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Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: uma triste realidade

Por Alison Carneiro Santos

Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: uma  triste realidade
Foto: Acervo pessoal

A história da escravidão está intimamente ligada à história da humanidade. Ela esteve presente nas principais sociedades da antiguidade, como a Grécia e Roma. Muitos estudiosos apontam que a origem da escravidão estaria no período da decomposição do regime comunal, no mesmo período que os homens começaram a substituir a caça pela criação, e a dominar técnicas rudimentares de agricultura e fundição. Desde então, em um lugar ou noutro, a escravidão esteve presente nas sociedades até o final do século XIX, quando ela foi formalmente proibida em quase todo o mundo. Aquelas imagens dos escravos antigos (gregos, romanos) ou dos negros traficados para as Américas, acorrentados, açoitados, humilhados, vendidos em praça pública e transportados como animais permeiam o imaginário popular e o que entendemos por escravidão.

 

Esse imaginário é muito forte, e muitas vezes é utilizado, não por acaso, por parcelas sociais e políticas para desconstruir um outro conceito, o da escravidão contemporânea. Após a abolição formal da escravidão em todo o mundo, e o desenvolvimento do capitalismo industrial, outros tipos de exploração do homem pelo homem passaram a preocupar a comunidade internacional. Eram casos em que, mesmo não sendo escravos, pois não eram mais propriedade de alguém, inúmeras pessoas estavam sendo submetidas à situações de trabalho igual ou pior do que os antigos escravos. Pessoas essas que laboravam por mais de 18 horas, sem qualquer tipo de proteção, e não eram remuneradas pelo empregador. Pessoas que laboravam o mês inteiro, e seus soldos eram incapazes de cobrir o seu custo de sobrevivência, e que de propósito eram induzidas à dívida pelos seus empregadores, como forma de mantê-los obrigados a trabalhar. Pessoas que tinham o seu direito de ir ou vir restringido por dívidas, ameaças ou violência.

 

Essas práticas são o que se chama mundialmente de escravidão contemporânea. A escravidão contemporânea é um problema mundial, e está presente em praticamente todos os países, inclusive, no Brasil. Ela é uma grave violação aos direitos humanos mais básicos, como a liberdade e a dignidade. A The Walk Free estimou em 2016 que haveria no mundo cerca de 45,8 milhões de pessoas nessa condição. Destes, cerca de 161.100 estariam no Brasil, dos quais a maior parte em atividades ligadas à lavoura, desmatamento, pecuária, produção de carvão vegetal, mineração, confecções têxteis e a construção civil.

            

O Brasil, meio a contragosto, teve que reconhecer, no governo do então Fernando Henrique Cardoso, o que já era bem conhecido pela nossa sociedade, que havia em nosso território trabalho em condições análogas à escravidão. As práticas truculentas de alguns fazendeiros brasileiros, baseadas na lei do chumbo e da ameaça, chegaram ao exterior no caso "Zé Pereira", e de forma contundente. Em 1989, José Pereira (nome mais brasileiro ele não poderia ter) e seu amigo "Paraná" empreenderam fuga da Fazenda Espírito Santo, devido aos maus tratos que estavam sofrendo no local, e foram alcançados e alvejados por três capangas. Para azar do fazendeiro, dos três capangas e sorte do Brasil, ele sobreviveu, e deu origem a uma solução amistosa, na qual o Brasil se obrigou, entre outras coisas, a efetivamente reprimir o trabalho escravo.

            

Desde 1995, os Auditores-Fiscais do Trabalho, através da ação do Grupo de Fiscalização Móvel, já resgataram no país mais de 50 mil pessoas em condições de trabalho análogas à escravidão. Aqui na Bahia, em maio do ano passado, em virtude da quantidade de denúncias locais de casos de submissão dos trabalhadores a condição de trabalho análoga à escravidão, a Superintendência Regional do Trabalho criou o Grupo Especial de Combate ao Trabalho Análogo ao Escravo na Bahia (GETRAE-BA). Essa experiência, apesar de recente, já gerou frutos, pois inúmeros trabalhadores já foram resgatados.

            

No dia 28 de janeiro comemoramos o "Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo”, com uma sensação de que há muito por lutar. Primeiro, pelo fato de que tão importante bandeira, que é devolver a dignidade e a liberdade a inúmeros trabalhadores brasileiros, não é prioridade de Governo. Pelo contrário, é objeto de resistência e ações políticas contrárias ao desenvolvimento da política repressiva. São exemplos disso, a não recomposição dos quadros da carreira da Auditoria, o constante contingenciamento de recursos e os ataques contra o conceito de trabalho análogo à escravidão pela Portaria 1.129/17 e à lista suja.

            

Não sei se você sabe, mas o dia 28 foi escolhido como forma de homenagear colegas assassinados em 2004 no município de Unaí, pelo simples fato de estarem cumprindo a sua missão institucional e a lei do nosso país.

            

Espero, enquanto Auditor-Fiscal do Trabalho, que o Estado brasileiro não retroceda em nada na sua política de combate ao trabalho escravo, pois, infelizmente, é uma triste realidade.

                 

 * Alison Carneiro Santos é auditor-fiscal do trabalho e membro do Grupo Especial de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo na Bahia (GETRAE-BA)

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias