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Entrevista

Remador Renê Pereira é esperança de medalha para Bahia na Paralimpíada do Rio

Por Matheus Caldas

Remador Renê Pereira é esperança de medalha para Bahia na Paralimpíada do Rio
Foto: Elói Corrêa / GOVBA
A Bahia terá um postulante à medalha nos Jogos Paralímpicos, que acontecem entre os dias 7 e 18 de setembro, no Rio de Janeiro: o psiquiatra Renê Pereira, esperança do remo nacional. Quinto colocado no Campeonato Mundial, em 2015, o baiano de Itapetinga, a 562km de Salvador, se diz motivado em subir no pódio no Rio, apesar das dificuldades: “Não temos o barco oficial no Brasil, e isso impede alguns testes. Não tenho como fazer algumas regulagens no barco. Eu também não consigo sobreviver com o esporte. Não tenho a bolsa pódio, por um erro na hora da inscrição. A federação está brigando em cima da hora por isso. Tenho dificuldades com a logística. Não tenho o acompanhamento do meu treinador na água por falta de uma lancha. O atleta, que uma vez quase se afogou durante um treinamento, contou sobre sua trajetória no esporte, que começou antes da lesão que o colocou numa cadeira de rodas, quando foi um promissor jogador de futebol na sua juventude, e comentou sobre o fato de ser faixa preta em karatê. Há 10 anos como paraplégico, Renê considera que a lesão lhe deu a "oportunidade de se jogar de vez no esporte" e deixa o recado: "Problemas todos nós temos, isso apenas muda de endereço. A diferença de uma pessoa para outra é como ela trata o problema dela. Não pode se fazer de coitadinho". 

Quais suas expectativas de performance nos Jogos Paralímpicos?
As expectativas são as melhores possíveis. Estou otimista e feliz, tenho a oportunidade de participar disso aqui no país. Mas eu também tenho os pés no chão. Tive a oportunidade de ser o quinto do mundo, disputando três campeonatos internacionais. Esse ano eu vim de uma regata na Itália e vi que existem quatro atletas com tempos melhores que os meus. Vi também que tenho potencial para superar alguns deles. Meu objetivo é uma medalha. No entanto, eu percebo as minha dificuldades. Não temos o barco oficial no Brasil, e isso impede alguns testes. Não tenho como fazer algumas regulagens no barco. Eu também não consigo sobreviver com o esporte. Não tenho a bolsa pódio, por um erro na hora da inscrição. A federação está brigando em cima da hora por isso. Tenho dificuldades com a logística. Não tenho o acompanhamento do meu treinador na água por falta de uma lancha. Fico sozinho na água. As marolas também atrapalham e, uma vez, quase morri afogado. 

Você obteve bons resultados em competições nacionais e internacionais. Como esses torneios serviram para te preparar para as Paralimpíadas?
Experiências fundamentais. Pude conhecer meus adversários e a estrutura. Isso também foi importante para eu me conhecer melhor. Vim remar num barco oficial apenas no ano passado. Fui vice-campeão mundial no simulador, mas no barco entram outras variáveis. As regatas internacionais me deram a capacidade de me testar e sentir o clima de prova. Eu soube também que tenho capacidade e não há nenhum bicho de sete cabeças.

Como você perdeu o movimento das pernas?
Perdi em 2006 o movimento das pernas. Eu tinha dois anos de formado em medicina.  Em 2005 acabei servindo à Marinha e, no retorno, fiz a residência em 2006. Comecei a sentir fortes dores na coluna e eram incapacitantes. Na época, achei que era por conta da rotina. Eu era ortopedista e ficava muito tempo em pé. Eu ia sempre à emergência e isso durou cerca de 10 dias. Numa dessas idas ao hospital, fui ao banheiro e acabei perdendo o movimento das pernas. Na correria para descobrir o que era, acabei ficando com essa sequela. Tive um abcesso intracanal medular. Fui submetido à cirurgia, mas não teve jeito. Mas ainda consigo ter uma certa mobilidade na perna direita.

