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Rolling Stone faz dossiê sobre o Samba de Roda e o Prato-e-Faca do Recôncavo

Rolling Stone faz dossiê sobre o Samba de Roda e o Prato-e-Faca do Recôncavo
Foto: Luiz Santos/Acervo do IPHAN

A revista Rolling Stone publicou, nesta quarta-feira (19), uma reportagem sobre o Samba de Roda e o Prato-e-Faca, duas expressões culturais tradicionais no Recôncavo da Bahia. A veiculação do conteúdo acontece semanas após a própria Rolling Stone tratar o uso do prato e da faca como instrumentos inusitados e colocados em cena de forma "improvisada" pelo filho de Caetano, Moreno Veloso, pela primeira vez durante a live de aniversário do filho de Dona Canô.

 

Na época da primeira publicação, Caetano classificou a publicação da revista especializada em música como sendo de uma "ignorância inacreditável" (relembre aqui). "O fato é que de inusitado não tem nada. Prato e faca no samba de roda na Bahia é um instrumento tradicional. Mas, não é só na Bahia. Tem João da Baiana. Aqui no Rio ainda tem gente que toca em área de samba. Se você falar com qualquer pessoa do mundo do samba e que sabe das coisas, prato e faca é comum. Agora, uma revista de música pensar que prato e faca foi inventado na hora, porque Moreno não tinha instrumento, isso é uma maluquice. É uma ignorância inacreditável", explicou o cantor na ocasião.

 

No dossiê desta quarta-feira, a Rolling Stone conversou com J. Velloso, produtor, cantor e compositor natual de Santo Amaro para falar sobre a sua vivência com o Samba de Roda. "Não precisava contratar um grupo de samba. Os próprios santo-amarenses já eram sambistas por natureza. Um cantava, outro respondia e ia aumentando. Aí, aparecia alguém e começava a bater palmas", ressaltou o artista.

 

Destacando a relação entre a linguagem e a cultura afro-diaspórica, a publicação também deixa claro que o Samba do Recôncavo inspira diferentes musicalidades brasileiras. Uma das fontes ouvidas pela revista, o professor de Etnomusicologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Carlos Sandroni, afirmou que a tradição de "se juntar para cantar, dançar e tocar junto ao som de certos ritmos e instrumentos" é integrante de uma matriz cultural que inclui o Samba de Roda.

 

"O repertório de cantigas tradicionais é muito rico, e cresce com a criação de novos sambas dentro dos estilos tradicionais da chula, do corrido, etc. As maneiras de dançar, das quais a mais conhecida tem o passo chamado de 'miudinho', são maravilhosas", elencou Sandroni.

 

Rosildo Rosário, um dos sambadores mais importantes atualmente no Recôncavo, vai além na definição do samba de roda: “Me arriscaria a dizer que não haveria música baiana se não existisse o samba de roda do Recôncavo". Para ele, esse "samba constituído no campo semântico possibilita a utilização e interpretação em qualquer recorte temporal. O samba se completa com outras manifestações e reorienta para outros campos da música. Foi construída uma identidade musical no Brasil em torno do samba". 

 

A Rolling Stone ainda dá conta do percurso histórico da manifestação cultural, que tem registros das primeiras referências nas décadas de 1860 e 1870. 

 

Doutorando em etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador das musicalidades e culturas africanas e afrodiaspóricas, Marcos Santos explicou que "enquanto acontecimento, [a roda] é um princípio que fundamenta muitas das tradições do continente africano bem como tradições dos povos originários do Brasil". "Ela organiza a partilha de experiências musicais nos diversos lugares e contextos do nosso território, a exemplo dos candomblés, os sambas de coco, os jongos, tambor de crioula, as cirandas, os batuques de umbigada do sudeste e os sambas de roda", completou. 

 

Um dos nomes que têm evidência no cenário é o da sambista baiana Dona Dalva Damiana, doutora honoris causa pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e líder de um dos grupos de samba mais famosos, o Samba de Roda Suerdieck, de Cachoeira. "[Ela] era funcionária da fábrica de charutos Suerdieck, naquela cidade, e criou o grupo com suas companheiras de trabalho.", explica Sandroni, afirmando que o grupo fundado por ela mostra a proximidade do samba de roda com o cruzamento de processos identitários, religiosos e econômicos da região do Recôncavo. 

 

Além do Samba de Roda, compõem o "guarda-chuva" o Samba Chula, Corrido, de Viola, de Parada. Tradições distintas, ritmos, instrumentos, danças, estéticas, sonoridades diferenciam os diferentes sambas. 

 

A Rolling Stone ainda comenta sobre o prato-e-faca e a importância de Edith do Prato. "Como bem sabemos, não foi permitido à pessoa africana escravizada trazer instrumentos musicais em sua travessia, entretanto, foram trazidos em seus corpos referenciais sonoros identitários", explica o pesquisador Marcos Santos. Daí é que vem a instrumentalização. "Atrela-se ao lugar da ressignificação de uma pretensa carência de um instrumental originário em um novo e estabelecido referencial sonoro - prática própria da diáspora -, e pela localização geográfica interna de uma casa em período colonial, onde as mulheres passavam maior parte do tempo e tinham permanente acesso a esses utensílios: ou seja, na cozinha".