem como objetivo específico a busca do poder estatal, mas o comprometimento de agentes públicos, a infiltração de seus homens, influenciando e, dependendo de sua força e poderio, determinando postura e condutas oficiais que favoreçam suas atividades ilícitas.

 

Em algum momento, a organização criminosa efetiva um relacionamento de simbiose com o estado e acaba por encontrar um ambiente favorável e com pessoas dispostas a ajudar, não se tornando um poder paralelo, mas usufruindo o poder oficial, como se legítimo fosse, garantindo, assim a sua impunidade e otimização do trabalho sem qualquer prejuízo para a sua existência.

 

Seu poder de corrupção é dificilmente perceptível, pelo fato de muitas pessoas do Estado estar envolvidas, mas está intrínseco em toda pirâmide estatal, a população reprova, sabe que tal influência existe e é atuante, mas o combate se torna cada vez mais difícil.

 

O escopo da corrupção é cortar qualquer forma de combate à criminalidade, quer seja ele no âmbito do Legislativo, Executivo ou Judiciário, vez que se torna mais facilitada a atuação dos criminosos quando o Estado se encontra paralisado e atônito nas políticas de combate a criminalidade.

 

O caminho está aberto para a corrupção, propina, oferta ou promessa de qualquer vantagem, econômica ou não, para que o funcionário público titular do mandato, cargo, emprego ou função pública atue contrariamente ao dever funcional.

 

11 - ALTO PODER DE INTIMIDAÇÃO

 

As organizações criminosas assumem como importantes traços característicos a utilização de meios de violência para a intimidação de pessoas ou retirada de obstáculos, com a imposição do silêncio que possa manter tal atividade delitiva implícita numa clandestinidade constante. Tal violência é implantada para manter e ampliar suas ações, com intuito até de eliminar organizações concorrentes.

 

Atualmente, esse tipo de conduta está em baixa visto que a força e a violência acabam por atrair a indesejável atenção da mídia e da sociedade civil organizada, e tendo por conseqüência uma influência sobre os políticos. Se ambas de alguma forma possuem inegável aptidão para intimidar, por outro lado podem gerar repulsa, revolta imponderável e conseqüência inesperada e contrária.

 

CONCLUSÃO

 

Assim posto, é muito mais adequado que as organizações criminosas adotem medidas menos violentas e drásticas, optando por interferências mais sutis e discretas, em prol da sua manutenção e operacionalidade sem despertar a fúria da população.

 

Por certo, o crime organizado é uma máquina que evolui a todo tempo e nunca se tornou obsoleta; ao reverso, a sua modernização é constante e quase sempre está um passo a frente da modernização imposta pelos entes públicos aos órgãos de investigação e de combate a criminalidade.

 

É de bem ver-se que a sociedade tem um papel fundamental nesse processo de combate eficaz ao terror e a sensação de insegurança determinados pelo crime organizado e o primeiro passo a ser dado deve ser no momento em que os governantes são escolhidos, pois, do contrário essa mesma sociedade terá dificuldade em combater o criminoso já empossado num cargo eletivo no Poder Legislativo ou Executivo, sem contar os tentáculos já entranhados no Poder Judiciário.