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Entrevista

‘Fui muito arrogante durante a minha carreira’, diz Pierre Onássis de volta com Afrodisíaco

Por Renata Pizane / Kadu Brandão / Aymée Francine

‘Fui muito arrogante durante a minha carreira’, diz Pierre Onássis de volta com Afrodisíaco
Foto: Estela Marques / Bahia Notícias
Após sete anos afastado do axé, Pierre Onássis remonta o Afrodisíaco. Exatamente. O cantor, que em 2008 se tornou evangélico e passou a ser intérprete de música gospel, conta que, neste período, percebeu muita coisa que não levava em conta para a sua carreira musical. “Eu me arrependo de ter sido áspero e, talvez, em algum momento grosseiro como artista. Eu acho que fui muito arrogante durante a minha carreira musical. Eu só vim perceber isso quando me converti”, contou ele. Pierre falou também sobre inimigos, relação com Jau, carnaval, e novos rumos para a banda. “Nosso desejo não é só trazer o Afrodisíaco, mas fortalecer o movimento afro-baiano e brasileiro”, enfatiza. 

Como surgiu a possibilidade de voltar com o Afrodisíaco?
Na verdade, a música afro e a música baiana nunca deixaram de existir dentro de mim, né? Passei algum tempo circulando na música gospel, porque me converti, e o que eu sei fazer é cantar. Tanto que, quis cantar a música gospel. Mas esse movimento sempre esteve dentro de mim, até durante essa época, levei a levada, levei a percussão, levei essa rítmica baiana, porque está no DNA. Desde o Olodum, meu histórico é percussivo. O que me fez retornar foi o convite. A observação de alguns empresários que existe uma lacuna dentro deste universo baiano, que precisava ser preenchida, já que o próprio Afrodisíaco não durou muito tempo – não sei se você se lembra, ele mudou pra ‘Vixe Mainha’, por conta da questão do nome. Então depois que eu saí, o movimento continuou com o ‘Vixe Mainha’ e com Jau, depois ele saiu. O nome ficou adormecido, porque não tínhamos a patente, que era de outra pessoa. Quando surgiu a oportunidade de termos o nome, depois do convite desses empresários para que retomássemos o movimento afro, falaram: ‘E aí, vamos voltar?’ e eu topei. Eles me convenceram e, como eu já gosto, né? Não sou esse religioso, porque a religião não salva ninguém. Eu sou músico, brasileiro, baiano. A música é ponte, não é muralha. Eu continuo com as minhas intenções e pensamentos religiosos, voltados para a igreja, mas entendo que a música me faz circular por todo o universo. E aí, a gente foi pesquisar o nome e percebemos a possibilidade de usar o nome, registramos e, agora sim, somos detentores oficiais do nome e da marca Afrodisíaco. Agora temos a liberdade de fazermos o que quisemos.

São os mesmo músicos? Como funcionará essa nova fase?
Alguns músicos são os mesmos, trouxe uns três ou quatro. Mas o importante é a essência. Eu não podia trazer, de novo, o movimento percussivo se não tivesse a verdade que tinha antes. Então, eu trouxe a verdade, na ritmia, na personalidade musical, nos repertórios, nas releituras... Exemplo, se a gente relembrar ‘Mama África’, ‘Flor do Desejo’. Nós tomamos posse dessas músicas, as pessoas diziam que eram músicas do Afrodisíaco. ‘Mama África’ deixou de ser de Chico Cézar para ser do Afrodisíaco, assim como ‘Flor do Desejo’ deixou de ser do Pepeu Gomes para ser nossa. Então a gente traz esse desejo de continuar o movimento e, talvez até, unificar, trazer o Muzenza, o Ilê, o Olodum, Seu Jorge, Margareth. Fortalecer o movimento. Nosso desejo não é só trazer o Afrodisíaco, mas fortalecer o movimento afro-baiano e brasileiro. Nós temos uma música rica, e que está sendo pouco explorada, na verdade. Nesses últimos anos a música deixou de ser explorada. Abrimos o leque pra várias vertentes musicais no carnaval. Eu fiquei sete anos afastado, mas sempre observando as coisas acontecerem, o sertanejo entrou e tá dominando. Eu não participava, sempre viajava pra fazer meus retiros, mas ficava observando, porque sempre gostei, fui admirador. Compus algumas músicas, inclusive. Acho que a gente volta do saudosismo do Afrodisíaco e, ao mesmo tempo, trazemos músicas novas, inéditas. Mas o perfil é aquele: percussão, audiovisual, cênico, raiz. E nada melhor do que levar para o Pelourinho, como tudo começou.

Dessa vez você estará sozinho, não terá segunda voz?
Nós temos duas negras lindas que vão fazer o backing. Nós não tínhamos isso antes, né? Também é como um preenchimento, porque a gente então substitui ninguém, né? Não posso trazer ninguém pra substituir Jau, o artista é insubstituível porque ele tem a personalidade dele. Então, o que a gente traz é a marca, o Afrodisíaco, a responsabilidade desse nome, da identidade musical. Vamos trazer o simples, o mais difícil é fazer o simples, né? E sem esquecer a linguagem popular, o Afrodisíaco é uma banda popular. É uma banda simples. Não tem porque rebuscar, se não você foge do povo. Eu sou povo, desde o Olodum eu fui povo. Bom balanço fui povo. ‘Juliana’ é povo, ‘Entra na Roda’ é povo. Então, essas mulheres trazem esse glamour da beleza negra, da suavidade da voz. Adriana, que é ‘Dani’ e Paloma. Temos também o violino, que é um instrumento extremamente inusitado para o universo percussivo, trazemos ele de novo. Acho que o que vai chamar a atenção das pessoas é a música nova. A gente tem um disco que vai ser lançado nessa segunda-feira, um promocional, que é um show ao vivo, no estúdio. Que você vai se sentir como se estivesse no ensaio, entendeu? São 16 canções com sucessos antigos e novos, na verdade, 70% são novas. Trazemos músicas de outros artistas também, a gente faz uma mistura com originalidade.

Você volta pro axé no meio da crise. Qual o diferencial para voltar e não se incluir no mais do mesmo?
A gente já sentiu, na própria parceria com os empresários, a preocupação deles de não ter a mesma facilidade financeira de antes. A crise afetou todo mundo, não é só a música baiana. Então a gente vai se adequar. Fazer o que gosta de fazer, amar o que faz, se adaptar e levar a vida. Creio que os obstáculos que estão aí pra mim, pra você, pra todo mundo, tendem a ser superados. E a música tem essa mágica de nos impulsionar, de quebrar paradigmas, de dar vontade de viver. Tem uma música no nosso repertório que chama ‘Agora’ e que diz assim: ‘A vida passa ligeiro, anda, vem. O dia acordou esperando você, vem ver. Olha que mar, olha que vento, olha o relógio está passando tempo. O que tinha pra fazer depois, é agora. O que tinha pra dizer depois, diga agora. Ame mais, beije mais. Abrace mais, queira mais, viva!’ É um despertar pra vida. Viver intensamente, ainda que na crise. Não só o Afrodisíaco está passando pelas dificuldades, mas os tops estão passando pela mesma realidade. Aquele que fazia 50, não está fazendo mais, ninguém tem mais dinheiro pra bancar tanto show por aí. Então, a gente vai se adequar. O ensaio do pelourinho é uma fase de readaptação, é despertar nas pessoas o interesse pelo Afrodisíaco. Vamos encontrar e procurar, é claro, caminhos que ainda não foram utilizados. Vão acontecer toda sexta até o carnaval, no Quincas Berros D’Água.

Todas as edições contarão com convidados especiais?
Sempre terão convidados, amigos da música. Por exemplo, temos a participação de Saulo neste CD, numa música que chama ‘Nosso Amor’. O ensaio do Afrodisíaco sempre foi um ponto de encontro, né? Os artistas se identificam com a musicalidade da banda. Ivete já foi, Saulo, Claudinha Leitte. Saulo quando soube disse que queria fazer parte.

Há quanto tempo o projeto está sendo montado?
Estávamos nos bastidores, né? Eu tinha uma agenda a cumprir, e também estávamos buscando a coisa do nome mesmo. Tínhamos que esperar sair oficialmente.

