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Entrevista

Eduardo Topazio traça panorama da seca na Bahia e ressalta que seca não é privilégio do Nordeste - 01/12/2014

Por Luana Ribeiro / Luiz Fernando Teixeira

Eduardo Topazio traça panorama da seca na Bahia e ressalta que seca não é privilégio do Nordeste - 01/12/2014
Fotos: Bruna Castelo Branco/ Bahia Notícias

Eduardo Topázio é o Coordenador de Monitoramento de Recursos Ambientais e Hídricos do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e trata do panorama da seca na Bahia. De acordo com o servidor, "a seca não é privilégio" do Nordeste e está presente em outras regiões do Brasil e até em locais não muito divulgados, como no Rio Grande do Sul. Topázio fala do programa que irá mapear os pontos de seca no estado que deve entrar em execução no próximo ano e de como o governador eleito Rui Costa (PT) provavelmente já está a par da situação da Bahia por conta do seu período à frente da Secretaria da Casa Civil. Além disso, ele fala sobre a situação do Rio São Francisco, que não é crítica e precisa do cuidados em curto prazo para que a vazão não deixe os ribeirinhos baianos na mão. "O São Francisco é a nossa salvação mas nós temos que ajudar o santo", afirma Topázio.

O que é o Monitor da Seca?

Na prática, para o usuário comum, é como se fosse um mapa, um mapa representativo. Quando ele for operacional, vamos colocar dados todo mês e nós já estamos fazendo um protótipo, uma versão inicial dele. Na prática a gente vai pegar o mapa do Nordeste brasileiro, porque isso é feito com todos os estados nordestinos, e fazer um desenho em cima do mapa, para vermos como está a seca naquele instante. Mensalmente a gente vai renovar esse mapa. A gente chama de monitor porque é um mapa virtual, não é um mapa real. Ele não vai ser impresso, vai estar em um site chamado “Monitor de Seca do Brasil”, o que a gente está negociando, porque o governo federal está participando desse processo de que isso fique hospedado na Agência Nacional de Águas (ANA), porque com isso abre a possibilidade de ser um órgão federal que esteja coordenando o processo, para que a gente agregue resultado do Brasil inteiro. Afinal de contas a seca não é privilégio nosso. Você vê o que está acontecendo em São Paulo, Rio Grande do Sul… as pessoas não sabem disso, mas há períodos de seca mais recorrentes no Sul do que em São Paulo.
 
Vai começar mesmo em janeiro?
Janeiro é o nosso prazo para que ele esteja funcionando. A gente divulga esse site, preliminarmente ele vai estar em um domínio próprio dele, mas hospedado em um sistema dos estados do nordeste. Mas futuramente queremos que a ANA, que já está participando da discussão embora não esteja na elaboração ainda, hospede no seu sistema de informação de recursos hídricos mais esses elementos, pois tem toda a condição tecnológica e estrutura física. Aí seria um site específico, você não teria que necessariamente entrar no site deles, mas sim no do Monitor da Seca. A ideia é essa, mas tem um trâmite um pouco burocrático ligado a essa questão da informática para fazer registro, mas isso já está mais ou menos encaminhado. Então será a partir de janeiro, nosso desafio é esse em um período que é muito ruim porque são atividades ligadas a governos justamente no ano em que está mudando o governo de todos os estados, então a gente termina tendo um pouco dessa dificuldade. Assumimos a área técnica nesse desafio, mas já está praticamente pronto. O site já está existente, embora ainda não operacional ou divulgado, porque ainda não é oficial. Esse site está provisório e o que vamos fazer é migrar de servidor e futuramente para o servidor da ANA.
 
