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Entrevista

Geraldo Reis culpa a cultura da “ostentação” pela violência - 18/01/2016

Por Luana Ribeiro / Alexandre Galvão

Geraldo Reis culpa a cultura da “ostentação” pela violência - 18/01/2016
Fotos: Alexandre Galvão / Bahia Notícias

Chefe da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), José Geraldo dos Reis culpa a cultura da “ostentação” pela violência. Para ele, a cultura do consumismo prejudica a sociedade muito mais, por exemplo, do que a pobreza. “Você pode ter vários níveis de pobreza, mas a desigualdade incentiva mais. Você tem um jovem num lugar pobre que tem acesso a televisão, a internet, então ele tem o mesmo desejo de ter um violão, um tênis de marca, do que o jovem de classe média. Essa cultura do consumismo é muito forte. Não é à toa que hoje você tem a cultura da ostentação”, explica. À frente da secretaria desde o começo do mandato do governador Rui Costa, Geraldo diz ser, pessoalmente, a favor da descriminalização das drogas. “A pura e simples criminalização não resolve, pois se resolve o consumo, mas não resolve a produção. Sei que minhas palavras causam desconforto, mas a humanidade sempre conviveu com drogas”, exemplifica. Ainda na visão dele, que é sociólogo, o Estado precisa ter foco na redução de danos e precisa deixar de tratar o dependente como se ele fosse um bandido.

A secretaria tem um cunho interdisciplinar muito forte. Como isso funciona? Existe uma interdependência e no que a secretaria é independente?
Como se sabe, a secretaria ela é resultante da junção de outras duas secretarias – a de Desenvolvimento Social e a de Justiça e Direitos Humanos. Passamos a contar com seis superintendências. Nós temos uma vasta rede de pautas que estão vinculadas às nossas superintendências. Originária da antiga Sedes, temos uma superintendência com foco no semiárido, em cisternas, aquisição de leite com parceria do governo federal. Ela responde por dois grandes restaurantes populares aqui em Salvador. Temos também a superintendência de assistência social, que é vinculada ao Sistema Único de Assistência Social, envolve o cofinanciamento com os 417 municípios e envolve o governo federal, que entra com uma verba por ano, e todos esses equipamentos, como Crea, Caps, são oriundos dessas parcerias e no âmbito da antiga Secretaria de Justiça, temos a superintendência para pessoas com deficiência, temos a superintendência de direitos humanos, a de polícia sobre drogas e o Procon. Dentro da de Diretos Humanos, temos outras subdivisões, como a de políticas para juventude, a LGBT e a política para crianças e adolescentes. Uma das nossas principais atribuições é a participação no Pacto Pela Vida. No âmbito do programa, temos várias câmaras temáticas sendo que a nossa secretaria é responsável por duas: a de prevenção ao crack e a de prevenção social. Essas duas câmaras agregaram vários representantes de outras instituições. Então, não é um trabalho só nosso.

Essa multiplicidade de pautas de alguma forma atrapalha? Torna mais difícil?
A ancoragem dessa visão, desse trabalho, é uma visão que o governador tem de que há uma necessidade do equilíbrio da repressão social e da prevenção social. Todas a ações da secretaria que trabalham para prevenção social, nós puxamos. No início houve uma dificuldade de compreensão, mas hoje já está bem azeitado. A própria filosofia do Pacto Pela Vida é isso. Tem por detrás disso a visão de que não só o Executivo e a Secretaria de Segurança Pública são responsáveis por essa área. É uma visão mais ampla que envolve a sociedade civil.

