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Marca Bahia Notícias Holofote

Entrevista

Daniela Mercury fala sobre fim do camarote, novo CD, critica prefeitura e governo e dispara: ‘Estou indo à Parada Gay sem receber nada’

Por Rafael Albuquerque

Daniela Mercury fala sobre fim do camarote, novo CD, critica prefeitura e governo e dispara: ‘Estou indo à Parada Gay sem receber nada’
Depois de trinta carnavais, vinte deles como empresária e arriscando o próprio patrimônio, a cantora Daniela Mercury tomou uma difícil decisão: acabar com o camarote que leva seu nome. Foram 18 anos de muito luxo, requinte, folia e convidados do mundo inteiro. Para explicar o que aconteceu, Daniela concedeu entrevista coletiva na última quinta-feira (29), em sua casa, no bairro de Piatã, em Salvador, e conversou com o Bahia Notícias sobre diversos assuntos, como a Parada Gay e a polêmica da verba recebida da Bahiatursa para participar da Parada da Diversidade de São Paulo. Prestes a lançar novo CD em parceria com o grupo Cabeça de Nós Todos no dia 1º de outubro, a artista, de 48 anos – e em ótima forma , criticou duramente o governo e a prefeitura, que não investem o suficiente no que chama de “indústria criativa”, e fez breve análise da realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil, que “absorveram muito dos recursos do mercado” e acabaram prejudicando a fatia do entretenimento.

Coluna Holofote: Por que acabar com a parceria com Lícia Fabio e com o Camarote de Daniela Mercury?
Daniela Mercury: Na verdade não acabou a parceria. Eu e Lícia seremos eternas parceiras. Mas nosso carnaval é pautado em investimento privado. Nós, empresários, investimos muito mais do que prefeitura e governo. Então, é um risco muito grande e eu resolvi não fazer esse ano. O carnaval cresceu muito, a concorrência aumentou e o risco é muito grande. Lícia vai continuar com o camarote no mesmo espaço físico e eu vou lá prestigiá-la.

CH: Mas o bloco Crocodilo e o trio sem cordas continuam?
DM:
Pode ser que a gente desista de fazer outras coisas, pois trabalhar com esse nível de risco e de estresse e estar sempre pressionado como se estivéssemos usurpando do espaço público é muito desgastante para nós. Alerto para vocês compreenderem a nossa dificuldade de trabalhar. Eu só saio com o bloco sem cordas quando a gente consegue patrocínio. São quinze anos fazendo e eu nunca recebi nenhum real da prefeitura e do governo.

CH: Com pouco investimento, como manter o trio sem cordas?
DM:
Eu já paguei pra fazer o trio sem cordas, assim como eu pago para fazer o Pôr do Som [show realizado no Farol da Barra no dia 1º de janeiro]. Então, é preciso que as pessoas compreendam isso. Eu ouço coisas grosseiras, como: “Ela tem muito dinheiro pra gastar”. Não, ninguém é obrigado a fazer esse tipo de esforço. Quem na sociedade faz isso pela cidade? Porque que nós somos obrigados a fazer isso? Porque nós artistas, que já temos os discos pirateados, temos que trabalhar de graça? O motorista de caminhão não trabalha de graça, o músico não trabalha de graça, o cordeiro não trabalha de graça.

CH: Quando você diz ‘eu pago pra fazer o Pôr do Som’, isso quer dizer o que na prática?
DM:
Significa que eu pago com meu dinheiro. A prefeitura conseguia deixar a estrutura à disposição, mas parou. Muitas vezes eu dividia os custos da estrutura. Nos primeiros anos, eu pedia que eles deixassem o palco do show do Réveillon que eu ia me virar para arranjar algum patrocínio para poder viabilizar o show. Alguns anos eu consegui, outros, não. Quando não conseguia, eu fazia tirando do meu bolso para pagar os músicos e os técnicos, e é isso que acontece desde lá. São 15 edições desse projeto e depois de alguns anos a prefeitura não conseguia deixar nem a luz, nem o som e nem o palco. Então, eu já paguei por isso tudo e fiz o show de graça para a cidade.

CH: E a prefeitura levava o crédito?
DM:
Pois é, e eu levo mais gente para o Pôr do Som em meu show sozinha do que a festa de Reveillón tem conseguido levar.

CH: Ainda assim você pretende continuar?
DM:
Vou continuar, sim.

CH: Você pretende conversar com o prefeito ACM Neto sobre esse problema?
DM:
A gente sempre fala. Eu e meu empresário, Marcelo, sempre conversamos. Eles são sensíveis, mas dizem que não podem dedicar nenhum recurso pra isso. Porque uma indústria que vem para Salvador recebe tantos benefícios e descontos fiscais e nós, artistas, que prestamos tantos serviços para a cidade, somos fiscalizados como se fôssemos maus pagadores?

CH: Como assim?
DM:
Eu sou, por exemplo, exemplar no pagamento de impostos de minha empresa de eventos. O "Canto da Cidade" recebe visitas da prefeitura de dois em dois meses. Eu conheço empresas que nunca foram visitadas. Acho que as pessoas precisam refletir. Eu não sou correta porque sou visitada; sou correta porque sou assim. Sempre fui exemplar no pagamento de impostos. Mas por que essa vigilância? Parece até que a gente faz mal à cidade.
 

CH: Há falta de vontade política e de sincronia entre a iniciativa privada e o poder público para ajustar o carnaval e tornar a festa melhor pra todos?
DM:
Eu acho que até há interesse do poder público. Esse novo prefeito me convidou para conversarmos sobre as renovações e as ideias que ele tem sobre o carnaval – acredito que já deve ter convidado outros artistas. Acho que ele (ACM Neto) é uma pessoa que vai acrescentar muito à cidade. O governo talvez tenha tantas prioridades que talvez não compreenda direito esse universo, mas quem sou eu pra dizer isso? O secretário de Cultura do Estado se mostrou muito sensível às questões que foram colocadas por mim. Eu acho que há pouco diálogo entre o setor privado e o setor governamental. Mas, esse ano houve o Seminário do Carnaval organizado pelo setor privado, blocos, camarotes. Não sei como ficou esse diálogo. Acho que a gente tende a melhorar e resolver os problemas.

CH: Mas por que com tanto problema pouca gente se manifesta?
DM:
Aqui tem essa história de que ninguém quer falar nunca, pois são carreiras envolvidas junto ao trabalho empresarial dos artistas...

CH: Os artistas têm medo de se comprometer?
DM:
Na verdade, as pessoas não querem demonstrar que é difícil fazer. Elas querem sempre dizer que está tudo ótimo, bem essa coisa do lado positivo do axé, da música positiva, alegre. Diante disso, as pessoas acham que no carnaval não cabe reclamações e as pessoas acabam não se manifestando hora nenhuma do ano. A gente já cresceu tanto, já se profissionalizou tanto, já gerou tanto dinheiro, já somos uma indústria importantíssima para a Bahia e para o Brasil, e por isso acho que está na hora de a gente dialogar mais e isso vai ser muito melhor para todo mundo.

CH: O Camarote de Daniela consumia bastante tempo seu. Agora que você não terá essa preocupação, está pensando em novidades e inovações para seu trio sem cordas e o Crocodilo?
DM:
Eu até já tinha tido ideia de o camarote andar. Muito antes de Brown fazer o Camarote Andante, que foi um sucesso pra ele, eu já tinha cogitado essa possibilidade com Lícia Fabio. Quem sabe a gente consiga fazer um camarote a mais, com rodas, algo assim? Essa é uma boa possibilidade. Eu também vou homenagear Dorival Caymmi. Independente de ser o tema do carnaval ou do que aconteça, eu vou fazer essa justa homenagem e a família dele está convidadíssima para participar.

CH: A concretização disso depende de que?
DM:
Tudo isso depende de a gente conseguir trazer recursos, que diminuíram por conta dos eventos que estão competindo com o mercado do carnaval, e é normal que isso aconteça.

CH: Quais eventos?
DM:
Os eventos esportivos absorveram muito dos recursos do mercado e isso é uma coisa muito pontual. Eu acho que até 2016 a tendência é que nós trabalhemos com muito menos recursos. Depois, talvez seja mais fácil a gente jogar a nossa bola, porque até lá não vai ser o carnaval o foco das atenções. A gente vai ser só mais um elemento até lá.

CH: O que fazer até lá?
DM:
Aí depende muito de como as empresas vão enxergar isso. As empresas esperam que a crise mundial arrefeça. Para você ter ideia, 50% das empresas brasileiras têm sede ou origem fora do país, e quando tem uma crise como essa na Europa ou Estados Unidos, isso impacta diretamente nos patrocínios. O primeiro dinheiro que as empresas param de colocar na rua é o de patrocínios e os recursos de marketing direto e de leis como a Rouanet. Isso se percebe muito do ano passado até então, quando o mercado do entretenimento passa por uma crise bem mais grave por causa da crise mundial. Com esses anos todos de experiência, eu tive a certeza de que os próximos anos seriam muito mais difíceis. Por isso mesmo a gente está se recolhendo, parando um pouco as atividades do camarote, para ver como o mercado reage e como as soluções serão dadas. Temos que discutir com governo e prefeitura outras soluções, outros investimentos. Por que a gente não tem financiamento para nada?
 