Quais são os estados que participam por enquanto? Quais são as variáveis?
Deixe eu dar um exemplo: os estados são todos do nordeste, literalmente. Minas Gerais não faz parte, apesar de parte do estado estar no Polígono das Secas e na área do semiárido, mas ela não está nessa articulação. Minas não tem um centro de acompanhamento de combate à seca. Todo esse processo se iniciou por causa desse processo de quatro anos de seca intensa nessa região, nós sentimos a necessidade de ter esse instrumento para poder passar a informação para a sociedade e dar informação para os governos. Da Bahia ao Maranhão. Quem está na frente do processo são Ceará, Pernambuco e Bahia. Quem vai elaborar esse mapa a cada revezamento de três meses, é esse estado. Já fizemos o primeiro rodízio e estamos com Pernambuco, mês passado foi a Bahia. Os parâmetros que nós analisamos são: chuva, temperatura, humidade relativa, índice de aridez. Em função do valor do índice você determina qual o tipo de seca, porque esse mapa não vai dizer se foi seca ou não seca. Ele vai dar cinco tipos: seca severa, seca tênue, início de seca… toda uma graduação para saber se a seca está se iniciando e na sua plenitude de severidade, quando isso ocorrer. Mais do que isso, saber se ela é de longo prazo ou se ela é de curto prazo, ou seja, em função da sazonalidade que tem todo ano. A composição desses índices através de medidas atuais comparando com o histórico. Outro índice que usamos para validar o processo é a vegetação. A imagem da vegetação mais ou menos seca interfere no processo. Nós temos informação no Nordeste e devemos ter uma distribuição de dados por territórios para que tenhamos segurança na informação, porque ela não chega em tempo rápido. No futuro a gente espera fazer isso semanalmente. A gente não tem quantidade de informação em um espaço de tempo curto. No caso da seca isso não prejudica porque ela não acontece de um dia pro outro, ao contrário da chuva, porque quando ela é muito forte ela tem um impacto. A seca vai se perpetuando por um bom período. Nós buscamos fortalecer a coleta de dados, porque ela é ainda é manual e analógica. O Ceará está mais adiantado em relação a isso.

 

Considerando que a seca é um problema persistente aqui no Nordeste e aqui na Bahia, qual seria o motivo dessa dificuldade na coleta de dados?
Essa é a grande pergunta que a gente se faz. A dificuldade não é nem a coleta de dados, mas sim a quantidade de dados que são necessários para gerar a informação de tempo e clima, de meteorologia. Nós nunca tivemos investimentos no estado em relação a essa área. Esse é um problema que a gente passa a detectar a partir de 2011. A falta sempre se sentiu, mas a partir de lá a gente faz o diagnóstico de que as informações que a gente tem são muito precárias. E isso coincide com o período de seca mais intenso dos últimos 100 anos. Na verdade a gente não tem porque não houve investimento, é muito simples. Estamos correndo atrás do prejuízo para gente criar uma base de informação que seja robusta. Quando começamos, tínhamos apenas 20 estações meteorológicas automáticas em um estado que tem 560 mil km². Há outras 12 do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Nós temos 417 municípios e em alguns deles não tem nem pluviômetro e você não sabe quanto choveu. A meta do governo do estado que foi passada pra gente e já estamos em processo de aquisição. Primeiro vamos cobrir todo o território estadual e toda cidade vai ter pelo menos um pluviômetro oficial, com registro. Estamos no processo de implantar pelo menos 70 estações automatizadas de pluviômetros, que medem chuva, temperatura e humidade. Ao mesmo tempo, temos um projeto de cobrir o estado inteiro com 75 estações meteorológicas. Temos garantidos que nos próximos dois anos, junto com o governo federal em 2014, cerca de 230 áreas em que podemos instalar estações agro meteorológicas e mais estações convencionais mais compactas. Com isso saímos de um universo que se resume a 19 estações no século XXI, para um universo de pelo menos 200 estações. Hoje eu assinei uma nota técnica recomendando a colaboração com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) que vai se juntar a essa modernização da nossa rede. O Cemaden está implantado uma rede que tem foco principalmente na agricultura familiar, uma agricultura própria, nova, que está sendo implantada de agora até o ano que vem, e nós temos um projeto relativo a complementar uma rede que crie uma malha de monitoramento condizente com o tamanho do nosso estado, que é ter mais 40 estações. Essa malha vai substituir as 20 atuais, que já estão funcionando há mais de dez anos e são equipamentos eletrônicos que ficam ao relento e tem uma vida útil curta. A gente vai precisar substituí-los, que são importados.
 