A marca 'Afrodisíaco' era de Jau? Ele falou algo do tipo em entrevista ao Bahia Notícias... (Clique aqui)
Não, a marca nunca foi de Jau. Nós não registramos o Afrodisíaco, porque existia uma banda no Paraná chamada ‘Afrodisia’, que impedia qualquer segmento que tivesse o ‘Afrodi’. O Afrodisíaco nunca foi de ninguém, e não podia ser registrado porque essa banda impedia. Nós fomos acompanhando, e quando percebemos  a liberação oficializamos.

Qual você acredita ser o maior problema da música baiana?      
Acho que não tem problema na música baiana. Acho que o problema, se houver, é a dificuldade que todo mundo passa. Todo mundo quer governar o sol. Todo mundo busca um espaço. Alguns caminhos são tortuosos e complicados, a questão toda é você encontrar o caminho. Então, essa crise que a música baiana vive, todo o Brasil vive. E nós somos referência de alegria. E nós temos que utilizar isso, essa alegria que a Bahia tem. Essa alegria que fez carnavais fora de época, que fez se criar carnaval em Minas, Rio. Nós temos essa essência. E em algum momento essa essência foi diluída. Por quê? Eu não sei. Não sei se é a falta de atenção empresarial, se é o próprio foco do artista, de primar pela qualidade musical. Isso tudo tem eco né? Bate aqui, ecoa em algum lugar. Se a música é rum, vai ecoar lá. Se for boa, vai se espalhar. A gente fala aquilo que o coração tem. Eu falo aquilo que o coração tem, meu coração pulsa música percussão. Tentei fazer movimentos na minha carreira toda que, graças a Deus, repercutiram. Não me qualifico melhor do que ninguém, eu só tentei fazer a minha cara. O Bom Balanço, o próprio Olodum com as minhas músicas, ‘Rosa’, ‘Berimbau’, ‘Requebra’.  A gente fica porque tenta fazer o melhor. E quem não está, não é porque não tentou, é porque não pegou o caminho, o grande lance é esse.


O que você destaca na sua carreira durante esse caminho? Alguma inimizade?
Se eu tivesse inimigos na música baiana, eu não estava nela de novo. O que a gente planta, a gente colhe. Eu tô colhendo o que eu plantei. Eu não posso agradar todo mundo, nem com a minha música, nem com o meu comportamento. O que eu tenho que ser é humano. Eu consegui fazer isso, graças a Deus não tenho inimigos dentro da música. Até o próprio Jau, que saiu do Afrodisíaco na época, foi com um bom relacionamento. Hoje não temos contato, depois que eu me converti ficou pior, mas não tem esse problema. É um cara que com certeza torce pelo meu trabalho, assim como torço pelo dele.

Houve a proposta pra ele voltar também?
Não, em nenhum momento foi citado o nome dele ou levado em conta a possibilidade. Jau tem uma carreira consolidada, é um artista de renome, a Bahia, o Brasil aplaude Jau. Não tem porque especular qualquer tipo de atrito, temos que desmistificar isso. Jau é um homem sério, muito talentoso, tem seu lugar ao sol sempre.

Para o Carnaval, já tem algo planejado?
A gente está com propostas aí, já tem camarotes, blocos, alguns interessados. É uma coisa que tá muito fresca, entendeu? Muito agora. Acho que o próprio ensaio é um termômetro pra despertar as pessoas de blocos, contratantes. Tudo acontece a partir do ensaio. A gente tá com uma expectativa bem paulatina, a gente sabe que as coisas vão acontecer gradativamente, pra que a coisa fique não seja sazonal. Queremos ser bem cautelosos. O que a gente já pode citar é o Villa Mix. Te digo, tá tudo muito no começo. As pessoas já estão sabendo, os contratantes ligaram na expectativa. Porque existe uma saudade do Afrodisíaco, né? Perguntaram ‘quando o ensaio volta?’. Quando eu estava sempre na igreja o pessoal perguntava muito. Isso mexe com o ego da gente, né?

