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Entrevista

Mametto: Tentar cativar público pela rádio 'é um erro que se comete muito na Bahia'

Por Francis Juliano, José Marques e Marília Moreira

Mametto: Tentar cativar público pela rádio 'é um erro que se comete muito na Bahia'

Bahia Notícias – Vocês fizeram recentemente um show em homenagem aos 70 anos de Clara Nunes, não foi?
 
Ana Mametto – Foi sim. Clara foi uma realização pessoal de nós dois que somos apaixonados por ela. Fizemos esse tributo e estamos recebendo convites para levar ele para as principais capitais do Brasil, junto com Vagner Fernandes, que foi o escritor da biografia dela. Foi uma maravilha, porque só foram dois dias, aí ficou aquele gostinho de “não acredito, acabou”. Estão começando a surgirem propostas para que a gente leve esse projeto para outros lugares. Mas é paralelo ao nosso trabalho. Clara é uma coisa à parte.
 
BN – Mas já existe algo programado nesse formato?
 
AM – Tem sim, em outubro. Uma festa para empresa, fechada. 
 
BN – Como é o formato do show? Tem uma parte de conversa também, não é?
 
AM – Eu fui convidada para fazer um show intimista no Teatro Jorge Amado, de comemoração do aniversário do espaço. Aí eu dei a ideia de fazer o show de Clara porque a gente já tinha idealizado há algum tempo. No carnaval a gente fez uma homenagem a ela no [bloco] Alerta Geral e eles amaram a ideia porque Vagner Fernandes é muito amigo da assessoria do teatro. Juntamos os dois momentos culturais, a vida e a música. Aí ele abria o show contando um pouco da trajetória dele no livro, abrindo perguntas ao público, ele tirava essas dúvidas e na sequencia a gente entrava com a parte musical, que foi tocada de uma forma extremamente diferente, que Yacoce [Simões] fez a direção e a gente tocou Clara da forma que a gente enxergava ela. De uma forma mais moderna.
 
BN – E quanto tempo levou para essa concepção de trabalho virar um show?
 
AM – Foi muito rápida. Porque já existia isso, era um trabalho que a gente estava para fazer.  Sempre teve isso no show da Mametto. A pesquisa de repertório é muito delicada. A gente procura não só fazer o público se divertir, dançar, curtir, como sair também com um pouco de cultura, de música de boa qualidade. Então a gente passeia pelo universo de vários compositores brasileiros: Chico [Buarque], Cartola, Clara Nunes – que não era compositora, mas gravou grandes clássicos de Paulo César Pinheiro... fizemos essa pesquisa da Música Popular Brasileira e Clara sempre esteve presente no repertório. 
 
BN – Mas quando se grava sucessos de cantoras do naipe de Elis Regina, Clara Nunes, sempre cai no risco de comparações. Qual o diferencial da sua gravação?
 
AM – Eu vou falar o que eu ouvi das pessoas no final do show: “me emocionei por ouvir Clara cantada por outra pessoa, de forma diferente”. Eu não fiz cover. Fiz uma homenagem. Quem conhece o trabalho da Mametto observa como é pulsante o nosso som. Como é misturado. A gente usa muito os elementos da Bahia, que são incríveis, que o mundo inteiro copia, o mundo inteiro idolatra nossa batida, nossa percussão, a beleza da nossa música afro. Então a gente pega esses ritmos que são nossos e mesclamos com música popular do mundo inteiro, do flamenco ao rock and roll. Tinha elementos de rock no show. Imagina, cantar Clara Nunes com uma pegada de rock? A gente conseguiu fazer isso. 
 
BN – Pessoalmente, qual a sua identificação maior com Clara Nunes?
 
AM – É essa busca de um lugar ao sol. Ela não queria ser famosa, ela queria ser uma artista que fosse respeitada por todos, pela música dela, pela força do canto. A busca de Clara não era ser aquela mulher linda, que todo mundo sabia que ela era desejada, e só isso. Ela queria mostrar  que o conteúdo que ela tinha que era muito grande. 
 
BN – Você circula também pela religiosidade afro?
 
AM - Eu namoro muito com a umbanda. Na verdade eu acho a umbanda uma religião muito gostosa, muito bonita. Na verdade, eu creio em Deus, tenho fé. Tudo que é voltado para o bem, para a tranquilidade, para a harmonia eu estou lendo, eu estou pesquisando.
 
 
BN – Você acha que essa “nova música baiana” que vocês estão fazendo, com Magary Lord e Jau traz qualidade ao cenário local?
 
