Tonho Matéria e Linnoy avaliam nova formação do Ara Ketu: ‘ninguém pergunta sobre Tatau’
Por Renata Pizane
“No começo o Araketu fez ensaio na Rua Chile, Cruz Caída, no Trapiche, no Aeroclube em Periperi e agora será no Pelourinho. A ideia era fazer esses shows de dezembro a janeiro, mas como o período antes do Carnaval é mais curto, conseguimos fechar duas pautas, uma na última quinta-feira (7), que contou com a participação de Olodum e Sidney Magal, e outra no próximo dia 28 de janeiro. Vamos trabalhar o ensaio já pensando no Carnaval, com repertório envolvendo outros segmentos e músicas novas”.
Tradicional no Carnaval de Salvador, este ano o Bloco Ara Ketu resolveu abaixar as cordas e sair exclusivamente para o foliã pipoca, em dois dias de desfile na Avenida. “O Ara Ketu tem um legado fantástico, porque ele vem do povo e para o povo. Hoje ele se estabelece no Carnaval para o povo. Então isso é devolver ao povo essa gama musical do Ara Ketu em um ano de Carnaval. O bloco nosso será o do povo. Por isso, surgiu ideia do tema de falar da nova África, porque isso é uma nova África, é um diálogo. O Ara Ketu, acredito, será o maior bloco afro na avenida com o foliã pipoca”, avalia Tonho.
Foto: Luana Ribeiro/Bahia Notícias
A decisão, como analisam os músicos, não tem relação com a possível crise no Axé Music, mas sim como uma reestruturação da entidade. “Tem folião que mesmo sabendo que o Ara Ketu não vai fazer o abadá, quer comprar. Nossa ideia foi não construir o abadá porque queremos dar um presente para o público. Vamos fazer 15 alas com músicos, capoeiristas, o pessoal do bando de Teatro Olodum, do Balé Folclórico, figuras que trabalham com blocos afros”, explica Tonho.
Linnoy entende que a situação não afeta apenas o mercado da música. “É um momento também que a gente não pode estar esbanjando, temos sinceridade em assumir isso. Não é uma crise do Axé, é algo generalizado. Então é bom que a gente recue para no próximo ano ter algo concretizado, assim como outros blocos fizeram ao sair pelo menos um dia para o foliã pipoca, sendo que no nosso caso foram os dois”, conclui.
Com o tema “Uma Nova África Livre”, a banda pretende fazer uma apresentação diferente nas ruas de Salvador. “Estamos estruturando um desfile com alas, uma formação para ser o Ara Ketu do seu começo. Isso acontece com a proposta de ter dois cantores, resgatar o que o Ara Ketu era, a sonoridade dos tambores que foi perdida com as transições e o bloco de rua”, explicam os músicos.E vai ser durante a folia que Tonho e Linnoy vão mostrar a vertente autoral da nova formação do grupo, que está trabalhando quatro músicas inéditas: “Vou jogar”, “Voz da Multidão”, “Sorvete na Ribeira” e a composição da dupla “Prepara”. “Essa canção surgiu de uma brincadeira de estúdio. Antes de começar a gravar Linnoy sempre dizia: ‘Prepara’. Tonho disse: isso é a cara do Ara. Linnoy foi para casa e mandou uma melodia, aí comecei a escrever. Depois a gente fez “Cultura Vida” e “Ara Ketu de Novo na Boca do Povo”, conta Tonho, que voltou para o Ara Ketu após 30 anos.
Apesar do pouco tempo ao lado de Tonho, Linnoy entende a responsabilidade de estar à frente de uma banda tradicional de axé e quer superar a fama de pagodeiro, conquistada durante o período que comandou a banda “Os Sungas”. “Quando aconteceu o concurso para escolha do novo vocalista do Ara Ketu estava em um momento desgostoso com a música, trabalhava e tinha voltado a estudar administração. “Os Sungas” foi algo que me projetou para o país inteiro em 2004. Foi um momento muito bom, pelos ensinamentos e aprendizados. As pessoas me conheceram pela banda, por isso me rotularam como pagodeiro, como se o termo pagodeiro fosse pejorativo. Antes, eu era roqueiro, tocava bateria, em uma banda estilo hardcore. Não sou abitolado a nenhum estilo musical. Sempre tive a cabeça aberta para música”, explica.
Foto: Luana Ribeiro/Bahia Notícias
“Por incrível que pareça, todos os shows que a gente está fazendo não tem uma cobrança, nenhuma pessoa ou contratante que pergunta sobre Tatau, sem tirar o mérito dele, até porque é como um irmão pra mim”, revela Tonho. “Está sendo mágica nossa aceitação, onde a gente chega a audiência está subindo, pedem para tocar mais três músicas, a galera recebendo da melhor forma possível. Essa energia está quebrando tudo isso”, garante Linnoy. “Na verdade, estamos dando continuidade a esse belo trabalho que os vários outros vocalistas desempenharam no Ara Ketu”, conclui.
Mesmo sendo o mais novo no grupo, o cantor acredita que sua chegada ao Ara Ketu foi bem aceita pelo público. “Tatau voltou e saiu novamente, então as pessoas perceberam que é um relacionamento que não tem mais pra onde ir. Todos os lugares que a gente passou não houve questionamentos, fazemos apresentações para público de 30 a 40 mil”, afirma. E ele vai além na observação. “Hoje eu digo a dona Vera que temos duas cabeças preparadas e abertas para representar a World Music que o Ara Ketu representa. Se está dando certo é porque a gente tem esse preparo para assumir esses 35 anos que o Ara Ketu tem de história, música e cultura, garante Linnoy.
Os músicos veem com bons olhos o fato de não fazerem muitas apresentações em Salvador ao longo ano. “O Ara Ketu é conhecido no Brasil todo, então pra gente é muito bacana viajar. A gente toca todo dia em Salvador em ensaio, não conseguimos pegar ‘liga’. É bom deixar o gostinho, fazer ensaio nesse período pré Carnaval. Tem espaço para todos os estilos de Salvador”, diz Tonho.