Neste campo específico, de combate às drogas, principalmente o crack, há o projeto Corra Para O Abraço, que é considerado exitoso pela secretaria. Eu gostaria de saber se já existe um perfil destes usuários de crack. Quem são essas pessoas? Como elas chegam a estes locais?
Existe alguns estudos antigos que precisam ser atualizados e uns mais recentes do Pacto Pela Vida. Então, como se sabe, o plano de fundo do trabalho é a diminuição do número de homicídios. Temos uma leitura realista dessa situação. De 2002 para cá, quando tivemos grande crescimento, geração de empregos, nós tivemos programas de inclusão social, uma grande classe média, mas, de forma paradoxal, foi o período de maior crescimento dos índices de homicídios. Em nível de Bahia, têm-se uma média de 5 mil homicídios por ano. Não podemos achar estes números normais. Na Bahia, acompanhou-se o fenômeno do Nordeste, que cresceu economicamente, mas cresceram os homicídios. Isso quer dizer que a violência e o combate aos homicídios é muito mais complexo. As forças de segurança pública têm se estruturado, os orçamentos crescidos, a polícia hoje bem mais aparelhada, mas, mesmo assim, não tem sido fácil. Isso só comprova a complexidade. Por outro lado, grande parte dos homicídios estão vinculadas ao tráfico. Na minha visão pessoal, há de se fazer uma reflexão acerca da política de drogas. Cada vez menos repressão e mais cuidados, mais redução de danos. Temos um leque amplo na secretaria, temos convênios, por exemplo, com a Fundação Dr. Jesus. É um convênio de dois anos, de R$ 20 milhões. Ainda que se tenha um questionamento do ponto de vista dos direitos humanos, é incrível a disciplina, a estrutura, as oficinas, as padarias... se você fosse me perguntar se eu teria correção, eu diria que sim. Mas, ao mesmo tempo, o resultado é impressionante. Assinamos também convênios agora com 14 comunidades terapêuticas. São R$ 519 mil repassados por um ano para essas comunidades. Isso é importante, pois começa a ter um atendimento em toda Bahia. Temos o Corra Para o Abraço, temos o Ponto de Cidadania. Tive a oportunidade de visitar de perto, de conversar com pessoas em situação de rua, e vi como aquilo ali é importante, pois possibilita a higienização e é um ponto sinérgico para que pessoas do Corra Para o Abraço comece a interagir com essas pessoas e comece com a sedução para a recuperação da autoestima. É um trabalho lento, complexo, mas é uma estratégia de reparação de danos. Talvez, a mais avançada, mas temos que ter vários caminhos para trabalhar. Porque é importante ampliar esse trabalho de encarar o dependente como uma pessoa que precisa de cuidado e não de forma preconceituosa, como um bandido. O dependente não pode ser comparado com traficante, não pode ter um sinal de igualdade. Por isso que precisamos consolidar esse trabalho. No meu entendimento, há um sentido de flexão na política antidrogas, que é o de fortalecer o trabalho de redução de danos. Estamos implementando outras ações como o Neojibá, que também faz parte dessa estratégia. Estamos espalhando para toda a Bahia. No Plano Plurianual temos R$ 55 milhões só para o Neojibá, visando essa expansão. Temos também os núcleos de direitos humanos, voltados para bases comunitárias que visa a outra presença do Estado. A população não precisa sentir a presença do Estado só pela cor da farda policial, mas por outros sentidos mais acolhedores. Então, há uma perda de sentimento, há uma crise do ponto de vista societário, de dar segurança de apontar um caminho para os nossos adolescentes. O nosso trabalho é também trabalhar uma nova cultura, um novo comportamento, novas referências éticas e morais, restaurar esse tecido social.

Essa questão da desagregação social chama atenção. Popularmente, diz-se que antigamente tinham vergonha de roubar. Como o Estado pode ajudar nessa recomposição do tecido social? Além das ferramentas concretas, das medidas, como essas intervenções podem ajudar nessa recomposição?
Olha, como eu disse, mais do que mudanças na estrutura e na geografia, é necessário mexer com a dimensão mais subjetiva. Não temos uma receita pronta, mas estamos reforçando a prevenção social, não temos a ilusão que isso irá diminuir de uma hora para outra, mas sabemos que estamos criando embriões de uma nova cultura comportamental. Aí tem um dado importante que é de que o Estado e o Executivo sozinhos não dão conta. Por isso que o governador dá tanta importância de chamar a sociedade, as religiões e repensar a escola, os espaços de entretenimentos. Há uma disputa de valores. Temos que fazer essa disputa, pois hoje a vida não vale nada. Agora, como eu disse, é necessária uma busca ativa de quais comunidades e pessoas estão mais vulneráveis de entrar no caminho do crime. Dos homicídios, em Salvador, 66% das vítimas são jovens de 12 a 29 anos. Quando se cruza com a escolaridade, o que a gente observa? Matriculados no ano da morte 2,9%. O índice de reprovação destas pessoas que morreram é três vezes pior do que a média. Quando você olha o perfil da ocupação, são pessoas que estão na área de serviço, estudantes, mas, em geral, pessoas com relação preconizadas. A renda per capita destas pessoas é de R$ 49. A questão não se resolve meramente por um decreto, pela vontade dos governantes. Uma coisa está clara, não é apenas a pobreza a responsável pela violência. Às vezes, a desigualdade influencia mais. Você pode ter vários níveis de pobreza, mas a desigualdade incentiva mais. Você tem um jovem num lugar pobre que tem acesso a televisão, a internet, então ele tem o mesmo desejo de ter um violão, um tênis de marca, do que o jovem de classe média. Essa cultura do consumismo é muito forte. Não é à toa que hoje você tem a cultura da ostentação.
 
Para fechar a questão das drogas, o senhor menciona a mudança de política. Como o senhor pensa a descriminalização?
Olha, essa é uma questão complexa. Eu, pessoalmente, sou favorável à descriminalização das drogas, em especial a maconha, por motivos óbvios. O efeito do crack é muito mais pesado do que o da maconha, como se sabe que muitas substâncias da maconha são usadas em medicamentos. A pura e simples criminalização não resolve, pois se resolve o consumo, mas não resolve a produção. Sei que minhas palavras causam desconforto, mas a humanidade sempre conviveu com drogas. Todo mundo sabe disso. A própria bebida alcoólica é uma droga. Se você olhar do ponto de vista mais temporal, você encontra convivência e conexão com drogas e religião. Quero deixar claro que não estou incentivando. O que eu acho é que o remédio não pode matar mais do que a doença. A questão de fundo hoje é: morre mais gente pelo consumo de drogas ou pela violência gerada em função do tráfico? Eu acho que o Brasil, como nação, tem que encarar essa questão das drogas de forma estratégica. Eu costumo dizer que, da mesma forma que temos uma crise estrutural na indústria, na esfera social é a questão das drogas. Isso não significa uma visão edílica de que não é necessário polícia. Toda cidade tem que ter armas na mão do Estado. Mas, infelizmente, o que vemos hoje é o congresso nacional flexibilizando o uso das armas. Temos outras questões como redução da maioridade penal, então, tem que ser repensado.