CH: Que tipo de financiamento?
DM:
Uma vez eu viajei com o presidente do BNDES. Eu descobri que eu estava do lado dele no avião e fiz logo minha reivindicação: "presidente, quando eu posso visitar o senhor para que o BNDES abra uma linha de credito num valor menor que possa se adequar ao mercado criativo?". Ele mandou eu ir lá. Eu fui com minha equipe e ele se acabou de rir comigo porque eu disse que nunca peguei um real empresado em banco. Os juros eram tão caros que eu sempre investia tudo com meu dinheiro, arriscando o patrimônio que eu consegui fazer. Era um trabalho que devíamos ter mais estímulo. Ele acabou abrindo a linha de crédito de R$ 2 milhões. Mas por não conhecer muito a industria do mercado criativo, eles não têm o credito com a carência devida, os juros ainda são muito altos, temos que colocar nossos patrimônios como lastro, e isso tudo se torna uma atividade de muito risco. Imagine ter que fazer investimento de R$ 7 milhões em um camarote todo ano e ter que buscar esse dinheiro no mercado ou ter que pegar emprestado em banco? Isso é uma coisa de louco, pois todo mundo sabe que dinheiro no Brasil é muito caro.

CH: Qual a solução?
DM: Nós precisamos de linhas de crédito que compreendam o nosso serviço. Nós trabalhamos com a identidade do país, nós trabalhamos para um mercado importantíssimo que é o cultural. Eu estou até dando palestras sobre indústria criativa. Fiz uma prévia com a ministra da Cultura, Marta Suplicy, e pedi para conversar com ela. A ministra deve saber, mas talvez vocês não saibam que o PIB do mercado de entretenimento, de shows bussiness, de parques, cresce o dobro do PIB mundial. O PIB mundial chega no máximo a 4%, o PIB do mundo na área do entretenimento cresce 6,3% ao ano, o que equivale a US$ 1,3 trilhão. Um total de 50% do mercado de entretenimento é dos EUA, que investem mais em cultura do que na indústria bélica, tecnológica e automobilística. Então, tem país que não está atento para desenvolver esse mercado de conteúdo artístico. O Brasil precisa atinar para o fato de que essa é uma área importantíssima para o desenvolvimento econômico do país. O Brasil é riquíssimo em manifestações culturais, mas explora muito pouco isso. Tenho certeza que estamos perdendo bilhões com a falta de atenção para a indústria criativa brasileira. Fica aí o meu alerta e a certeza de que tudo isso vai ajudar a gente a fazer um Brasil mais atento a esse lado tão extraordinário do povo brasileiro.

CH: Fala um pouco sobre o lançamento do novo CD.
DM:
Esse CD com o grupo Cabeça de Nós Todos vai ser lançado no dia 1º de outubro. Vamos trabalhar a música “Aquele Abraço”, regravação de Gilberto Gil. É uma música bem emblemática da época em que Gil estava exilado. Essa música fez Gil ficar presente no país quando ele estava fora. É uma homenagem a ele e uma celebração pra receber o mundo inteiro, porque não há nada melhor do que um abraço de Gil pra receber o público no carnaval, na copa e nos eventos que vão seguir.

CH: Como vai ser seu show dia 6 e sua participação na Parada Gay de Salvador?
DM:
Malu até pediu pra eu falar do show e eu esqueci (risos). Há anos eu sou convidada para a Parada de São Paulo, mas para a de Salvador me convidaram poucas vezes e eu sempre tinha compromissos internacionais. Na verdade eu estou preparando eu mesma para essa participação (risos).

CH: Mas já está mesmo confirmada sua participação na Parada?
DM:
Vou dar o ar da graça, digamos assim. Vou dar um pulinho lá, dar um alô e fazer presença na Parada. Pelo menos foi o que me pediram para fazer e eu vou fazer o que me convidaram (risos).

CH: E se pedirem mais?
DM:
Se for viável eu vou fazer. Eu me divirto muito e acho um barato. Eu acho que é um evento importantíssimo. Sou uma mulher dos Direitos Humanos e agora estou envolvida nesse outro contexto de luta. Então, estou sempre disposta. Energia é o que não falta, é só viabilizar. Eu queria até esclarecer, apesar de não precisar fazer isso, que a Bahiatursa me contratou pelo preço normal de meu show para fazer a Parada de São Paulo porque eles quiseram, pois eu só ia dar um alô em São Paulo. Já que a Parada da Diversidade é o evento que leva mais dinheiro para São Paulo, a Bahiatursa achou que seria interessante divulgar a Parada de Salvador e a tornar mais importante. Por isso, investiram em minha apresentação, colocaram um trio à minha disposição, e eu cantei como qualquer outro artista contratado. Gerei uma mídia gigantesca para Salvador, estou indo para a Parada daqui sem receber nada, então que fique claro que eu sou a última pessoa dessa cidade a usurpar ou usufruir do dinheiro público. Eu fiz toda minha carreira internacional sem receber uma passagem de nenhum governo nem da Bahia nem do Brasil. Então, acho que as pessoas precisam refletir quando falam, quando dizem que os artistas estão conseguindo muito dinheiro na Lei Rouanet. Nós somos agentes culturais, somos artistas importantes para o país. Eu já disse que se nós morássemos nos Estados Unidos seríamos tratados de outra maneira porque geramos muito dinheiro e muitos benefícios para a cidade e para o país, e ainda pagamos muitos impostos como todo cidadão.

Fotos: Philipe Monção/Bokser / Rafael Albuquerque/Bahia Notícias