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Entrevista

Anselmo Brandão diz que é importante “uma polícia que saiba diferenciar o traficante do dependente químico” - 02/03/2015

Por Fernando Duarte / Luana Ribeiro

Anselmo Brandão diz que é importante “uma polícia que saiba diferenciar o traficante do dependente químico” - 02/03/2015
Fotos: Renata Farias/ Bahia Notícias

Defensor de uma polícia mais próxima da sociedade, o comandante-geral da Polícia Millitar da Bahia (PM-BA), coronel Anselmo Brandão, quer que o policial não perca “a ternura”, citando a célebre frase de Che Guevara. “Não é o fato de você estar portando uma farda que vai deixar que você seja humano ou desumano”, afirmou o coronel, em entrevista ao Bahia Notícias. Segundo ele, a morte de 12 pessoas no Cabula, o deixou entristecido, porém as informações disponíveis confirmam a versão do enfrentamento apresentada por ele e pelo governador Rui Costa. Sobre o caso do Cabula, Brandão avaliou que “todo mundo dá uma de policiólogo”, porém naturalizou a repercussão do caso. Para ele, é importante “uma polícia que saiba diferenciar o traficante do dependente químico”.
 
Ano novo, governo novo, comando novo. Quais são as expectativas e perspectivas do coronel Anselmo Brandão no comando da Polícia Militar da Bahia?
As perspectivas são muito boas. Primeiro, é um sonho desse comandante ser comandante-geral. Eu me preparei durante esse tempo, sempre fui um apaixonado pela segurança pública e se tratando da área preventiva, que é o nosso papel, eu espero – inclusive tenho um planejamento já pautado para isso – levar a polícia para mais perto da sociedade, das pessoas. A minha meta é fazer um comando participativo, um comando onde o policial esteja bem próximo das comunidades ditas como as mais carentes, onde nós sentimos um certo distanciamento, devido a própria situação vivida no país do problema de violência. E internalizar nos nossos policiais, num primeiro momento, a sua aproximação. Com isso, nós esperamos contar com a participação da comunidade, da sociedade organizada, num primeiro momento, e das entidades que fazem parte do conjunto de relações com as pessoas, aí entram a família, a igreja, as escolas, e as ONGs. Todas as entidades que podem ser parceiras desse projeto que estou começando neste ano.
 
Depois de um período de relações pouco próximas da tropa com o governo do estado, o governador Rui Costa vive um período que, na imprensa, seria uma lua-de-mel com os policiais militares. Por que Rui vive numa situação um pouco melhor do que a do ex-governador Jaques Wagner e como fazer para que esse clima ameno entre o governo do estado e a tropa continue até o final do mandato?
Primeiro, é o discurso. O governador Rui Costa está colocando em prática aquilo que ele pregou quando ele estava em campanha. Eu observei seu plano de governo. Tanto que quando fui entrevistado por ele, eu alinhei as minhas propostas e uma das coisas que nós externamos e construímos juntos é que o governador estaria próximo da nossa tropa e ele assumiu esse compromisso e está dando cumprimento. Para a tropa foi de muita alegria. A tropa está muito esperançosa, muito motivada. O governador tem sido muito prático, é uma pessoa que aquilo que ele fala, ele quer que coisa aconteça. Ele é um governador que quer resultados, que a todo momento é um incentivador, tanto que ele disse que a polícia próxima dele. Ele disse que é uma área que ele quer acompanhar de perto e eu não tenho dúvida de que isso não é uma lua-de-mel, acho que é uma proposta de governo. Eu não tenho dúvidas que o governador Rui Costa irá acertar e está acertando nessa linha. Não só com segurança, mas também em outros segmentos como educação, como a saúde, e a nossa proposta, a nossa meta, é estar alinhado com ele nos desafios da segurança.
 