Como está a situação do Rio São Francisco? A nascente principal chegou a secar em setembro, sites do interior relatam que o nível do rio está baixo, a vazão da barragem do Sobradinho diminuiu… é possível dizer o estado dele?
O estado do Rio São Francisco é muito mais crítico do que a condição do Paraguaçu, por exemplo, do ponto de vista do seu conjunto histórico. As vazões do São Francisco têm declinado nos últimos anos de maneira significativa. O São Francisco é uma bacia federal, então quem faz a gestão é a ANA, mas claro que tem o território da Bahia no meio, que ele cruza e a gente acompanha os processos, mas a dominialiadede dele é da ANA, que sempre compartilha conosco. A gente tem mais responsabilidade sobre os rios que estão dentro do nosso estado e ele é um sintoma de como o São Francisco está crítico. Esses rios, que de fato alguns deles secaram por muito mais tempo do que eles cortam, em alguns anos. Obviamente o São Francisco está no coração desse processo do semiárido, do nordeste e baiano, praticamente, então ele está muito fortemente impactado pela falta de chuvas, principalmente em uma área que não é semiárida, porque ele nasce na área da Serra da Canastra, em Minas Gerais. Essa região tem passado por um período de estiagem prolongado, e isso fez com que reduzisse drasticamente sua vazão. Não só Sobradinho, mas também Três Marias e outras mais antigas, que regulam a vazão a jusante. Ela teve que suspender a sua geração de energia. O São Francisco, de fato, é um problema muito preocupante em função dessa estiagem prolongada. Temos os primeiros sinais, apesar de não podermos prever o clima com grande antecedência, o que a gente consegue fazer através de análises e conjuntos numéricos, é fazer uma previsão de três meses. Há uma indicação de que haverá um período chuvoso. O que eu posso adiantar é que, de fato, o São Francisco passou um dos períodos mais secos da história, que temos registros. Não dá para compará-lo com nenhum rio do estado, ele tem vazão mínima garantida de 500 m³ por segundo. É muito menos do que havia no passado quando não haviam as barragens que retém a água para a produção de energia. É preocupante e a gente precisa ficar atento para ver a evolução desse quadro, porque se fala muito em alteração dos padrões climáticos e isso a gente vai poder ter a certeza absoluta se incrementarmos o monitoramento, porque só ele vai nos dar essa resposta definitiva, tanto hidrológico quanto hidro meteorológico. Alguns investimos de captação recentes amenizaram a situação e é por isso que não sentimos tanto essa seca. Algumas obras de infraestrutura hídricas que foram realizadas com captação de água do próprio São Francisco e de adutoras, e a gente está trabalhando com o governo do estado para atender a região de Senhor do Bonfim e a região do Sisal, para fortalecer o sistema.

 

Isso atrapalha a realização de grandes obras de transposição?
Prejudica não só a transposição como também o fluxo de água nos rios. O São Francisco passou por um processo histórico, é o rio da integração nacional, e aí teve um processo de ocupação muito degradante de suas margens. O assoreamento do rio reduz a capacidade de captação de água do rio. O assoreamento é o enterro de um rio e isso acontece porque houve uma grande degradação e desmatamento das suas matas ciliares. Em parte devido à aridez da região, que fez com que o ribeirinho se aproximasse muito do rio por ser a única área fértil e com disponibilidade hídrica para fazer suas pequenas agriculturas, sendo de subsistência ou não. Em parte por descaso do homem que acha que a natureza é uma provedora infinita, o que não é verdade. O processo de recuperação do rio é fundamental para a permanência de suas vazões em um nível necessário para atender essas bacias que querem receber suas águas. Isso é um problema que é preocupante para o governo, tanto do estado quanto nacional, o que é difícil é você recuperar essas áreas, porque eu acredito que é preciso quebrar um pouco do paradigma: não adianta você chegar lá e simplesmente plantar árvore na margem, porque aquela área já está degradada e perdeu um pouco da sua possibilidade de regeneração natural. Você tem que fazer intervenções mais criativas de contenção do leito do rio. Porque o que assoreia o rio é justamente a chuva que vai fora do seu leito e que leva o material que é erodido das margens. Temos que conter essa erosão sem ter medo de conter paradigmas. Foi o que se fez em boa parte do Mississipi, nos Estados Unidos, que foi uma contenção física. Em algum momento vamos ter que fazer o desassoreamento mesmo, mecânico, utilizando o material para outras finalidades para tornar o rio mais navegável. O Rio São Francisco tem que passar por todo um processo, por ser de integração nacional e atender a nossa demanda ele precisa ter um cuidado especial em relação ao assoreamento, e pra isso ele precisa recuperar suas nascentes. É fundamental isso acontecer em Minas Gerais, pois as regiões desmatadas tanto em Minas quanto no Oeste da Bahia, que são as regiões de contribuição pra água do São Francisco. Você tem que evitar esse processo contínuo de assoreamento através da recepção de material sedimentar. É melhor fazer barreiras físicas que contenham de fato o sedimento, e com isso vamos conseguir uma condição melhor pra poder explorar esse recurso. Se não acontecer isso, todo o processo da transposição está em risco futuro, não de curto prazo, mas com uma vida útil menor do que deveria ter. É bom que a Bahia fique sabendo disso, é interessante que a gente fale desse assunto porque a transposição não se dará apenas para o “norte do nordeste”, mas para a própria Bahia. Tem projetos de captação na região de Juazeiro para trazer a água pra Senhor do Bonfim, que já é bacia do Itapicuru, e não mais bacia do São Francisco, justamente para garantir o recurso hídrico daquela região do semiárido, são projetos que já devem estar em execução em três ou quatro anos, porque isso é fundamental para atendimento de cidades como Capim Grosso, Senhor do Bonfim e o vale do Sisal. As águas que eles usam hoje em dia não são suficientes e estão se salinizando por conta do processo natural que acontece nessas áreas. O São Francisco é a nossa salvação mas nós temos que ajudar o santo.
 
