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Vocalista de As Bahias e a Cozinha Mineira quer que programa na TV seja 'lugar de resistência'

Por Lara Teixeira

Vocalista de As Bahias e a Cozinha Mineira quer que programa na TV seja 'lugar de resistência'
Foto: Reprodução / Instagram

Vocalistas do grupo As Bahias e A Cozinha Mineira, Assucena Assucena e Raquel Virginia fizeram sua estreia como apresentadoras de TV nesta quarta-feira (7). O programa comandado pelas artistas é o ‘ABZ da Música’, transmitido pelo canal fechado Music Box Brazil, que irá reunir 26 artistas e bandas cujas iniciais dos nomes formam cada uma das letras do alfabeto, para debater sobre diferentes temas.

 

Durante a criação do programa as artistas tiveram liberdade para sugerir perguntas e revelaram ao Bahia Notícias que isso fez com que elas se sentissem menos pressionadas para encarar o novo desafio que era estar, dessa vez, no papel das entrevistadoras. “Eu sempre estive do lado da entrevistada, mas o que me deixou confortável para aceitar o convite foi o fato de a gente viver e ser da música. Então vamos falar nos programas de uma coisa que é totalmente genuína do nosso ofício. A equipe deu total liberdade para a gente modificar alguns pontos. As perguntas são nossas, estudamos bastante cada convidado”, conta Assucena.

 

“Foi super lindo, eu estudei bastante sobre a vida de cada pessoa que a gente fosse entrevistar, e isso é muito raro, porque normalmente só escutamos as músicas, mas não paramos para saber sobre eles. Foram duas semanas consecutivas gravando, e nesse período foi incrível perceber a diferença entre cada artista, e ver como cada um tem sua história, sua realidade. Isso é curioso, porque as histórias dos artistas se confundem com a história do Brasil, com os dilemas do país. Então quando entrevistamos a Negra Li, Luedji Luna, a Xênia França, você consegue perceber o recorte racial que existe das mulheres negras, o recorte de classes e como isso reverbera na carreira e nas obras delas”, contou Raquel. 

 

“A gente teve uma oportunidade de ouro, até para nos autoconhecer enquanto artistas, porque eu acho que um artista é espelho do outro”, completou Assucena.

 

O episódio de estreia do ‘ABZ da Música’ contou com a participação da cantora paulista Anelis Assumpção e, de acordo com Assucena, o retorno dos telespectadores e também da imprensa foi positivo. “Está sendo muito legal, e está tendo um interesse também da imprensa por isso, porque eu acho que a música brasileira está carecendo de bons programas que falem de música. Na música brasileira você tem pérolas das poéticas, da lírica, da letra, da harmonia, da melodia. Nós temos um Caymmi, um Cartola, um Gonzaga, Caetano, Gil, Chico Buarque... não é brincadeira o que o Brasil tem de patrimônio musical”.

 

 

A partir desse retorno do público, a vocalista confirma que já existe uma conversa sobre uma segunda temporada do programa. “Não tivemos dificuldade de entrevistar, as pessoas estavam afim, e acho que pelo fato de sermos parceiras de profissão isso ajudou, existe um cooperativismo”, acredita Assucena.

 

Ela e Raquel são mulheres trans e acreditam que esse espaço na televisão “é um marco” e que, encarando o papel de apresentadoras, elas podem “contribuir para uma discussão sobre cultura no Brasil”. “Quando a Ana (produtora do programa) chamou a gente, ela disse que estava com saudades de trabalhar com música e falou: ‘eu não chamei vocês porque vocês são trans, e sim porque são maravilhosas’, e aí eu achei aquilo incrível. Mas mesmo que ela não tenha chamado porque somos trans, nós somos trans. E isso é um fato importantíssimo, porque as pessoas precisam ver que não estamos enclausuradas em quatro paredes esperando a noite chegar para sair na rua e se prostituir”, aponta Assucena. 

 

"É aquela velha questão, estamos mostrando para as pessoas que temos intelecto, dignidade. Parece óbvio mas não é, as pessoas acham que travesti não fala bem, não tem condições de ter disciplina, e por isso travestis acabam não tendo emprego, acabam caindo na informalidade e acabam sempre caindo na prostituição, porque é o lugar que a sociedade acaba escolhendo para que as travestis estejam. Então, eu acho que estamos em um lugar perguntando, interagindo, mostrando que a gente desenvolve qualquer projeto que derem para a gente, que a gente faz isso com excelência, com responsabilidade, como qualquer outro bom profissional faz. Eu acho que é um sinal importante, para tempos de intolerância, de muito preconceito, de quebra de paradigmas", complementou Raquel. 

 

Assucena fez questão de destacar que sentiu falta de entrevistar alguns artistas trans como a Liniker e Linn da Quebrada, mas afirmou que elas irão compensar na próxima temporada. “Falamos para a produção ‘queremos pessoas trans’, mas se por um lado não entrevistamos pessoas trans, por outro lado tínhamos duas pessoas trans presentes ali, então não teve uma ausência da representatividade. Mas eu acho que foi muito interessante a gente também não falar sobre esse assunto, porque nós duas já somos o assunto. Eu não preciso abrir a minha boca para falar de transgeneridade se eu não quiser, eu já estou falando por estar aqui. Existe uma sociedade que invisibiliza os trans, e eu não tô sendo invisibilizada, o programa é meu e da Raquel, então eu acho que isso é muito bonito”.

 

Questionada sobre possíveis ataques ao programa, Assucena afirma que “os ataques sempre aconteceram” e falou sobre como a postura do atual presidente eleito Jair Bolsonaro em relação à comunidade LGBT pode intensificar o preconceito existente. “O ataque à população LGBT se intensifica porque está se falando disso, e também o atual presidente eleito tem uma postura LGBTFóbica e, nesse sentido, ele assumir essa postura faz os eleitores dele assumirem também. Por isso que está acontecendo essas barbaridades de perseguição”.

 

“Eu acredito que o que eu vou continuar fazendo na minha vida de verdade é manter a postura de uma artista engajada, porque só a minha existência já é um engajamento. A gente precisa cada vez mais se organizar. Eu acho que o que está latente de verdade, e isso não é fruto somente do atual presidente, é que a sociedade brasileira é LGBTFóbica, conservadora, e o que a gente precisa é combater essas ideias, e discutir socialmente, mas sem moralidade, porque se a gente vai entrar na lgbtfobia, a gente vai entrar nas questões religiosas, e como fazer isso dentro de um país que o candomblé não é respeitado como uma religião? Precisamos discutir de uma forma laica", defende a artista.

 

Mesmo assim, ela espera um retorno positivo que vai além do elogio ao trabalho. “Eu acho que o programa não vai sofrer agora, porque no mesmo passo que você tem pessoas homofóbicas, a gente está se unindo. Então eu acho que as pessoas vão enxergá-lo como um lugar de resistência, e como um refúgio de um debate sincero sobre cultura e arte, e a nossa cara está lá”, completa Assucena.

 

O programa ‘ABZ da Música’ será transmitido toda quarta-feira, às 21h45 (horário de Salvador), pelo canal fechado Music Box Brazil, que é distribuído pelas principais operadoras do país. Com direção de Joana Mendes da Rocha, o conteúdo terá reprises aos sábados, às 19h45, e às terças-feiras, às 18h (ambos no horário de Salvador). Ao todo, serão 26 episódios.