O que essa lesão mudou em sua vida?
O esporte sempre me ajudou, pois fiz muitas amizades. Quando cheguei em Salvador, fazia várias amizades nos "babas" que eu frequentava. Quando tive a lesão, perdi essa identidade e percebi que precisava resgatá-la. Eu tinha um sonho de ser jogador de futebol, mas tive que estudar. A lesão me deu a oportunidade de me jogar de vez no esporte. Inicialmente foi a natação, depois achei o remo. Meu biotipo favorecia isso. A lesão, além da lesão física, me trouxe uma blindagem da mente que me deixou muito forte. Dificilmente fico abalado. Eu percebo isso na psiquiatria, minha atividade atual. Eu me tornei mais humano também. Eu era muito explosivo, e me tornei mais calmo. Se isso não tivesse acontecido, eu não teria tido esse envolvimento com o esporte. Estaria seguido minha profissão de médico normalmente.

Foto: Elói Corrêa/GOVBA
 
Antes da lesão, você praticou uma série de esportes. Como foi essa trajetória?
Eu sempre pratiquei esporte. Eu pratiquei sete anos de karatê e me graduei em faixa preta. Fiz tênis e joguei campeonatos, lá na região sudoeste, onde eu morava. Cheguei a participar de campeonato baiano. Fiz também tênis de mesa. No entanto, o futebol foi meu carro chefe na juventude. Passei cinco anos viajando com meu pai, que era presidente de uma liga amadora no interior. Participei de peneiras de Vitoria e Bahia e sempre era aprovado. Entretanto, meus pais não me deixavam vir jogar por conta dos estudos. Tive um convite para me profissionalizar no Rio de Janeiro, no Itaperuna. Foi aí que passei em medicina e tive que escolher os estudos.

Quais as dificuldades que você encontrou logo quando se tornou paratleta?
A questão do apoio e da estrutura. Todo lugar que eu chego essas queixas são universais e acho que no Nordeste um pouco mais. Você tem que provar que tem capacidade para que as pessoas e as organizações olhem para você. A gente tem que bater cabeça e criar metas baseadas em nos sonhos. O remo não é de cultura latina e isso atrapalha também. Aqui em Salvador não temos equipamentos necessários. Tive que buscar muitas coisas fora. Meu simulador comprei nos Estados Unidos e levei um ano para conseguir trazer para cá. Eu tenho um grande apoio do governo e de patrocínios, mas não consigo viver disso. Eu costumo dizer que o remo foi feito para desistir, mas eu persisti. Qualquer outra pessoa desistiria.

Logo quando teve a lesão, você foi para a natação e depois migrou para o remo. Como você descobriu o esporte?
Tínhamos o Antony que disputou uma Paralimpíada em Pequim. Eu conheci ele quando estava na natação. Ele fazia vários esportes e conheci ele lá. O remo era um esporte novo nos Jogos Olímpicos e ele me apresentou. Fiz o teste no simulador e foi relativamente perto do recorde mundial, pra quem não praticava o esporte. Passou um tempo e voltei para treinar. Passei uns dois anos fora, porque fui morar na Linha Verde. Mas eu fiz uma programação para mim. Eu queria participar as Paralimpíadas. Passei dois anos longe do esporte, mas praticava natação e musculação. Como planejado, voltei para Salvador em 2014, após uma pós em Medicina do Esporte, e voltei aos treinos no remo. 
 
Com sua experiência de vida, qual a mensagem que você passa para quem desiste da vida por conta de uma lesão grave?
Não só para quem esteja numa cadeira de rodas, mas para quem viva uma situação difícil. A vida é feita de coisas boas e ruins. Não é só alegria. Tem que aprender a lidar com as adversidades. Assim, temos dois caminhos: desistir e persistir. Queria dizer para as pessoas que o caminho de acreditar e ter fé em Deus é sempre válido. Problemas todos nós temos, isso apenas muda de endereço. A diferença de uma pessoa para outra é como ela trata o problema dela. Não pode se fazer de coitadinho. Tem que ter fé e acreditar. Não é tão simples assim, mas tem que ter esse sentimento. Tem que olhar para frente e tocar o barco.