O senhor mencionou Capim Grosso… seriam as obras do chamado Eixo Sul, que iriam até São José do Jacuípe?
Aquela é uma barragem, que está se salinizando muito rapidamente. As águas que contribuem para ela passam por uma área que nós chamamos de “domínio do cristalino”. Futuramente eu quero crer que o recondicionamento dela e a remediação terá que ocorrer, às vezes é radical e acontece de alguém ter que esvaziar uma barragem e limpar ela toda para reutilizar e acumular de novo. No futuro a gente não vai poder descartar isso e o Rio São Francisco é fundamental para esse processo. Inclusive São José do Jacuípe já é localizado em terras altas, uma barragem que fica já em Capim Grosso, perto das terras altas. Então a transposição chegaria provavelmente lá e auxiliaria o sistema que hoje é atendido por São José. Aí imagine a população enorme que tem ali e que hoje tem uma água que não é tão boa do ponto de vista físico dela, não é a questão da saúde. Ela está no limite do teor de sal, você tem que ficar sempre dosando ela com outro tipo de água, misturando ou às vezes até abandonando a sua utilização, mas é porque você não tem outra fonte. Infelizmente você não tem outra fonte.
 
Essas obras foram postas como prioridade pelo governador eleito, Rui Costa (PT)...

Não espero nada diferente disso, até porque a gente acompanha o processo na Casa Civil, ele era de lá. Então acho que ele tem pleno conhecimento da situação aqui no estado antes de ser governador.

 

 

Vai ser possível essa ser uma medida imediata?
Imediata de curto prazo. Não é uma medida tão complicada, ela tem alguns desníveis, pra serem vencidos com a transposição, mas não é nada comparada com a transposição para o Ceará, para o eixo norte, que é bem menor, é um investimento infinitamente menor e que tem distâncias menores. Já há projetos praticamente pronto, não sei se esse projeto já está sendo elaborado pela Embasa, ou por outra empresa que trabalha com essa parte de obras, mas esse projeto já existe. O que não está pronto ainda é o detalhamento apenas pra ele começar a operação. A partir do início do próximo semestre, dependendo de questões financeiras que eu não tenho controle sobre isso, provavelmente já estaria apto para entrar em contratação e licitação. É algo que pode ser executado em pouco espaço de tempo. Digo que não tem nada comparado com a transposição do eixo norte, que é algo que não tem compreensão em relação a isso. A gente está falando de uma grande obra linear, de grande distância, que não tem às vezes o risco do projeto, ela não permite que você tenha detalhamento suficiente. Por isso que às vezes quando você vai executar o projeto você encontra dificuldades para fazer novos estudos porque ele é feito em escala. É como se fosse aberta uma planta, falando de maneira prática, é como se você reduzisse uma área em uma área menor, porque se você fosse fazer o detalhe metro a metro, vai ser equivalente ao custo da obra. Então a relação custo-benefício termina se perdendo.