Muito se fala em polícia cidadã e o papel social do policial. O senhor, inclusive, é reconhecido pelo histórico de policiamento dentro desses parâmetros. Como implantar essa mentalidade para o restante da tropa?
A nossa tropa já tem a filosofia internalizada. O que acontece hoje com parte da polícia reativa é porque, infelizmente, a sociedade está violenta. Os problemas estão mais emergentes. Não vou dizer que a sociedade está mais violenta, as pessoas estão mais emergentes na prática da violência e de atos violentos. E a polícia, como elemento de controle, tem que acompanhar essa mudança. Nós, em nenhum momento, queremos fazer uma polícia de reatividade. Eu sou contra. Sempre fui um comandante pacificador. Nas minhas atuações em comunidades carentes e com problema de violência, eu sempre fui um aliado da paz, da tranquilidade e da sensação de segurança. Mas que tem vertentes que têm que ser reconhecidas. A Polícia Militar ou ela enfrenta com seus instrumentos de defesa ou vai ficar refém, como disse o governador. Nós não podemos ficar ajoelhados para o crime. Nós temos que ser duros, mas jamais perder a ternura [em referência à uma frase famosa do guerrilheiro Ernestro "Che" Guevara]. O policial não pode perder a ternura. Ele tem que entender que o papel principal dele não é a reatividade. Nós não queremos uma polícia bélica, uma polícia que atire. Eu quero uma polícia que atire naquele momento devido. Tanto que a experiência que eu tive no bairro de Tancredo Neves, vou citar para ser bem rápido, no ano que cheguei, os policiais tinham dado no ano anterior 1.656 tiros. E após um ano nós reduzimos essa quantidade de disparos para 520. Foi uma redução de mais de 50%, uma coisa muito boa naquele período. E eu quero essa polícia. Uma polícia que atire menos, que se aproxime mais da comunidade. Uma polícia que saiba diferenciar o traficante do dependente químico, que é um problema muito grave nas comunidades mais carentes, de modo que as pessoas sintam que a polícia está ali para proteger e não para agredir, para ofender, para oprimir, como as pessoas falam que a polícia é um instrumento de opressão.
 
Organismos de direitos humanos defendem a desmilitarização das polícias. O que o comandante da Polícia Militar da Bahia pensa sobre esse assunto?
Quando se fala de desmilitarização não é o instrumento da farda que diferencia o comportamento do homem. Muitas polícias no mundo, muito pelo contrário, estão voltando a uma militarização. Porque as pessoas imaginam que o policial militarizado é um policial grosso, um policial que tem uma vertente muito limitada. Muito pelo contrário, o maior sustentáculo das organizações é a disciplina. É o ordenamento daquilo que ele faz. Nós temos que ter registros de normas, nós temos que ter registro de ações, de protocolos. O símbolo do militarismo é um símbolo internacional no mundo. Não é o fato de você estar portando uma farda que vai deixar que você seja humano ou desumano. Você pode estar sem farda e tratar as pessoas da forma como você trataria se estivesse fardado. O que nós temos que internalizar – e já vem mudando há muito tempo – foram modelos passados. Até mesmo o Exército não é mais como ele era antigamente. O Exército mudou muito a sua cara. As Forças Armadas mudaram muito a sua cara. Eram muito fechados e hoje nós estamos vendo o Exército com ações sociais, as pessoas indo aos quarteis, com programas educativos. É uma evolução. Quando se fala da desmilitarização, é cortar completamente o vínculo de respeito, de ações que inclusive fortalecem o homem em valores e princípios, coisa que você não vê em organizações que não têm esse perfil, que não tem esse padrão.

 

No começo do mês de fevereiro, o episódio que resultou na morte de 12 pessoas no bairro do Cabula levantou questionamentos sobre eventuais abusos por parte de policiais. Como lidar com as críticas de truculência e excessos por parte de integrantes da Polícia Militar? O senhor considera que houve exagero na repercussão desse caso? Como fiscalizar e melhor a relação da polícia com a sociedade?
Primeiro, infelizmente essa não é a nossa proposta. Qual o desejo que um comandante tem em saber que morreram 12 pessoas? Muito pelo contrário, eu fico triste. Eu me entristeci porque são 12 vidas. Não é só pelas pessoas que morreram. Pelas suas famílias. Pelos seus vizinhos. Quem gostaria de ver seus filhos, naquele instante, como eles estavam, naquela situação divulgada pelos senhores? Eu não posso fazer nenhum julgamento de valor da ação policial. Primeiro, porque eu não estava na cena do crime. Então, a versão que foi informada pelo governador e por mim no dia da operação foi uma ação que foi passada pelas pessoas que estavam no comando da tropa. Agora, em buscar a verdade, nós somos muito transparentes. Nós não escondemos nada na cena do crime. Nós estamos com dois inquéritos em andamento, um pela Delegacia de Homicídios e outro pela nossa Corregedoria. E, de todos os dois, nós temos acompanhamento do maior fiscalizador do Estado, que é o Ministério Público. Fora isso, nós temos os órgãos fiscalizadores, que é a própria sociedade que está acompanhando, a Anistia Internacional, como já soube, e outras entidades. E nós estamos aqui para esclarecer os fatos. Caso surja, no decorrer da apuração, fatos que comprovem o desvio de conduta, nós iremos taxar da mesma forma, como estamos buscamos na defesa dos nossos policiais.
 
Houve exagero na repercussão?
Eu acho que não é só exagero. Eu acho que houve um exposição muito grande de uma ação que as pessoas não estão sabendo avaliar. É muito difícil você estar na cena do crime e você estar na cena. O que mais me entristece é que as pessoas querem comparar em termos quantitativos. Eles acham que se morreram 12, é porque deveriam morrer pelo menos dois policiais. É um julgamento muito sensacionalista. Para morrer pessoas têm que morrer policiais? Pessoas que naquele instante – até que prove o contrário – estavam num local altas horas da noite, portanto armas de fogo, com explosivos, com tudo. Alegam: “eles não tinham antecedentes”. Ora, nós temos um problema seríssimo, principalmente no interior, que a grande parte dos homicídios estão sendo praticados por menores, que não possuem antecedentes. Você não pode avaliar o grau de periculosidade da pessoa pelo seu histórico e pela sua idade. Os menores começam a praticar delitos a partir de 12, 13, 14 anos. Alguns internalizam a violência muito cedo e reflete. Tanto que na ação, salvo me engano, não houve nenhum menor que foi vítima. Parece que teve um baleado...
 
(interrompendo)  Teve um de 17 anos que faleceu...
Mas os outros todos tinham indicativos. Não só os dois de antecedentes, mas indicativos de que a polícia já conhecia por práticas delituosas. No momento está cedo para se fazer essa avaliação como quer a sociedade, balizando por números e por quantidades. Não é por aí. Nossa atividade é uma atividade muito estressante, uma atividade que muitas vezes as pessoas não entendem e internalizam. É como se um economista julgando a economia do país sem saber as suas causas, um técnico de futebol que não está no campo. Então todo mundo dá uma de policiólogo. E é normal na sociedade, ela tem que tem emitir opinião, tem que externar o que diz. Mas nós temos que ser bastante responsáveis e jamais dizer uma coisa sem conhecimento de causa.
 
Existe uma perspectiva de ampliação da fiscalização da atividade policial? Não só desse tipo de situação, mas o secretário Maurício Barbosa (Segurança Pública) falou da implantação de câmaras em viaturas... Como é que funciona?
Já está funcionando. Nós temos câmeras de viaturas, nós temos uma corregedoria forte, inclusive nós estamos fazendo a disciplina das ações policiais, então a nossa corregedoria vai para a rua. À noite, olhando onde os policiais se encontram. Nós temos um grupamento 24h que trabalha na corregedoria. A questão das câmaras, não só para os policiais, mas também para a sociedade, nós estamos ampliando essa sensação de segurança. Ou seja, nós somos elementos fiscalizadores. Nós temos elementos fiscalizadores muito fortes. A Polícia Militar no país é uma organização que nós temos poucos problemas de corrupção, de policiais com desvios de conduta. Aqueles desvios que são identificados nós temos sido rigorosos nas punições. Eu só tenho 40 dias de comando, mas tenho punido bastante os policiais por desvio de conduta, pequenas infrações, não é coisa tão grave. E aqueles que realmente cometem infrações, que podem levar até demissão, nós vamos demitir da mesma forma. Nós não aceitamos que pessoas de má conduta estejam dentro da corporação denegrindo a imagem dos nosso colegas e também para a sociedade.
 
O governador Rui Costa comparou policiais em condição de enfrentamento com suspeitos com um artilheiro, prestes a marcar um gol. Como no futebol, o ataque é a melhor defesa?
Não, eu acho que não. Eu acho que quando o governador Rui Costa fez essa comparação, ele colocou mais a figura do futebol como o estresse. O momento que o policial está na tomada de decisão. Não é pelo ataque. Primeiro que no futebol tem o ataque, mas o ataque do futebol é diferente do ataque na atividade policial. Nós só atacamos quando sentimos que temos que preservar a vida e a nossa defesa. Policial não anda a todo momento atacando pessoas na rua, com medo de ser morto. Muito pelo contrário, ele está sempre se prevenindo. O ataque nosso é diferente do ataque no futebol.

 

Entre os pontos defendidos recentemente pelo governador é o retorno à atividade de policiamento ostensivo de PMs que atuam em serviços administrativos e em outras áreas, cedidos a outros órgãos, por exemplo. Como esse processo deve ser conduzido pelo comando geral e qual a expectativa de incremento de policiais nas ruas a partir dessa iniciativa?
Nós estamos fazendo um estudo e está bem adiantado. O governador já deliberou para essa tomada de decisão. Como são policiais aposentados, isso demanda um certo tempo, pois nós precisamos avaliar esses policiais. São questões de saúde, estado físico, emocional, a capacitação, mas o trabalho já está em andamento e eu acredito que em breve nós teremos grande parte desse efetivo nas ruas. Tanto os reservistas quanto os policiais cedidos a outros órgãos, que nós estamos começando a chamar e a selecionar.
 
O senhor tem noção de números?
O governador anunciou, num primeiro momento, 4 mil homens. Esses quatro mil, é bom que fique claro. As pessoas vão perguntar: “Cadê 4 mil homens na rua?”. Isso foi apenas uma estimativa. Dentro dessa estimativa, nós vamos começar a fazer as avaliações. Pode ser que chegue a 4 mil ou menos. Mas foi uma expectativa de números em cima de uma realidade que nós temos. Mas é um trabalho feito pela área de recursos humanos, que demanda um certo tempo e um aprimoramento na busca do quantitativo.
 
Nos últimos anos a Polícia Militar acabou por situações de greve e, aparentemente, hoje, não temos uma iminência de greve, como aconteceu nos últimos anos. O que a população pode esperar da Polícia Militar nos próximos anos?
Foi um momento. O que passou, não só por parte dos policiais, como também pela sociedade, que entendeu as reivindicações, eu não vejo cenário para isso. De coração. Primeiro que as relações eram sempre de diálogo, de conversa e de conquistas. Eu acho que muitas conquistas foram alcançadas, policiais estão maduros, os líderes sindicais estão maduros, então não vão optar por esse instrumento de busca de negociação. O governador tem sido participativo, tem conversado com esse comandante e preciso dizer que eu estou com liberdade de dialogar, de conversar, sem interlocutores. Ele me deu todos os poderes, todas as decisões. Eu tenho conversado com a tropa, com os praças, e estamos em total harmonia nesse instante. Eu acredito que isso vai durar por muito tempo, devido a essa transparência que o governador tem dado nas suas ações.