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Clementina de Jesus inspira livro, filme, peça, DVD e CDs

Por Roberta Pennafort | Estadão Conteúdo

Clementina de Jesus inspira livro, filme, peça, DVD e CDs
Foto: Divulgação
Uma biografia, um filme, uma peça de teatro, um DVD e o relançamento de sua discografia. A morte de Clementina de Jesus faz 30 anos em 2017, e seu legado inspira projetos em gestação e já em cartaz, mobilizando diferentes gerações. O livro Quelé: A Voz da Cor está sendo escrito a oito mãos por jovens jornalistas, três deles nascidos depois de sua partida. O grupo de amigos de faculdade começou há cinco anos a levantar informações sobre a vida e a carreira da cantora de voz e interpretações singulares, nascida em 1901 em Valença, no Vale do Café fluminense, neta de escravos e intérprete revelada só na velhice. Uma lacuna que persiste é o período de 23 anos, entre 1940 e 1963, em que ela trabalhou como doméstica. Para chegar à casa de Dona Glorinha, a patroa, os pesquisadores espalharam cartazes pelo bairro do Grajaú, na zona norte do Rio, onde ela morava. A intenção era conseguir encontrar algum filho ou neto da empregadora, que desdenhava do modo como a empregada cantava, durante o trabalho - "Clementina, você está cantando ou miando?" - para colher relatos sobre seu ofício. "Não conseguimos achar nada. Só gente adicionando no WhatsApp para mandar mensagens dizendo: Nossa, sou muito fã da Clementina!", conta Janaína Marquesini, autora do livro, com Raquel Munhoz, Felipe Castro e Luana Costa, a ser lançado ainda este ano pela Editora Record.

A pesquisa levou a uma suposição sobre o LP O Canto dos Escravos, lançado em 1982. O disco compila cantos ancestrais de negros, ao som de percussão, entoados por Clementina, o cantor e militante do movimento negro Geraldo Filme e Tia Doca, pastora da Portela, e os autores acreditam que Clementina, talvez sem saber, recuperou cânticos da mesma região da África da qual sua família descende: Angola e Congo. "É possível que esses cantos fossem de rememoração, porque eram cantados por sua avó e sua mãe", acredita Luiz Antonio Pilar, diretor de cinema e TV que se dedica à temática afro-brasileira e que está roteirizando um cinebiografia de Clementina, num trabalho dividido com o escritor Paulo Lins. Seu eixo é justamente a trajetória feminina de avó, mãe e filha, ligada a serviços subalternos. "O que liberta Clementina é o canto, a memória de sua raiz cultural", ele crê. Pilar pretende fazer testes no Brasil inteiro para chegar às atrizes que interpretarão a cantora.

Em cartaz desde 2013, o musical Clementina, Cadê Você? destaca também o relacionamento com o marido, Albino Pé Grande, e sambistas como Heitor dos Prazeres e Aniceto. Vivida pela atriz Ana Carbatti, ela se apresenta: "Clementina de Jesus, do mundo, preta velha, mais uma, e uma preta pode falar de si, sem mistério, sem prosa cheia, sem rodeio". "Fizemos uma dramaturgia de lembranças, mais do que uma biografia", define o autor, Pedro Murad, que usou palavras da própria, extraídas de entrevistas, como a dada ao jornal O Pasquim em 1972. "Ela é a essência do Brasil dos anos 1950/1960, o meio do caminho entre o arcaico africano e a urbanização", considera. Com direção de Duda Maia e direção musical de Pedro Miranda, a peça segue para apresentações em Vitória, Campinas, São José do Rio Preto e Belo Horizonte.

O compositor Hermínio Bello de Carvalho, que "descobriu" Clementina aos 63 anos, ao ouvir sua voz numa festa na Igreja do Outeiro da Glória, santa da qual ela era devota, a pegou pela mão e a apresentou ao mundo, acredita que o fascínio que ela ainda exerce "não se explica". Ele se encantou pela "Cinderela ao revés, negra e idosa" numa época em que "ela nem sequer aparecia como personagem secundário nos compêndios oficiais que abordam a indústria cultural, já que era apenas e tão somente uma obscura figurante naquela casa do subúrbio onde ganhava seus trocados como doméstica, lavando, passando e engomando roupas", como diz o texto que escreveu para o projeto da biografia. "É uma figura querida e de muito carisma e força", demarca Hermínio. A gravadora Universal pode vir a corrigir em breve uma desventura. Os 11 discos de Clementina ou com sua participação estão todos fora de catálogo. A gravadora estuda a possibilidade de relançá-los numa caixa especial. O neto Bira de Jesus, produtor de eventos que acompanhou a avó em shows e viagens desde criança, sonha com um DVD com artistas cantando músicas emblemáticas do repertório de Clementina, como Marinheiro Só e Benguelê, e canções em sua homenagem. "Já acertamos a participação de Diogo Nogueira, Monarco, Alex Ribeiro e Nelson Sargento, mas ainda busco patrocínio. Tudo o que faço é para que o nome dela não seja esquecido, e não pelo dinheiro. Se ela mesma não enriqueceu, eu vou querer?"