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Anísio Teixeira, o homem que pensou a educação do Brasil

Por Maria José Rocha Lima

Anísio Teixeira, o homem que pensou a educação do Brasil
Foto: Acervo pessoal

 

A primeira atividade do ciclo de debates sobre o Fundeb, no Senado Federal, realizada no dia 12 de setembro, chama-nos a atenção! Continuam extraordinariamente atuais as ideias de Anísio Teixeira, a exemplo dos fundos de financiamento para a educação, e que mobilizam a comunidade educacional e parlamentares no Congresso Nacional, em meio à maior crise da história política brasileira.  

 

Imaginem o esforço despendido para emplacar essa discussão sobre a permanência de um fundo para a educação, em meio a esta crise! Anísio Teixeira até me lembrou Pelé, que parou uma guerra com sua partida de futebol.

 

Em meio à turbulência que abala o País, os senadores estão dando justo e merecido espaço para debater propostas que visam tornar permanente o Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação, que está com seus dias contados e, cujo desmonte, acarretaria um verdadeiro caos na educação nacional.

 

Preocupados com essa possibilidade, parlamentares deram início às discussões sobre como tornar permanente o Fundeb, a partir da apresentação de Propostas de Emenda Constitucionais: a PEC 015/2015, de autoria da deputada federal Raquel Muniz (PMDB-MG); e, no Senado Federal, a PEC 024/2017, de iniciativa da senadora Lídice da Mata (PSB-BA).

    

O que diferencia uma PEC da outra é que a da senadora Lídice da Mata, além de tornar permanente o Fundeb, o inclui no corpo da Constituição Federal, retirando-o das Disposições Transitórias. E vai além, ao propor a elevação dos investimentos da União em educação, para garantir a implantação do custo aluno-qualidade e a elevação do piso salarial dos professores.

 

A constituição de fundos contábeis de financiamento da educação foi ideia do grande educador baiano Anísio Spínola Teixeira. Essa concepção foi construída pelo educador durante as discussões sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação. Naquele período, Anísio refletia: "Precisamos (...) constituir fundos para a instrução pública, que estejam não só ao abrigo das contingências orçamentárias normais, como também permitam acréscimos sucessivos, independentemente das oscilações de critério político de nossos administradores".

 

Assim, há 85 anos, profeticamente, o educador antevia que os fundos poupariam os recursos da educação, tanto das contingências orçamentárias, como das oscilações de humor dos governantes de plantão. Recentemente vimos a efetividade da sua proposta de manter-se fundos protetores dos recursos da educação: com a promulgação da Emenda Constitucional 95/2016, que delimitou o teto de gastos públicos (originada na PEC 55/2016), algumas despesas não vão ficar sujeitas ao teto. É o caso das transferências de recursos da União para estados e municípios e das verbas para o Fundeb.

 

É bom lembrar que durante as vigências dos fundos para a educação tivemos tanto no Fundef (entre 1996 e 2006) como no Fundeb (que iniciou em 2006 e tem validade até 2020), a sub vinculação dos recursos da educação, evitando fuga de recursos para outras áreas, além da redução dos subterfúgios na aplicação de recursos para a educação e, em alguma medida, redução das desigualdades educacionais e avanços, mesmo tímidos, na política salarial do magistério brasileiro.

 

São indiscutíveis os resultados do Fundef, que quase universalizou o ensino fundamental; assim como, até o momento, os resultados do Fundeb, que ampliou a escolaridade obrigatória da educação infantil ao ensino médio, como queria Anísio Teixeira. Foi também de Anísio a concepção de educação básica, adotada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no próprio Fundeb, e que abrange da educação infantil até o ensino médio. Ele afirmava que o ensino obrigatório deveria se "estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos."

Para ele, a obrigatoriedade do ensino desde a mais tenra idade até a adolescência é "mais necessária ainda na sociedade moderna, em que o industrialismo e o desejo da exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem, cuja formação é frequentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas." 

 

Os estudos da obra de Anísio Teixeira nos remeteram às discussões sobre a formação de professores: "Deveríamos elevar as escolas normais à categoria profissional (...). Não direi para torná-las, de chofre, de nível superior, mas para lhes acentuar o espírito de formação nitidamente profissional". Vemos assim, como suas ideias fecundaram a proposta de formação superior para os professores dos níveis iniciais; e até sugeriram a criação de uma carreira nacional para o magistério, evitando a diferenciação de escola municipal, escola estadual e federal, mas apontando para a criação de uma escola de caráter nacional.

 

As propostas mais fecundas da educação nacional tiveram inspiração neste estadista da educação: os fundos (Fundef e Fundeb) para a educação; a educação de tempo integral (como nos casos dos CIEPS e  CIACS); a concepção ampliada da educação básica (da educação infantil ao ensino médio); a formação superior para os professores das séries iniciais; e o sistema nacional de educação; além dele ter sido um promotor das ideias sobre a escola ativa, na qual o aluno tinha que ter iniciativa, originalidade e agir de forma cooperativa.

 

Lembrando algumas de suas propostas para a educação básica, não retratamos outras de suas ricas contribuições para a construção do ensino superior, da pesquisa e das contribuições para a criação de universidades, fundando inclusive a Universidade de Brasília.

 

Como bem lembra Darcy Ribeiro, “Anísio Teixeira é o pensador mais discutido, mais apoiado e mais combatido do Brasil. Ninguém é também tão negado e tem tantas vezes seu pensamento deformado (...). Suas teses educacionais se identificam tanto com os interesses nacionais e com a luta pela democratização da nossa sociedade que dificilmente se admitiria pudessem provocar tamanha reação num país republicano”.

 

Falar sobre Anísio Teixeira significa reconstruir toda a trajetória da luta em defesa da escola pública, laica, gratuita e de qualidade no Brasil. Atual, ele inspira, orienta e ilumina os caminhos dos que só acreditam na democracia com um povo educado e preparado para governar e controlar quem governa.

 

Seu apelo inspirou o Manifesto dos Pioneiros, em 1932, e nos inspira: "Só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública. Mas não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente preparados e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados. E sim a escola pública rica e eficiente, destinada a preparar o brasileiro para vencer e servir com eficiência dentro do país".

 

O legado de Anísio Teixeira para a geração atual e as futuras é de que "só pela escola se pode construir a democracia" e de que, "dada a absoluta penúria da escola pública, democracia é ainda uma palavra vã, usada para justificar a farsa triste de um sufrágio universal irrisório".


 

* Maria José Rocha Lima é presidente da Casa de Educação Anísio Teixeira. Professora e mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi deputada estadual na Bahia em duas legislaturas (1991-1995 e 1995-1999)

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias