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Inovação, Cerveja e Bananada

Por Marcio Luis Ferreira Nascimento

Inovação, Cerveja e Bananada
Foto: Acervo pessoal
Inovar é preciso, e quem diz isto é um novo tipo de poeta, com formação em empreendedorismo, gestão, ciências ou engenharia. As empresas precisam inovar para sobreviver, e existe um grande e crescente volume de informações e tecnologias disponíveis de modo cada vez mais rápido.

Alunos do curso de graduação em Engenharia de Controle e Automação de Processo da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia se dispuseram a realizar um projeto diferenciado: elaborar cerveja artesanal, supervisionados por professores. Foi solicitado a eles construírem desde o início todo o processo de fabricação de cerveja em pequena escala, desde a escolha dos materiais, moagem, pesagem, controle da temperatura, agitação, tempo de fermentação, filtragem, extração, resfriamento, maturação, etc. Os avaliadores – e não poderia ser de outro modo – foram os mesmos professores que orientaram o trabalho, além de alguns ilustres convidados que visavam garantir o controle da qualidade do produto. 

No entanto, além da tarefa básica – produzir uma boa bebida – os alunos deveriam inovar, repensando as etapas de todo o processo de fabricação, e propor novas soluções.

Mas o que é inovação? Como sugerir algo novo para um processo tão antigo como a produção de cerveja, vinculado a tão diferentes culturas?

Um bom (e simples) exemplo de inovação e da importância da engenharia e da tecnologia pode ser encontrado na internet, e creditado a um pretenso discurso de colação de grau de engenheiros – no entanto, o texto é apócrifo. Ainda assim, é simplesmente maravilhoso, pois envolveu uma singela idéia relacionando bananas e o doce de banana – ou bananada, aquela mesma que mães e avós costumam fazer para adoçar mais a vida de seus entes queridos.

A banana é vulgarmente associada a uma fruta de polpa doce e macia que pode ser consumida crua, mas na verdade é um pseudofruto, pois tecnicamente é uma estrutura que se desenvolve sem que haja fecundação – e consequentemente, sem produzir sementes, diferente do que ocorre nas demais frutas. É rica em carboidratos, sais minerais e vitaminas, possuindo ainda poucos lipídios – portanto, é um alimento muito saudável. Já a bananada consiste da banana e outros ingredientes, bem como o uso de meios de transformação da matéria, por exemplo através da aplicação da energia térmica no cozimento. Mas o mais importante a se destacar é o conhecimento (ou tecnologia) da mamãe ou da vovó, que podem ser consideradas “engenheiras culinárias”. A bananada é, portanto, um produto diferenciado, que gera mais riqueza do que a venda de simples bananas, pois se o preço do quilograma da banana custa um determinado valor, a bananada pode atingir facilmente cinco vezes este preço.

Por que esta diferença de preços? Porque, de uma maneira bem simplificada, ao produzir e colher bananas, é necessário apenas empregos simples – como o de produtor / colhedor. Já a bananada pode gerar mais empregos, como por exemplo aqueles vinculados à indústria do açúcar pela necessidade do uso da cana-de-açúcar; também precisa de gás de cozinha, de fogões, de panelas, de colheres e até mesmo de embalagens, porque tudo isto é necessário para se fabricar a bananada.

Em resumo, 1 kg de bananada custa mais que 1 kg de banana porque a bananada é igual a banana mais tecnologia agregada, e a sua elaboração gera mais empregos do que o simples plantio e colheita. Esta é uma mera ilustração de uma grande verdade da economia moderna: quanto mais tecnologia adicionada a um produto, maior o seu preço, e mais empregos são gerados. Países ditos ricos conhecem muito bem esta regra, e investem pesadamente em pesquisa, ciência e tecnologia (incluindo a pesquisa básica – pois ela será aplicada num futuro próximo, como mostra a história da ciência e da tecnologia...). Países ditos sérios não miram diretamente o consumismo, e sim o bem estar de seus cidadãos, garantindo dignidade e conforto pelas riquezas geradas a partir do conhecimento.

Para que o nosso país estanque suas imensas desigualdades sociais, uma das soluções consiste em produzir riquezas embasadas em conhecimento – vender cada vez mais bananadas utilizando dos imensos recursos naturais à disposição, bem como das ideias e força de trabalho de jovens engenheiros, técnicos e cientistas brasileiros engajados e motivados. Um bom livro sobre o assunto foi escrito pelo economista americano Lester Carl Thurow (1938 - 2016): “Building Wealth: The New Rules for Individuals, Companies and Nations” (algo como: “Construindo Riqueza: as Novas Regras para Indivíduos, Empresas e Nações”, Ed. Harper Collins, 1999). Urge modificar a estrutura de determinadas indústrias, que apenas servem de montadoras de kits e projetos já prontos – sejam estes vinculados à eletrônicos, à industria metalo-mecânica, à de remédios, e assim por diante.

É ainda importante ressaltar que as empresas proprietárias de tais projetos e kits tecnológicos podem engessar uma economia, pois muitos deles são vinculados à patentes bastante restritivas; e estas em geral estão vinculadas à acordos que requerem importação de itens cada vez mais caros, dificultando assim o avanço tecnológico, por não permitirem modificações, tanto em hardware quanto em software. Infelizmente, a dependência científica e tecnológica também acarreta aos brasileiros uma dependência econômica, social, cultural e política. E uma das soluções para alcançar a soberania está diretamente associada ao desenvolvimento cientifico e tecnológico – basta fomentar a criatividade para em pouco tempo ocorrer a necessária transformação do Brasil num país mais moderno, próspero e socialmente mais justo. E não como um reles produtor e abastecedor de recursos naturais e mão-de-obra aviltada.

Voltando à cerveja, os discentes do curso de Engenharia de Controle e Automação de Processo foram provocados a apresentar soluções inovadoras para algumas etapas do processo da cerveja. E conseguiram, implementando o uso da plataforma Arduino no controle do processamento (www.arduino.cc), um rótulo chamativo, bem como a elaboração de aplicativo especifico indicando as etapas do processo, entre outras coisas... A primeira envolveu uma plataforma aberta, de hardware livre e linguagem de programação idem, e que poderia ser uma solução paliativa para o uso de kits prontos, caríssimos e patenteados. Já o uso do aplicativo é outra solução curiosa e atual – onde é possível ser informado em tempo real sobre qualquer uma das etapas do processo. Soluções curiosas, criativas, objetivas e simples para um processo milenar, elaboradas por jovens desejosos de conhecimento e aplicações...

De fato, produzir conhecimento, aplicá-lo e com prazer não deixa de ser uma inovação. E tal tarefa não se restringe apenas ao mero ensino. Certamente, é preciso criar condições para efetuar um salto de qualidade nas escolas, faculdades e universidades para ocorrer um salto correspondente nas empresas nacionais. Mas há importantes entraves – um deles, como escreveu Lester Thurow em seu livro, consiste num dos grandes pontos de interrogação tanto para a universidade quanto aos jovens hoje, nesta sociedade baseada no conhecimento: como escolher uma profissão em um sistema em que não existem mais carreiras tradicionais, totalmente determinadas, pois a inovação exige mudanças em vários aspectos da vida, inclusive a vida acadêmica. Inovar é mais que preciso, é absolutamente necessário. 

Aproveitando a ocorrência da Semana Nacional de Ciência, Tecnologia (e Inovação): http://semanact.mcti.gov.br, é preciso ainda destacar a importância dos tecnólogos e engenheiros – independente de sua carreira específica – no desenvolvimento do país, e que existem muitas oportunidades de aplicação dos conhecimentos clássicos em novos problemas e / ou situações, que podem gerar inovações. Se possível, as inovações devem alimentar não apenas alma, que tem sede de saber – como também o corpo, que tem outro tipo de sede. E que no caso dos estudantes baianos, estes podem se refrescar com uma cervejinha de altíssima qualidade, sabor, aroma e temperatura adequada... Tim-tim.
 

* Marcio Luis Ferreira Nascimento é Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias