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Marca Bahia Notícias

Notícia

‘É uma instalação para ser sentida’, diz fotógrafo sobre mostra que retrata quilombolas

Por Jamile Amine

‘É uma instalação para ser sentida’, diz fotógrafo sobre mostra que retrata quilombolas
Foto: Divulgação
O soteropolitano Alvaro Villela fez um caminho inusitado até chegar ao mundo da fotografia. Cursou biologia nos anos 80, mas diante do processo de luta pelo fim da ditadura militar no Brasil, foi arrebatado pelo jornalismo, que o conduziu ao campo das imagens. “Eu era militante político, participava do movimento estudantil. Na época eu vi o filme ‘Sob Fogo Cerrado’, sobre um jornalista que vai cobrir a guerra na Nicarágua. E ai a percepção do que acontecia ali pelo jornalismo me fez apaixonar pela fotografia de forma arrebatadora. Larguei a biologia e, como queria fotografia, fui procurar o jornalismo, que era o que tinha de mais próximo na época”, conta Villela, que desde então fez diversos cursos, participou de muitos festivais, lançou dois livros, e hoje está em cartaz no Museu de Arte da Bahia (MAB), com a exposição “Faces”, sobre as comunidades quilombolas de Barra do Brumado e Bananal, situadas na Chapada Diamantina.
 
O tema da mostra também acabou cativando o fotógrafo por acaso, quando ele desenvolvia um trabalho de pesquisa documental com índios da região norte da Bahia. “Eu estava pesquisando sobre os índios de Pancararé, no Raso da Catarina, região de caatinga. Depois fui atrás das relações ribeirinhas. Buscando isso eu achei três grandes rios na Bahia: Rio Grande, Rio Paraguaçu e Rio de Contas, onde encontrei essas comunidades. Até então eu estava interessado pela relação com a água, mas ai em 2010 fui contratado pela Sepromi (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia) para fotografar quilombolas. O trabalho era dividido entre outros fotógrafos, mas me coube estas duas, Bananal e Barra do Brumado”, lembra Villela.
 

O fotógrafo retratou integrantes das comunidades quilombolas de Barra do Brumado e Bananal | Fotos: Reprodução
 
Imerso no ambiente das comunidades formadas pelos descendentes de escravos, o artista fotografou o cotidiano daquelas pessoas, mas durante a busca das relações ancestrais percebeu que “estavam muito difusas e já existia um processo de aculturação muito forte”. Após o trabalho, Villela voltou a Salvador com a “inquietação de descontextualizar as pessoas e fotografar simplesmente os rostos”, já que para ele nas faces é que se mantinha a tradição. “A pele fazia a ligação dessas pessoas com sua comunidade. Voltei lá e montei um ‘estudiozinho’ na casa de uma das moradoras e convidei pessoas para fotografar. Foi processo forte, as imagens vêm carregadas de verdade. Paravam na minha frente e se entregavam de forma que chegava emocionar”, conta o fotógrafo, que na mostra em cartaz pretende resgatar esta carga emocional.
 
Mais que uma simples exposição, Villela diz ter criado uma instalação para reproduzir toda a atmosfera daquelas comunidades quilombolas. “Temos retratos em grande formato, 0,80m x 1,20m, com fundo escuro, luz recortando, e ambiente todo na penumbra. Fiz captação de som nas noites que passei nas comunidades e uso como background que perpassa toda a exposição. Isso cria uma atmosfera sinestésica, onde as pessoas que entram são arrebatadas. É uma instalação para ser sentida. Muito mais que ver, é experimentar e sentir. Quero fazer com que cada um se sinta olhado por eles [quilombolas retratados]. Da mesma forma que estamos vendo, estamos sendo vistos”, diz o artista, que escolheu a fotografia em preto e branco como opção estética. “Uma vez que estava descontextualizando e trazendo interpretação da realidade, achei que o preto e branco fosse contribuir para fortalecer esse conjunto de opções estéticas. Eu amo preto e branco, a maioria do meu trabalho é em preto e branco. Não desconsidero a cor, mas acho que com o preto e branco você consegue aprofundar muito mais, você entra em uma imersão maior, porque uma vez que você tem a cor como guia, ela acaba te guiando e você fica muito preso na forma. Mas é uma coisa muito pessoal, outros fotógrafos têm outra opinião”, explica.
 

Villela usou o preto e branco como opção estética para provocar uma maior imersão do público ao tema retratado | Foto: Reprodução
 
A exposição, que segue em cartaz até o dia 30 de novembro, não poderia acontecer em data mais oportuna, no mês da Consciência Negra. Para Villela, a experiência é ainda mais especial pela cultura negra ocupar um espaço público como o Museu de Arte da Bahia, que “sempre foi tido como área aristocrática”. “Me sinto orgulhoso de isso ter acontecido através desta exposição. Propus a parceria com a Sepromi e foi muito bem casado, por estas três potências, porque o MAB teve a sensibilidade de trazer a mostra neste momento”, afirma o fotógrafo. “Neste momento que temos visto manifestações de intolerância, você trazer isso e mostrar é uma resposta que a Bahia dá, que Salvador como cidade dá, dizendo não à intolerância. Isso só fortalece o Novembro Negro”, completa.


Serviço
O QUÊ: Exposição “Faces”, de Alvaro Villela
QUANDO: Até 30 de novembro. De terça-feira a sexta-feira, das 13 às 19h e Sábado, domingo e feriados, das 14 às 18h
ONDE: Museu de Arte da Bahia (MAB) – Avenida 7 de Setembro (Corredor da Vitória) 2340
QUANTO: Entrada gratuita