AM – A música baiana tem as suas qualidades. As pessoas comentam sobre o momento atual que o arrocha e o pagode estão dominando as paradas e isso é uma prova de que a gente está mudando. Você vê como o baiano é criativo, não é? Daqui a pouco aparece algo novo. Apareceu agora o arrocha universitário. Aquilo é maravilhoso. As pessoas dançando, se manifestando. Essa mudança ajuda a mim, a Magary, a Jau, a mostrar que o novo está aí. Sempre vem. Saulo [Fernandes, do Eva] estava com uma camisa lindíssima no Festival de Verão, escrita “A nova música da Bahia”, e estava lá Magary, Mametto, Jau, Mariene de Castro...
 
BN – Mas vocês acham que a música que vocês fazem pode repercutir fora da Bahia? Comenta-se muito que Jau chegou a ter uma repercussão nacional, mas nunca conseguiu realmente estourar fora da Bahia. 
 
AM – Eu acho. Eu acho, porque vou repetir, porque tem gente demais no mundo. Tem gente que ama Ivete Sangalo, tem gente que ama Daniela Mercury, tem gente que ama Carlinhos Brown e tem gente que ama Mametto, Magary, Jau. Não tem essa história de que não vai ser assim, vai...
 
Yacoce Simões – E a internet permite isso.
 
BN – E os clipes que vocês têm produzido, ajudam na repercussão do trabalho?
 
AM – Esse critério a gente tem um lado nosso: se é para fazer, temos que fazer bem feito. Porque isso fica para a vida inteira. Na internet, você gravou, vai ficar lá para seu neto ver. Então, esse legado, a gente tem que deixar bem feito. Quando decidimos gravar Nanaê, que é uma regravação da Clara – pra você ver como ela é presente na minha carreira, como me influencia, e foi o primeiro clipe que ela gravou, que nem eu – decidimos fez bem feito. Fazer bonito. E o lugar é lindo, eu me apaixonei. O lugar é belíssimo, no meio da BR, eu um mangue, em Barra do Jacuípe. E foi esse clipe que chamou a atenção de Vagner Fernandes. Pra você ver como as coisas acontecem, como está tudo globalizado. A internet é muito forte. Estou indo para São Paulo fazer o show de comemoração de um ano de uma rádio. Vou fazer esse show agora, nesse final de semana, porque o empresário nunca viu meu show, mas ele é louco por vídeo na internet. Ou seja, se eu não tivesse clipes bem produzidos, não me abririam [essas portas]. Porque hoje a internet, gente, é tudo. É mais importante até que o próprio disco.
 
 

 
BN – Você falou em rádio, mas a gente sabe que o pagode e o arrocha são muito mais presentes nas transmissões. A música de vocês é diferente desses estilos. As portas estão abertas das rádios baianas?
 
YS – O panorama das rádios mudou muito de um tempo pra cá. A rádio era a grande dominante do meio, perdeu um pouco quando começou a internet, e agora está voltando para o cenário. As pessoas estão ouvindo mais rádio porque passam mais tempo engarrafadas no trânsito (risos). A gente criou esse hábito, mas ao mesmo tempo a internet virou um instrumento democrático que permite que o artista teste o seu trabalho, o que quer fazer. Isso é uma coisa que tem acontecido muito. A gente colhe muita informação de fã, de como as músicas estão indo no show de determinada coisa. Antigamente a gente ficava muito preocupado em botar aquela música na rádio, botar aquela outra, sem ter certeza no que ia dar e esperar o mecanismo da rádio dar retorno para a gente.
 
AM – Hoje tem artista que põe na internet “escolha a música de trabalho”.
 
YS –  Aí vai para a rádio de forma mais específica. Isso é legal. A rádio acabou sendo complementar à ação da internet, e não um concorrente. Em relação ao espaço comercial, a gente fica preocupado porque a gente sabe que hoje está tendo uma expansão do perfil. Então tem gente que ouve rádio de determinado gênero. Já estão surgindo rádios com gêneros específicos. Eu acho que um grande incentivo é dado por ações de rádios públicas, como a Educadora FM, que toca de tudo. É claro que tem rádios que têm perfil mais comercial e já têm uma grade focada em um determinado ramo do entretenimento. Tem rádio específica em rádio link. Os movimentos mais populares têm proporcionalmente uma execução maior nessas rádios de maior repercussão.
 
BN – Vocês sentem contemplados com espaço na rádio?
 