Você deixou a música gospel e a igreja?
Não, a igreja está em mim. Eu continuo frequentando minha Igreja. É natural que haja uma preocupação. Porque a ideia que se tem do Carnaval e da música secular é que é algo que nos desvia da atenção de Deus. Eu aprendi, nesse tempo de sete anos na igreja, que a gente pode ser ponte ou pode ser muralha. Sendo ponte, a gente leva algo pra alguém. Sendo muralha a gente impede que aquilo chegue nas pessoas. Eu prefiro ser ponte sempre. Pra Deus, pra música, pra ser um representante da música brasileira. Eu aprendi que pode sim ser feito um trabalho extra igreja, respeitando a doutrina evangélica, respeitando o meu Deus, adorando a Ele. Porque, o que acontece, como diz a palavra: ‘Eis que tudo se fez novo e as coisas velhas passaram’. O que é velho pra mim? Velho pra mim é o comportamento. Adultério, promiscuidade, vulgaridade, vulnerabilidade. Essas coisas todas que desagradam o coração de Deus, a todo mundo, não é só ao evangélico. Ele não quer que você faça coisa errada, não quer que você se prostitua, que cometa adultério. Mas eu não quero levantar a bandeira da religião. Quero fazer a música que alegra, que deixa as pessoas felizes, que apaixona. Que faz as pessoas se relacionarem. A minha música ‘Rosa’ – que já não é minha, é do povo – muitas pessoas chegaram pra mim pra dizer: ‘Olha eu me casei com a sua música’, ‘Eu entrei na igreja com sua música’. Isso tudo pra gente serve de estímulo. Agora e não vou ali, subir e dizer, ‘Ei, fume maconha’, ‘Use cocaína’, porque isso não faz parte de mim. Deixa eu cantar minha música, ser feliz.

Tem algum arrependimento na sua carreira?
Eu me arrependo de ter sido áspero e, talvez, em algum momento grosseiro como artista. Eu acho que fui muito arrogante durante a minha carreira musical. Eu só vim perceber isso quando me converti. Quando você conhece a palavra, algumas coisas se esclarecem pra você, e você começa a ser humano. Você começa a olhar para o outro e ver ele dessa forma. Aceitar as pessoas com seus defeitos e qualidades. Sobretudo, encontrar o melhor das pessoas e tirar o melhor delas. Eu creio que fui como vários artistas são, sem perceber. O glamour e o estrelato nos levam a um universo muito próprio, onde a gente acha que não precisa mais de ninguém.  E acontece muito ainda com os artistas. Acho que o arrependimento da minha vida foi não ter administrado melhor isso: o sucesso e o ser humano, entendeu? Essas duas coisas precisam andar atreladas, uma com a outra. Pra você ser reconhecido como aquele artista, que é humano, e faz sucesso.

Você acha que você volta pronto pra administrar isso?
Vou tentar, a vida é uma busca pra viver melhor. Eu quero ser melhor. Tô buscando ser melhor do que fui, sou e quero depois, ser melhor do que posso ser amanhã.

Foi isso que te fez sair do axé para a música gospel?
Não, foram questões espirituais. Eu frequentei a Igreja, algumas coisas ficaram esclarecidas e eu decidi me afastar e viver mais, sobretudo, uma coisa que é mais importante, que é a minha família. Eu sou apaixonado pela minha mulher e meus filhos e, em algum momento da minha vida, eu me desviei de dar atenção à minha família pra viver esse glamour, sem perceber o que estava ao meu redor. A igreja serviu pra me despertar a cerca do que é melhor: Deus e minha família. Eu trabalho hoje, porque eu tenho uma família. Eu vivo da música, porque a música me sustenta pra sustentar a minha família. Hoje tudo é feito em sintonia com minha esposa, antigamente não. Isso que eu falo do ser humano também.

Algum artista ligou pra te desejar boa sorte?
Ah, muitos. Saulo, Ivete – que eu tive contato pra falar dos ensaios. Muitos. Porque gostam, não de mim, que eu digo, mas da música baiana. Eles se preocupam em dar unidade, a música é mais forte por dar unidade. A música se fortalece assim, e eu quero ser mais um desse movimento. Se eu me destacar, é porque aplaudiram. Se não, pelo menos eu tentei.