YS – Olha, para falar a verdade, a gente ainda não chegou em um ponto de achar que o foco principal, para a Mametto, vai ser a divulgação através de rádio. A gente tem conseguido muita coisa através da internet. É muito mais importante cativar um público que seja fiel e a partir daí para a rádio do que tentar forçar que exista um público através da rádio.  Eu acho que esse é um erro que se comete muito aqui na Bahia até pelos vínculos passados de muitos artistas que dependiam da rádio por ser o único vínculo promotor de suas ações. A gente hoje está muito focado na internet, porque acha que a rádio vai vir como consequência natural se você tem uma base forte de fãs que curtem sua música. Resumindo, não adianta fazer um investimento direto em execução em rádio sem o grupo ter tido uma determinada proporção de reconhecimento, ao menos pela sua comunidade. Então estamos muito mais focados na experiência de shows.
 
BN – Quais foram as apresentações que mais marcaram a trajetória da Mametto?
 
AM – Aqui em Salvador, acho que foi no Farol da Barra, em um lançamento de carro. Um evento corporativo. Porque acho que o Farol da Barra é um lugar muito forte, é um local que marca muito. Acho que é um retrato da Bahia que estava cheio de gente, que estava lotado. E eu não esperava ser recebida com tanto calor. As pessoas conheciam, cantavam minha música. Outro show que me marcou recentemente foi no Pelourinho, com a Orquestra Sinfônica da Bahia, em homenagem a Jorge Amado, e eu fiquei muito surpresa, porque os artistas entravam um por um, cantavam e convidavam o próximo artista. Quando Carla Vizi cantou e acabou de cantar e me chamou, demorou um tempo e o pessoal gritava. Gente, que lindo, aí eu me emocionei [risos], porque tudo começou no Pelourinho, a Mametto nasceu lá, nosso primeiro show foi lá. A gente tem uma relação forte com o Pelourinho.
 
BN – Há quanto tempo existe a Mametto?
 
AM – A gente fez o primeiro show em 2010.
 
BN – A gente sabe que o artista baiano ainda depende muito do carnaval para se divulgar. Vocês têm algum planejamento para o Carnaval 2013? Vão puxar bloco ou sair independentes?
 
AM – Esse ano o carnaval foi muito bom. Fomos independentes, na cara e na coragem, foi lindo. Teve uma excelente repercussão. O carnaval é uma vitrine muito grande. A gente conseguiu se divulgar bastante nos camarotes, no show da Praça Castro Alves, então foi incrível. Foi lindo. Magary, Mametto, foi muito bacana esse ano. Agora a gente está com tudo planejadinho, já inscrevemos o projeto [no edital]. Mas é assim. Tudo tem que inscrever, tem que esperar ser aprovado, depois correr atrás de patrocinador... e a vida é assim. Nada disso me assusta. Porque se tem uma coisa que o artista tem que ter é essa força, essa garra, essa coragem, não deixar de ir à luta. Eu prefiro até do que ser muito rápido. Porque tudo muito rápido não se fixa e você também não tem aquele gostinho de “eu consegui”. Lutei bastante para ter isso.
 
 

 
BN – E quais trabalho de artistas baianos que são referências pra você?
 
AM – Ah, são vários. Eu antes de ser Ana Mametto cantei com todos os artistas aqui. Daniela [Mercury], [Carlinhos] Brown, Claudinha [Leitte], Cheiro [de Amor]. Fiz esse passeio por todos e essa experiência para mim é o que conta mais, porque eu vi cada artista do seu lado pessoa, seu lado trabalhador. Então acabei trazendo um pouquinho para o meu trabalho. Eu admiro muito Daniela. Brown, não tenho nem o que falar... Ele abriu várias portas, ele me levou para a Europa, rodei o mundo todo com aquele Cacique.
 
BN – O que é que poderia melhorar no carnaval de Salvador para que artistas como você, que já têm uma estrada, mas estão iniciando uma outra fase, possam ter destaque?
 
YS – Nós já temos muitos anos como músicos profissionais participando do Carnaval de Salvador. Eu já tenho mais de 20 e ela tem menos um pouquinho [risos], mas a gente tem observado que tem havido ações, não somente governamentais, que refletem a crença de que o carnaval de Salvador estava estagnado.  A gente, particularmente, como um grupo novo, não tem muito do que reclamar do carnaval passado. Nós conseguimos uma boa visibilidade, bons horários, um bom espaço. Eu sei que não é todo mundo que tem esse privilégio, até porque é um evento que condensa muita gente e muitos interesses em poucos dias. E agente sabe que muitos dos problemas estão relacionados muito mais com mídia que com qualquer outra coisa. Então, todo mundo briga pelo horário nobre da TV, pelo horário nobre da rádio e óbvio que quem tem um grande grupo econômico, acaba fazendo um lobby mais forte para tentar ser favorecido dentro desse horário. Isso é uma coisa natural e acho que não é específica daqui da Bahia. O que eu acho importante é que quem está coordenando isso seja sensível a entender que a festa é muito mais que a verba e o entretenimento. Esse ano foi lindo o show da gente na Praça Castro Alves, foi feito em um palco decente, bonito, com uma infraestrutura de som tão boa quanto a do trio-elétrico. É claro, ainda falta muita coisa. Eu acho que o problema físico é o problema mais grave, porque o carnaval cresceu em uma proporção, e a estrutura das ruas não comporta um carnaval tão grande: os trios-elétricos e blocos cresceram, os blocos afros precisam ter fluxo quando descem da Praça da Sé. Este é um problema sério de logística, pois é fato, não cabe. Os próprios artistas já começaram a se mobilizar. 
 
BN - Qual a opinião de vocês sobre as cordas do Carnaval? Está todo mundo discutindo isso; Bell Marques deu opinião favorável às cordas, Saulo baixou as cordas...
 
YS – Olha, a corda do carnaval é um modelo. Um modelo que foi criado para uma determinada realidade, para uma determinada situação. Na medida em que o próprio carnaval evolui, vão surgindo novas propostas e novos modelos. Eu acho que a questão não é muito de ser contra ou a favor, mas sim de estar adequado para o modelo de carnaval que a gente tem, ou não. Como eu trabalho como produtor com quase todos esses artistas, eu sei que a baixada de cordas durante um dia foi um desejo pessoal de Saulo. Mas se não tivesse o entendimento do empresariado do Eva, eles não teriam baixado. Então vamos dizer assim, o formato está estagnado e precisa de modificações. O próprio Durval já sugeriu uma mudança ao propor um carnaval indoor, que aconteceria em outro lugar, nos moldes do que ele faz com o Trivela, para atrair patrocinadores diretos, sem ter nenhum tipo de conflito com patrocinadores da rua. A gente ficaria muito feliz em fazer carnaval nas periferias de Salvador, em não concentrar o fluxo nas grandes avenidas, até porque muitas pessoas não podem chegar aos circuitos tradicionais por falta de acessibilidade. Então não é ser contra ou a favor das cordas, mas o modelo das cordas tem de estar adequado ao momento e à capacidade da cidade. Eu acho que em determinados momentos afrouxar as cordas é bom, mas de vez em quando, pra garantir o retorno financeiro do bloco, às vezes se justifica,  desde que isso não prejudique a festa. Também tem a questão do camarote...
 
AM – Daniela fez isso há anos... Agora hoje é muito mais fácil, na época que Daniela baixou as cordas, ela não tinha o apoio de patrocínio como hoje tem. Hoje, o artista que tem um nome forte no país inteiro consegue um bom patrocínio e baixa as cordas. Antigamente era muito mais difícil. Se ele não botasse a cordinha dele lá, não tinha dinheiro. Daniela baixava as cordas e bancava, mas hoje já é outra realidade. Eu acredito que podemos começar assim, um artista baixando a corda num dia, no outro dia um o outro...
 
BN – O Carnaval de Recife, por exemplo, não segue esse mesmo esquema. A Mametto já se apresentou no carnaval de lá?
 
AM – Exatamente. Nunca nos apresentamos lá. Estamos aqui! Os empresários que quiserem nos convidar, nós vamos, felizes da vida [risos]. É muito lindo Recife, adoro aquele lugar!
 
BN – Você não citou Margareth Menezes como uma referência de artista baiana para a sua carreira. No entanto, seu trabalho, à primeira vista, lembra um pouco o de Margareth Menezes. O que você acha da comparação?
 
AM –  Ave Maria! Margareth, eu idolatro aquela mulher, uma mulher forte, guerreira. Está aí, um exemplo de força e de artista! Margareth nunca teve assim esse boom que outras artistas baianas tiveram, aquela massificação, não é? Mas ela é respeitadíssima no país e no mundo inteiro, Margareth chega na Europa, faz as turnês dela e é aplaudida lindamente. E eu já vi! E fico feliz em ter essa referência. Ela é muito forte, muito presente na minha carreira. Esse ano ela cantou comigo no meu show. Foi um dos melhores. Acabou com aquela praça [risos]...